Carlos Newton
Nesta época do ano, em que se evoca a divina presença de Cristo, é sempre importante lembrar também a atuação dos outros enviados que criaram as principais religiões, com doutrinas muito semelhantes entre si e praticamente os mesmos ensinamentos, como Krishna, Lao Tsé, Moisés, Buda, Confúcio, Zoroastro, Sócrates e Maomé.
Entre esses doutrinadores, os registros mais precisos que existem são de Sócrates, embora ele tenha nascido muito antes de Jesus (400 anos) ou Maomé (1.100 anos). Seu importantíssimo legado nos foi transmitido por dois de seus discípulos em Atenas: Platão e Xenofonte.
Ministrados quatro séculos antes do nascimento de Jesus Cristo, os ensinamentos de Sócrates perduram até hoje e influenciaram não somente o Cristianismo, em suas diferentes segmentações, mas também outras religiões derivadas, notadamente o Espiritismo, que é baseado em pensamentos do mestre ateniense.
O QUE DISSE KARDEC – Em sua monumental obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Allan Kardec destacou que a doutrina cristã “foi pressentida muitos séculos antes de Jesus e dos essênios, tendo por principais precursores Sócrates e Platão”.
Mas também é certo que, muito antes de Sócrates e Platão, grandes pensadores já haviam concluído haver uma nítida separação entre corpo e alma (espírito). Assim, há religiões que acreditam em reencarnação, outras até pregam a transmigração das almas ou metempsicose, segundo a qual o homem poderia reencarnar também em animais.
Kardec analisou em profundidade os ensinamentos de Sócrates em relação à espiritualidade, mostrando inclusive que o grande pensador tinha dúvidas e por isso se recolhia à modéstia, repetindo o célebre questionamento: “Só sei que nada sei”.
DÚVIDAS SOBRE A MORTE – Aos juízes que o condenaram à morte, em um dos maiores erros judiciais da História, disse Sócrates, segundo o relato de seu discípulo Platão:
“De duas uma: ou a morte é uma destruição absoluta, ou é passagem da alma para outro lugar. Se tudo tem de extinguir-se, a morte será como uma dessas raras noites que passamos sem sonho e sem nenhuma consciência de nós mesmos. Todavia, se a morte é apenas uma mudança de morada, a passagem para o lugar onde os mortos têm de se reunir, que felicidade a de encontrarmos lá aqueles a quem conhecemos! O meu maior prazer seria examinar de perto os habitantes dessa outra morada e distinguir lá, como aqui, os que são dignos e os que se julgam tais e não o são. Mas é tempo de nos separarmos, eu para morrer, vós para viverdes”.
CORPO E ALMA – Na prisão, onde continuava a ser visitado por seus discípulos, afirmou Sócrates sobre a vida após a morte:
“O corpo conserva bem impressos os vestígios dos cuidados de que foi objeto e dos acidentes que sofreu. Dá-se o mesmo com a alma. Quando despida do corpo, ela guarda, evidentes, os traços do seu caráter, de suas afeições e as marcas que lhe deixaram todos os atos de sua vida. Assim, a maior desgraça que pode acontecer ao homem é ir para o outro mundo com a alma carregado de crimes. Vês, Cálicles, que nem tu, nem Pólux, nem Górgias podereis provar que devamos levar outra vida que nos seja útil quando estejamos do outro lado. De tantas opiniões diversas, a única que permanece inabalável é a de que mais vale receber do que cometer uma injustiça e que, acima de tudo, devemos cuidar, não de parecer, mas de ser homem de bem”.
A MORTE DE SÓCRATES – Naquela época, o homossexualismo era considerado uma prática normal. Por isso, uma das acusações que mais pesaram no julgamento foi de soberba. Um de seus alunos, Alcebíades, testemunhou haver dormido diversas vezes com o mestre e teria sido por ele humilhado, porque Sócratres sempre virava de lado e dormia, segundo o relato de Platão.
Ele conta também que Critão visitou Sócrates na prisão e ofereceu-lhe fuga, dizendo já ter subornado os guardas. Mas o mestre se recusou. O amigo argumentou que a sentença era iníqua, mas Sócrates respondeu que isso não interessava. Disse que o fato concreto é que o Tribunal fora criado por Atenas e suas decisões deviam ser cumpridas, não importava se fossem iníquas.
AS MESMAS DÚVIDAS – Passados quase 2,5 mil anos, a humanidade continua com as mesmas dúvidas que atormentavam Sócrates e seus discípulos, a respeito da existência de Deus e da possibilidade de reencarnação.
Na verdade, só sabemos que nada sabemos, podemos dizer assim, parafraseando o mais famoso ensinamento do grande mestre ateniense.
Acreditar em Deus pode até ser um erro, mas é um grande alento para bilhões de pessoas que insistem em desejar paz na terra às pessoas de boa vontade.