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quinta-feira, maio 28, 2020

Com indisfarçável prazer, Mourão assiste à derrocada de seu ex-amigo Bolsonaro

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Opinião: Artigos, Editoriais, Colunistas e Debates | Folha
Mourão se distrai no caderninho para se abstrair de Bolsonario
Carlos Newton
Já falamos muito aqui na Tribuna da Internet sobre a reunião ministerial do dia 22 de abril, mas o tema é inesgotável. Além daquela impressionante apresentação do presidente Jair Bolsonaro, que mais parecia à beira de um ataque de nervos, como se fosse personagem do genial cineasta Pedro Almodóvar, é preciso notar também as participações especiais de três outros grandes membros do elenco – o chefe da Casa Civil, Braga Netto, o vice-presidente Hamilton Mourão e o então ministro da Justiça, Sérgio Moro.
O general Braga Netto ainda teve algumas falas, tentava organizar a bagunça, funcionava como uma espécie de primeiro-ministro, digamos assim, mas o ex-juiz Moro e o vice Mourão entraram mudos e saíram calados, embora suas posturas sempre fossem muito significativas. Afinal, como o mestre chinês Confúcio dizia em relação à imagem, também um olhar pode ser mais expressivo do que mil palavras.
OS TRÊS PERSONAGENS – Mourão e Braga tinham comportamento semelhante quando Bolsonaro viajava naquelas frases agressivas, ameaçadoras e desconexas – os dois faziam olhar de paisagem, era como se não estivessem ali.
Só de vez em quando é que fitavam o delirante presidente. A diferença é que Braga demonstrava impaciência, enquanto Mourão exibia um discreto sorriso irônico. É claro que o vice-presidente está assistindo à derrocada de seu ex-amigo Bolsonaro com indisfarçável satisfação, um sentimento natural para quem foi tão humilhado como ele, a ponto de ser impedido de ocupar a Presidência durante a longa recuperação de Bolsonaro na terceira cirurgia.
Na reunião, Mourão tinha um caderninho que o livrava de ficar olhando para Bolsonaro. Entre um faniquito e outro, Mourão fingia fazer alguma anotação e conseguia se abstrair. Mas o ministro Braga Netto, que ainda não usa o caderninho salvador, tinha de se socorrer mexendo no celular, e seu constrangimento na reunião era indisfarçável.
UM CINISMO TOTAL – Entre os principais personagens, detectava-se um clima de cinismo e hipocrisia, dois sentimentos que parecem caracterizar esse governo. O ex-juiz Moro destoava dos demais. Ficou praticamente o tempo todo na mesma posição, com o semblante fechado, os braços cruzados e sem jamais olhar para Bolsonaro, nem mesmo nos momentos de maior agressividade do presidente. Moro comportou-se com a dignidade de sempre, era um personagem à parte naquele palco iluminado e sem estrelas.
Em suma, é preciso dizer que o ministro Celso de Mello prestou um inestimável serviço público.ao permitir a divulgação da quase totalidade da reunião ministerial do dia 22 de abril,  Quem assistiu ao vídeo ficou conhecendo Bolsonaro melhor e passou a ter certeza de que ele não tem o menor equilíbrio para presidir esse país.
Aliás, tinha tudo para dar certo. Sua ascensão ao poder foi cercada por um fortíssimo clima de esperança que ele não soube cultivar ou manter. Agora, desde o início deste ano ele se arrasta pateticamente no Planalto, como um zumbi político caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, como dizia Caetano Veloso.

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