Bernardo Bittar e Denise RothenburgCorreio Braziliense
Discreto e atento aos fatos da República, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha discorre sobre os mais variados assuntos — das mudanças nas aposentadorias dos magistrados, neste projeto da nova Previdência, ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, tema sobre o qual ainda não havia comentado em público: “Não vai se acabar com a violência no Brasil mudando a lei. A saída é a educação”, diz.
Sobre o Poder Judiciário, Noronha considera que magistrado tem de ser protegido. “A gente precisa blindar o juiz. E, quando falo isso, alguns acham que estou propondo corporativismo. Blindar juiz da influência de terceiros, de amigos, da família. Na hora de decidir, ele não tem de saber o que pensa a mulher, o filho… Tem de decidir com base na Constituição”, ressalta. Leia a seguir alguns trechos da entrevista.
Como avalia a sessão da semana passada no Supremo Tribunal Federal em defesa da própria Corte?Acredito que o STF não marcou a sessão exatamente para isso. Várias autoridades estavam lá, presidentes da Câmara e do Senado, acho que mais por um ato de solidariedade pelos injustificáveis ataques feitos à Suprema Corte. Acabou se transformando em uma sessão de defesa da instituição. Precisamos defender as instituições. O pensamento de que não é necessário (responder) é uma falácia. O Supremo vem sendo ardilosamente atacado por muitas pessoas, inclusive jornalistas. Ataques são, às vezes, injustificáveis. Atacam pelo conteúdo da decisão sem impugnar o que tem dentro dessa sentença. Só veem o resultado. Ninguém fala quando o decreto prisional não tem fundamento, quando a prisão é cautelar… Ninguém faz uma análise da decisão. Apenas se fala que soltou alguém que a Lava-Jato prendeu. Não podemos deixar alguém preso só porque o clamor público deseja ou porque determinado segmento da imprensa pressiona. Um tribunal constitucional precisa garantir os direitos fundamentais assegurados na Constituição.
O senhor defende a independência do Judiciário. Acha que ela corre risco?Hoje, o juiz novo precisa ser bem formado e bem-instruído. A gente precisa blindar o juiz. E, quando falo isso, alguns acham que estou propondo corporativismo. Blindar juiz da influência de terceiros, de amigos, da família. Na hora de decidir, ele não tem de saber o que pensa a mulher, o filho… Tem de decidir com base na Constituição. (É necessário) blindar o juiz da mídia, que costuma trazer um clamor público que nem sempre é verdadeiro. É preciso blindar os juízes dos próprios colegas. O juiz precisa ser totalmente independente para que possa, com sua livre convicção motivada, julgar e conceder a liberdade ou a prisão.
O que acha do tempo que os juízes ficam na ativa? Há uma comoção no Congresso para que a aposentadoria compulsória volte aos 70 anos (hoje, são 75).O que me preocupa é a causa do debate. Ninguém discutiu: ‘Olha, não devemos ficar até os 75 anos por causa da improdutividade, porque não é bom’. Querem derrubar porque outro presidente vai nomear ou porque os que estão aí foram nomeados por outro governo, e nós não queremos que fique. Isso não é uma discussão inconstitucional. Nos Estados Unidos, por exemplo, é vitalício. Se os exames médicos indicarem plena capacidade, o ministro da Suprema Corte pode ficar. Lá, eles não desprezam a experiência. A sapiência norte-americana faz com que os juízes mais antigos fiquem com a menor carga de trabalho, mas dá a eles as causas mais complexas. Eles usam a experiência de vida para decidir com segurança os anseios da sociedade. Então, nós temos essa discussão. E ela tem de vir de outra forma. Não se pode mudar a legislação por conta de um acerto de contas.
Uma das críticas ao Supremo foi o adiamento da análise sobre prisão após decisão em segunda instância. Qual é a sua opinião?Isso é uma pauta do Supremo Tribunal Federal. O presidente tem uma demanda de pedidos de julgamento. Há o interesse para que o tema seja exaurido com rapidez, até para que quem se encontra nessa situação possa progredir na pena ou reestabelecer a liberdade até o trânsito em julgado.
A população reclama da morosidade da Justiça, às vezes, os processos demoram muito. O que pode ser feito para tentar acelerar o trabalho, assegurando o amplo direito de defesa?Um famoso processualista italiano, Francesco Carnelutti, diz que processo repele a ideia de instantaneidade. Processo nasce para se desenvolver no tempo. Tem de ter as fases: pedido, defesa e produção de provas para, assim, chegar à sentença, que é a conclusão. O processo instantâneo, chamado sumário, tende à injustiça, sacrifica o direito de defesa, mas não pode ser tão longo a ponto de fazer com que a justiça seja tardia.
Juízes dizem que o conceito da justiça é subjetivo, mas a letra da lei não é fria?
A lei é dúbia. Às vezes, as normas do direito se alteram sem alterar o texto da lei. Olha bem: quem censura adultério como crime? Ninguém. Isso estava há pouco tempo no Código Penal, na letra da lei. Houve uma mudança da consciência social. Isso leva o juiz a avançar, mesmo que a lei não tenha mudado. As coisas mudaram. Veja a defesa da honra, o assassinato de mulheres… O caso do (ex-presidente) Lula, alguém pode dizer que demorou? Quantos processos da Lava-Jato têm sentença condenatória? Quando se fala em homicídios: nós temos uma estrutura policial adequada para investigar? Aí, vem falar do caso da Marielle (Franco, vereadora do PSol no Rio de Janeiro, assassinada no ano passado) que demorou um ano e não foi resolvido. Não tinha testemunha, não tinha estrutura. A facada no presidente Bolsonaro? Esse caso foi resolvido, embora as pessoas não se conformem com o resultado da investigação.
A lei é dúbia. Às vezes, as normas do direito se alteram sem alterar o texto da lei. Olha bem: quem censura adultério como crime? Ninguém. Isso estava há pouco tempo no Código Penal, na letra da lei. Houve uma mudança da consciência social. Isso leva o juiz a avançar, mesmo que a lei não tenha mudado. As coisas mudaram. Veja a defesa da honra, o assassinato de mulheres… O caso do (ex-presidente) Lula, alguém pode dizer que demorou? Quantos processos da Lava-Jato têm sentença condenatória? Quando se fala em homicídios: nós temos uma estrutura policial adequada para investigar? Aí, vem falar do caso da Marielle (Franco, vereadora do PSol no Rio de Janeiro, assassinada no ano passado) que demorou um ano e não foi resolvido. Não tinha testemunha, não tinha estrutura. A facada no presidente Bolsonaro? Esse caso foi resolvido, embora as pessoas não se conformem com o resultado da investigação.
O que o senhor pensa das mudanças na aposentadoria dos juízes, prevista no projeto de reforma da Previdência? Pode ser que a pensão por morte se torne proporcional…Em todos os países, a aposentadoria de juízes é integral. É assim na Itália, na França, nos Estados Unidos… A carreira de Estado é assim. Precisamos tirar a ideia de que a aposentadoria do juiz é um privilégio, que somos uma categoria de privilegiados. O juiz só pode ser juiz. Um militar só pode ser militar. Empresário que vira ministro de Estado pode ter negócios aqui, ali, mas o magistrado, não.
Mas pode ser professor de cursinho, de universidade…Professor de cursinho é uma questão que a gente precisa estudar melhor. Fazer carreira em uma universidade, tudo bem. Existe melhor laboratório de direito do que um tribunal? Essa experiência deve ser compartilhada. O que ganha um professor? Alguém vai ficar rico por dar aula? Se estiver dando aula em universidade federal, ainda está limitado ao teto. Muitos acabam dando aula de graça. Mas em cursinho, eu sou contra.
O senhor acha que as mudanças na aposentadoria dos juízes foram mais duras do que para os militares? O Judiciário vai pressionar o ministro Paulo Guedes e o Congresso?Com certeza, o Judiciário vai lutar para melhorar esse cenário. Há uma preocupação muito grande com a transição. Acho que as entidades de classe, como Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros)… Parece que elas vão lutar. A aposentadoria dos juízes, se estabelecer a idade mínima de 65 anos, não tem problema nenhum. Onde há vitaliciedade, não tem problema a idade.
O que pensa sobre a reforma da Previdência?Precisa ser feita com muito cuidado para não voltar um novo projeto daqui a dois, quatro anos. Sempre há uma coisa ou outra que pode ficar para depois, mas a Previdência, não. O Brasil não pode continuar gastando progressivamente com aposentadorias. Tem de se pensar numa solução agora e, tanto quanto possível, pensar no futuro. Pensar naquele funcionário com 50 anos que é despedido e tem de esperar os 65 para se aposentar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Na hora da verdade, o corporativismo sempre prevalece. Esta é uma realidade imutável. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Na hora da verdade, o corporativismo sempre prevalece. Esta é uma realidade imutável. (C.N.)