Conciliação entre consumidores superendividados e credores começa a funcionar no TJ-PR
| André LückmanIvonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Uma das principais alavancas do crescimento econômico do Brasil, a expansão do crédito entre as famílias está tendo seu lado negativo detectado pelo Poder Judiciário em Curitiba. Nesta semana começou a funcionar no Tribunal de Justiça do Paraná um programa de conciliação entre consumidores superendividados e seus credores – e a procura pelo serviço superou a expectativa nos primeiros dias. Na tarde de ontem mais de 160 formulários de negociação já haviam sido cadastrados, e os atendimentos encostavam em 250.
O aumento crescente do endividamento não é uma exclusividade local. As dívidas das famílias se mantêm em trajetória ascendente: em janeiro de 2008 elas alcançavam 29,5% da renda familiar, em 2009 pularam para 31,8% e, em janeiro último, chegaram a 34,9% da renda. Na prática, esse é o porcentual médio do orçamento familiar dedicado ao pagamento de prestações.
Nesse contexto, o projeto do TJ-PR prevê a mediação direta do Judiciário para facilitar o entendimento entre consumidores com a corda no pescoço e seus credores, propondo caminhos de reparcelamento ou abatimento dos débitos. Entende-se como “superendividada” aquela pessoa que, por qualquer motivo – excesso de consumo ou perda de emprego, por exemplo –, se encontra impossibilitada de pagar as contas do mês.
Segundo o Banco Central, em março o saldo dos empréstimos do sistema financeiro nacional (incluindo pessoas e empresas) atingiu R$ 1,452 trilhão, o que corresponde a 45% do PIB. O crescimento acumulado em doze meses somou 16,8%. As operações tomadas por pessoas físicas, no entanto, cresceram mais do que a média: 18,6% em doze meses. A taxa de inadimplência com atrasos superiores a noventa dias ficou em 7%.
Até agora, a maior parte dos consumidores que procuraram auxílio do TJ têm dívidas originadas diretamente nos bancos e instituições financeiras, mas também se percebeu volume de devedores de lojas de departamentos. “Tivemos um ‘rush’ de procura no primeiro dia, agora a procura está se normalizando dentro do que estávamos prevendo”, diz a juíza coordenadora do projeto, Sandra Bauermann.
Opinião
Tensos, irritados e ansiosos
A pessoa sabe que passou todos os limites de endividamento quando deixa para abrir mais tarde o envelope que contém a fatura do cartão de crédito – para não estragar o dia, alguém pode dizer. Ou quando deixa de atender ao telefone, por julgar que pode ser uma ligação do banco ou da financeira. Ao falar em dinheiro, a pessoa pode ficar tensa, irritada ou ansiosa. Se você tem algum desses sintomas, fique alerta. É difícil reerguer-se, e pode chegar um momento em que a saída vai exigir mais gastos, como os honorários de advogados.
Superendividamento, então, é uma trombada que se dá na esquina da psicologia com a administração financeira. Costuma ser resultado de barbeiragem, mas tem sido muito agravado pelas más condições da pista – juros de 10% ao mês fazem qualquer um perder a direção. Podem falar muito sobre a inflação ou sobre a crise internacional, mas eu acredito que o excesso de dívidas é hoje o maior problema da economia brasileira. Neste Brasil otimista por natureza, é um dos poucos fatores com potencial para abater o entusiasmo do consumidor.
Franco Iacomini, colunista da Finanças Pessoais
Para encaminhar o processo de conciliação, o consumidor deve organizar previamente informações socioeconômicas que serão estudadas pela equipe do fórum. “Algumas pessoas chegam aqui e dizem não saber exatamente quanto gastam. Eu solicito que voltem para casa, pensem e analisem seus gastos. Não precisa ter o valor exato, mas é importante ter uma média de gastos essenciais à sobrevivência”, diz Sandra.
Desejo de quitar
Isso porque, explica a juíza, entre os objetivos do programa está a reeducação financeira do consumidor. Um pré-requisito para ser atendido no programa é ter desejo de saldar todas as suas dívidas, sejam vencidas ou ainda a vencer. “A boa-fé é essencial para que a negociação funcione”, diz.
Luiz Venâncio, de 51 anos, ainda não está “superendividado” mas, desempregado há um ano, decidiu procurar mediação porque está preocupado com o financiamento do seu automóvel. “Por enquanto estou com só uma parcela atrasada, mas ainda faltam muitas para quitar o carro. Não vou conseguir pagar sem uma renegociação”, disse. O vendedor Márcio Schimerki, de 25 anos, também procurou o juizado para negociar uma dívida que lhe persegue desde 2005. Sem condições para pagar , o débito de R$ 2 mil já se transformou em R$ 7 mil. “Fiz um empréstimo para terceiros e não recebi o pagamento de volta. Até tentei renegociar a dívida no banco, eles toparam, mas desistiram na hora de formalizar o acordo. E eu continuo devendo até hoje”, conta.
Na avaliação do coordenador do curso de economia da FAE, Gilmar Mendes Lourenço, a mediação do Judiciário nos casos de dívida insolúvel não é positiva apenas para o consumidor, mas também para as empresas credoras. “Não existe uma regra, mas a maioria das empresas que não recebe pagamento em até seis meses, considera o empréstimo perdido. Qualquer acordo com certeza é bem-vindo”, diz. Além disso, ele destaca que uma intermediação profissional favorece um ambiente para negociação, bem diferente de uma cobrança direta por telefone.
Colaboraram Marina Boffmann Fabri e Bruna Righesso