Donaldson Gomes, do A TARDE
O desespero alimenta uma prática criminosa. À margem da lei – uma vez que no Brasil só instituições com licença do Banco Central podem fazer empréstimos com a cobrança de juros –, os agiotas apresentam-se como solução para quem não tem mais a quem recorrer. Os principais alvos são funcionários públicos e aposentados, que têm rendimentos garantidos. Mas especialistas no assunto garantem que a gatunagem não deixa ninguém com algo a perder passar. A prioridade são casas e carros, mas serve qualquer coisa que possa ser vendida depois.
A falta de crédito disponível não pode ser apontada como a causa do problema. Dados do Banco Central do Brasil (BCB) sobre as operações de crédito apontam que foram realizadas em fevereiro operações que somam pouco mais de R$ 1,23 trilhão, sendo que R$ 399,38 bilhões atenderam pessoas físicas. A relação entre a oferta de crédito e o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil tem crescido nos últimos anos. O índice, que era de 34,2% em 2007, já chegou a 41,6%, segundo o BCB. O problema é que 91,2% da oferta é direcionada a operações com nível de risco considerado normal, o que exclui um imenso contingente que precisa de dinheiro, mas não tem como oferecer garantias aos bancos.
Uma estimativa aceita pelo próprio BCB em relatórios sobre crédito dá conta de que 80% dos microempreendedores brasileiros não têm acesso ao crédito oficial. Esses e outros em momentos de desespero acabam procurando os préstimos de agiotas. “Me ligue amanhã porque hoje tenho muitos clientes para atender”, pede um deles, antes de desligar o telefone, sem querer se identificar por motivos óbvios.
No dia seguinte, conta que é procurado por pessoas sem acesso a outras opções de crédito. “Eu sou a última saída. Dou crédito para quem não consegue mais nem R$ 1 em outros lugares”. Em relação à fama de violento, desconversa. Após insistência no assunto, responde que “é só uma fama”. Mas e se quem toma o empréstimo não pagar? “Tem de pagar, eles sabem disso”.
Juros abusivos – Do lado oficial, existem instituições financeiras comparadas por especialistas à agiotagem, por cobrarem juros similares. Não por acaso, foram apelidadas pelo presidente do Instituto Nacional de Defesa dos Consumidores do Sistema Financeiro (Andif), Donizèt Piton. “No Brasil, há dois tipos de agiotagem, a oficial, que é feita com a autorização do Banco Central, e aquela da ilegalidade”, afirma. Segundo ele, há casos em que as taxas cobradas pelas financeiras são mais altas que a de alguns agiotas. A diferença, ressalta, é que quem faz negócios com agiotas se envolve em um mundo com suas próprias leis. “Os banqueiros obedecem a uma ampla legislação. A agiotagem não tem cobertura legal e faz suas próprias regras”, avisa.
Histórias de gente que se deu mal não faltam. Todo mundo conhece alguém que conhece alguém que já pegou dinheiro. No fim das contas, o resultado é que as pessoas se deram mal. Um comerciante conta que tomou um empréstimo de R$ 5 mil em 2006 para colocar em dia as contas e ficar com uma reserva para capital de giro. Ele diz que ainda tentou manter-se em dia nos pagamentos, mas não conseguiu. “Eu procurei ele para adiantar as duas que faltavam, mas ele disse que faltava um ano ainda”, lembra. “Tentei argumentar, mas ele disse que eu não sabia com quem estava me metendo”. Para se livrar da dívida, que nas contas do cobrador tinha chegado a R$ 20 mil, o comerciante abriu mão da casa e recomeçou a vida em outro bairro de Salvador.
“Agiotagem é crime e tem de ser tratada como caso de polícia”, garante o promotor de defesa do consumidor do Ministério Público Estadual, Aurisvaldo Sampaio. A pena, complementa, varia de seis meses a dois anos de detenção. “Quem trabalha com isso normalmente é gente envolvida com o crime mesmo. O ideal é se afastar deste tipo de gente”.
A dona-de-casa I. V., 30 anos, que também prefere não se identificar, está percebendo isso em tempo. Veio do interior pernambucano para Salvador há pouco mais de um ano, onde o marido conseguiu um emprego e trabalhou até o fim do ano passado. “Nossa situação ficou complicada porque não conhecemos ninguém aqui. Pensei em vender alguma coisa pra sobrevivermos”, diz. Passou um mês tentando conseguir um empréstimo de R$ 1 mil para complementar a compra de uma máquina de R$ 3 mil que produz pipoca doce. Sem crédito na praça, já que está com o nome sujo, pensou em recorrer à agiotagem. “Não tem condições. Por um empréstimo de R$ 1 mil, cobraram R$ 3 mil, em cinco cheques”. Outro “problema”, diz, é a resistência do marido em relação a “esse tipo de gente”.
Fonte: A Tarde
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