A medalha de quem não devia ter ido e
uma toupeira que vai fundo
Márcia Denser*
A sacada da semana foi o título A volta dos que não foram do jornalista Maurício Thuswohl da Carta Maior ao comentar as eleições de José Sarney e Michel Temer para as presidências da Câmara e do Senado – algo como o eterno retorno do mesmo.
Ou seja, a confirmação no poder da apoteose do atraso na figura impretérita do oligarca supremo Sarney que, sem Tonhão Malvadeza, tornou-se senhor absoluto do âmbito paleontogeográfico da alma feudal, situado pré-historicamente entre o Piorão (Piauí com Maranhão) e o Piorserá (de Piauí com Ceará), conjugado ao fisiologismo flexibilizado protourbanóide de Temer. José Sarney e Michel Temer representam a volta de quem, na verdade, jamais foi embora.
Eis a síntese do nosso subcapitalismo desigual e combinado, reunindo as iniquidades do atraso às mais avançadas desumanidades, e todas buscando representar o irrepresentável: a burguesia nacional que já não manda; o capital financeiro, que é o obstáculo ao desenvolvimento e que já se desligou de qualquer representação de classe e cujos interesses promovem a exclusão – esta é a contribuição genuinamente brasileira à práxis política global, oh, yes. A união ideal do Inútil ao Desagradável, e a galera, a população, o peaple, a “sociedade civil”, composta de espectadores-consumidores, não dando a mínima e achando bom, noves fora, yes. Estamos exportando conformismo de ponta! O eterno gigante bobo adormecido com seu chocalho multinacional.
Nosso sub-horizonte eleitoral “avança” em “marcha a ré para trás”, sinalizando que, em 2010, uma parte do PMDB (mais conhecido como Pomos a Mão no Dinheiro do Brasil – vezenquando Zé Simão dá uma dentro) vai apoiar Serra e outra, Dilma Rousseff ou outro candidato do Planalto, indicando, nos dois casos, o vice na chapa governista. Sendo fiel a si mesmo, o PMDB apostará no candidato que der mais ibope, mas seja como for, uma coisa é certa: o candidato governista à sucessão de Lula terá que engolir um adversário político da direita mais insidiosa, ligada a interesses privados absolutamente inconfessáveis, a mesma que se sustenta há quinhentos anos colada ao núcleo do poder federal e está pouco se lixando com as mudanças programáticas e ideológicas ocorridas na Presidência da República.
Já “a medalha de quem não devia ter ido” fica por conta da condecoração que Tony Blair recebeu em janeiro de George W. Bush, pelo apoio dado às guerras de Washington. Realmente não valeu à pena ter ido, durante anos, bajular Bush de forma tão histérica, porque uma reles medalha foi tudo o que ganhou pela puxassaquice pânica. E mais: recebeu a “Medalha da Liberdade” somando-se aos piores, como John Howard, ex-premier da Austrália, e Álvaro Uribe, presidente colombiano. O que Bush premiou foi a submissão aos interesses dos EUA, uma vez que Blair e Howard apoiaram a invasão do Iraque. Quanto a Uribe, mantém tropas americanas na Colômbia e sonha torná-la “a Israel da América do Sul”.
No Brasil, a mídia golpista também sonha com a volta da submissão incondicional aos EUA. Adepta da vassalagem a qualquer preço (o que é uma pechincha, afinal, mantendo sua posição de sócio menor do capitalismo), a direita brasileira segue tal diretriz com a desculpa de que o melhor é JAMAIS se aproximar de países em litígio com os americanos, tipo Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, com o pretexto de que eles nada têm a nos oferecer, podendo, ao mesmo tempo, prejudicar nossas “boas relações” com o Big Brother. Essa direita é nostálgica do alinhamento automático, sem contrapartida imperial.
Também receberá sua medalha no tempo devido.
E a toupeira?
É o título do novo livro que Emir Sader lança esta semana em São Paulo e no Rio. O autor explica: “Decidimos chamar este livro de A Nova Toupeira. A imagem de Marx remete a um animalzinho com problemas de visão, que circula embaixo da terra sem nos darmos conta de sua existência e que de repente irrompe onde menos se espera. A toupeira faz seu trabalho surdo sem cessar, mesmo se a ordem reina na superfície e nada parece indicar turbulências próximas. Tal imagem remete às incessantes contradições intrínsecas do capitalismo, que não deixam de operar, mesmo quando a “paz social” – a das baionetas, a dos cemitérios ou da alienação – parece prevalecer. (...) Hegel também se referiu à toupeira para falar das astúcias e surpresas da história. É necessário que as grandes revoluções, evidentemente necessárias, sejam antes precedidas por uma revolução silenciosa e secreta da idéias da época, uma revolução que não é visível para todos”.
A América Latina, onde o neoliberalismo nasceu (no Chile e na Bolívia), mais se estendeu e encontrou solo fértil, tornou-se, ironicamente, o espaço de maior resistência e construção de alternativas a esse mesmo neoliberalismo. A que corresponde essa mudança tão radical, que o continente jamais viveu em prazo tão curto, em toda a sua história, com tantos governos que podem ser caracterizados como progressistas (de esquerda ou de centro-esquerda)?
Segundo o autor, tudo isso se dá exatamente no momento em que o capitalismo se revela mais injusto do que nunca. Quanto mais liberal, mais cruel ele se torna, expropriando direitos elementares como o direito ao trabalho formal. Hoje, o capital subordina e mercantiliza tudo, da educação à água, passando pela saúde. Justamente quando concentra mais renda e propriedade, quando subordina a produção à especulação, quando marginaliza e discrimina a maior parte da população do globo, promovendo guerras e destruição ecológica, o capitalismo assume sua face mais triunfante, pois reina sozinho após o desaparecimento do socialismo da agenda histórica contemporânea.
No entanto, é o próprio capitalismo que se encarrega de trazer à pauta os temas da luta anticapitalista. Enquanto houver capitalismo, o socialismo permanecerá no horizonte histórico como alternativa, sua negação e superação dialética. Diz ele: “Este livro quer dar voz à toupeira. No começo do século XXI, só ela pode traçar o fio da história a partir das formas concretas assumidas pela luta anticapitalista contemporânea.”
A revolução nunca se repete da mesma maneira. Perseguir os itinerários da toupeira – os rumos da história oculta – é reencontrar os fios que articulam, contraditoriamente, o real e o futuro.
PUBLICADO EM:11/02/2009* A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.
Fonte: Congresso em Foco
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