Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

terça-feira, setembro 16, 2008

População apóia violência policial

Documento revela que política de segurança não está dando resultados e está envolvida com crime
GENEBRA - Assassinatos cometidos por esquadrões da morte, por policiais e por milícias "contariam com o apoio significativo de parte da sociedade brasileira", e as megaoperações realizadas pelas polícias brasileiras simplesmente não servem para nada. Essas são algumas das conclusões da Organização das Nações Unidas (ONU) que publicou ontem sua avaliação sobre a criminalidade no Brasil.
A conclusão do documento é alarmante: "viver sob o julgo das milícias formadas por policiais é tão perigoso como viver diante do crime organizado nos locais mais violentos do País." No relatório divulgado ontem em Genebra, as Nações Unidas fazem quase 50 recomendações sobre como transformar a estratégia de combate ao crime no País. A avaliação é resultado da visita do relator da ONU contra execuções sumárias, Philip Alston, ao Brasil no fim de 2007.
Ele apresentará o documento aos demais países da ONU em junho de 2009. A entidade alertou que as políticas de segurança não estão dando resultados. Para piorar, constata que a política está intimamente envolvida com o crime e que conta com um esquema de proteção para evitar ser investigada pelos assassinatos.
Alston admite que o crime organizado "controla comunidades inteiras" no Brasil, impõe sua própria lei em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. "No Rio de Janeiro, o controle das facções é tão absoluto e a presença do Estado legítimo é tão ausente, que a polícia só consegue entrar ameaçando os traficantes com um confronto armado", afirmou, confirmando a existência de um "poder paralelo".
O problema, porém, é que a resposta do Estado está sendo equivocada e a população, cada vez mais intimidada pela violência, começa a aceitar execuções. Para a ONU, os assassinatos sumários "contam com o apoio de uma parte significativa da população, a qual teme as elevadas taxas de criminalidade". "O Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídios do mundo, com mais de 48.000 pessoas mortas a cada ano", alertou.
"As execuções extrajudiciais estão desenfreadas em algumas partes do País", indicando que elas são cometidas inclusive pela polícia. Para o relator, "policiais participam de estruturas do crime organizado quando não estão em serviço". Segundo ele, policiais contribuem, e não ajudam, praticando execuções em esforços ilegais para combater o crime. Segundo a ONU, policiais em serviço são responsáveis por uma proporção significativa de todas as mortes no Brasil.
E citou o exemplo de São Paulo, cujo número de mortos pela polícia aumentou nos últimos 3 anos, sendo que em 2007 os policiais em serviço mataram uma pessoa por dia. "No Rio de Janeiro, os policiais em serviço são responsáveis por quase 18% do número total de mortes, matando três pessoas a cada dia", afirmou o documento.
Um exemplo da atuação indiscriminada da polícia ocorreu em São Paulo, em maio de 2006, diante da ofensiva da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A ONU alerta que a polícia teria matado na ocasião 124 suspeitos. "Mas não foram investigados como homicídios, mas atos de resistência. Isso é um cheque em branco para a polícia", afirmou Alston, que conclui que 70% das mortes foram execuções.
Segundo ele, classificar os homicídios como atos de resistência seria uma prática comum em todo o País e usada como argumento para justificar as mortes. O problema é que a classificação de resistência é feita pela própria policia, um verdadeiro incentivo à impunidade. De acordo com o relatório, os locais de crimes ainda são adulterados pela polícia e raramente uma reconstituição do crime é feita. Em outros casos, a polícia é a única testemunha ouvida e o corporativismo prevalece nas investigações. "Uma investigação séria de homicídio é pouco provável", constata.
"Bicos"
A ONU alerta também para uma tendência ainda mais preocupante: o envolvimento de policiais em grupos criminosos para participar de assassinatos. Um número cada vez maior de milícias está sendo formada por agentes do governo e usam as mesmas táticas de facções criminosas. De acordo com Alston, policiais compensam baixos salários com trabalhos de assassinos de aluguel. "Em São Paulo e no Rio de Janeiro, nada está sendo feito para evitar os "bicos". A polícia é muito mal paga", constata.
O relatório ainda aponta que muitos policiais estão envolvidos com corrupção e extorsão. O pior é que tudo isso seria tolerado pelo alto escalão. Segundo o documento, essas milícias formadas por policiais geram a mesma violência e insegurança nos locais que são controlados por facções criminosas. "As milícias operam em grande parte do Brasil, mas se tornaram um problema peculiar do Rio de Janeiro nos últimos 3 anos, onde se estima que aproximadamente 92 das 500 favelas da cidade estejam sob o controle desses grupos", aponta a ONU.
"As milícias executam extrajudicialmente os suspeitos de serem traficantes ao forçar sua retirada da área, executam suspeitos de outros crimes, intimidam os moradores e ameaçam e matam aqueles que falarem contra a milícia ou que forem considerados aliados de outros grupos que almejam o controle", destaca. Outro problema são os esquadrões da morte, também formado por policiais.
Em Pernambuco, 70% dos homicídios causados por esses grupos ocorrem porque os mandantes e os assassinos sabem que ficarão impunes. Não por acaso, homicídio é a principal causa de morte entre jovens de 15 a 44 anos. Segundo a ONU, a taxa triplicou em 20 anos. atingindo 30,4 pessoas para cada 100 mil habitantes em 2002. Em 2006, a taxa caiu para 25. Mesmo assim, ainda é três vezes maior do que a média mundial.
Operações
A entidade ainda alega que as Operações realizadas nas favelas em 2007, como no Complexo do Alemão, fracassaram e que a abordagem de guerra não funciona. "O governo disse que foi um sucesso. Mas na realidade, do ponto de vista de controle do crime, a Operação foi um fracasso", disse. "A polícia apreendeu 2 metralhadoras, 6 pistolas, 3 fuzis, 1 submetralhadora, 2.000 cartuchos, 300 quilos de drogas e uma quantidade não especificada de explosivos.
Portanto, o número de pessoas mortas foi superior ao de armas apreendidas e, no dia seguinte, havia apenas uma presença mínima da polícia na favela. A facção continuava no local e no controle", afirmou a ONU. Dezenove pessoas morreram, das quais 14 pelas costas e Alston acusa os policiais pelas execuções.
O problema, segundo ele, é que essas mortes são toleradas e até publicamente motivadas por representantes do alto escalão do governo. "O atual Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que por mais que a polícia se empenhe ao máximo para evitar as mortes, não se pode "fazer uma omelete sem quebrar os ovos", disse.
"A percepção de que as operações policiais são planejadas com a finalidade de matar pobres, negros e jovens do sexo masculino surpreende por ser a corrente geral. A retórica oficial de "guerra", a compra de equipamentos bélicos e os símbolos policiais servem apenas para fazer com que tais opiniões sejam aceitas por todos", alertou. O fracasso das megaoperações ainda seriam "calados pela aprovação da classe média a tal tática de confrontamento".
Apoio
A ONU também conclui que parte da população, temendo uma escalada da violência, começa a apoiar medidas de extermínio. "As execuções extrajudiciais e a justiça dos vigilantes contam com o apoio de uma parte significativa da população, que teme as elevadas taxas de criminalidade e percebe que o sistema da justiça criminal é demasiado lento ao processar os criminosos", aponta o relatório.
Alston ainda deixa claro que a classe política, em busca de votos, também adota uma postura dúbia. "Muitos políticos, ávidos por agradar um eleitorado amedrontado, falham ao demonstrar a vontade política necessária para refrear as execuções praticadas pela polícia", disse.
"Essa atitude precisa mudar. Os estados têm a obrigação de proteger os seus cidadãos, evitando e punindo a violência criminal", defendeu a ONU. "No entanto, essa obrigação acompanha o dever do Estado de garantir o respeito ao direito à vida de todos os cidadãos, incluindo os suspeitos de terem cometido crimes", disse. Para ele, o assassinato não é uma técnica aceitável nem eficaz de controle do crime.
"Os brasileiros não lutaram bravamente contra 20 anos de ditadura, nem adotaram uma Constituição Federal dedicada a restaurar o respeito aos direitos humanos apenas para que o Brasil ficasse livre para que os policiais matassem com impunidade, em nome da segurança", concluiu.
Reforma
A ONU pede uma reforma completa da polícia no Brasil e apela para que os políticos dêem demonstrações que não vão tolerar abusos. Entre as quase 50 receitas apresentadas ontem pelas Nações Unidas, a entidade quer que cada disparo dado por um policial seja registrado, cada munição controlada e o fim do corporativismo.
"O escopo das reformas necessárias é assustador e intimidante, mas a reforma é possível e necessária", apontou Alston. Um dos problemas centrais é o da impunidade de policiais. No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, apenas 10% dos homicídios chegam à Justiça. Em Pernambuco, a taxa é de aproximadamente 3%. Dos 10% que são julgados em São Paulo, estima-se que metade seja condenada.
Esses números são ainda menores nos casos em que há o envolvimento de policiais. Segundo a ONU, investigações de mortes cometidas por policiais não são feitas e as evidências são retiradas dos locais dos crimes. "Em Pernambuco, por exemplo, os promotores encontraram 2 mil inquéritos que haviam sido deixados em delegacias e não encaminhados ao Ministério Público sobre assassinatos. Os inquéritos ficaram nas delegacias mais de 20 anos, período superior ao prazo para a prescrição e, portanto, não era mais possível levar os casos a julgamento", alertou a ONU.
A entidade também destaca que o Instituto Médico-Legal (IML) não é suficientemente independente da polícia e pede sua total autonomia. Outro ataque é contra a lentidão do sistema judiciário. "Um sistema judicial moroso cria impunidade para os crimes graves. Esse problema é exacerbado pela tendência de alguns juízes de adiar os processos dos casos que implicam a polícia e outros atores poderosos, e por controlarem seus cartórios de modo a dar prioridade aos processos civis sobre os penais", afirmou.
A ONU ainda pede mais controle em relação às atividades da polícia. "Muitos policiais acusados de crimes graves não apenas aguardam o inquérito em liberdade como continuam exercendo normalmente as suas atividades. Isso possibilita ao policial intimidar testemunhas e aumenta a percepção da comunidade de que existe impunidade para os assassinos policiais e, em contrapartida, reduz a vontade das testemunhas de prestar depoimento", afirma.
Prisões
A entidade também destaca que o abandono de internos nas prisões faz com que as facções se fortaleçam. "O fracasso do Estado em atender as necessidades básicas e a segurança dos internos motiva o crescimento de facções ao criar uma lacuna do poder onde as facções podem se apresentar como uma solução para conseguir benefícios para os internos. Isso não gera apenas violência excessiva nas prisões, mas como foi claramente demonstrado pelos eventos que ocorreram em São Paulo em maio de 2006, os efeitos vão muito além das paredes das penitenciárias", ressaltou o relatório.
"Esforços mais amplos de controle do crime precisam levar em conta o papel chave que as penitenciárias têm no crescimento das facções e o fracasso do sistema prisional em restringir as atividades do crime organizado", concluiu o documento lembrando que a população carcerária no País dobrou em dez anos.
"Às vezes, internos selecionados recebem mais poder sobre os outros presos do que os próprios agentes. Eles assumem o controle (às vezes brutal) da disciplina interna e da distribuição de comida, medicamentos e kits de higiene", apontou. "Essa prática muitas vezes resulta em líderes de facções controlando as prisões", disse.
Fonte: Tribuna da Imprensa

Em destaque

Crise de Bolsonaro com Kassab virou “problemão” para Tarcísio

Publicado em 26 de outubro de 2024 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Tarcísio em seu gabinete no Palácio dos Bandeiran...

Mais visitadas