SÃO PAULO - Investigação conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou desvio de R$ 90,5 milhões no Tribunal de Justiça do Maranhão - os valores foram ilegalmente pagos a servidores da corte no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2007, beneficiando ativos e aposentados. É o rombo mais notável já apurado no Judiciário desde a criação do CNJ, em 2005.
O inquérito, provocado por denúncia da Associação dos Magistrados do Maranhão, encontrou manipulação da folha salarial, "excesso de lotação" nos gabinetes de desembargadores, funcionários fantasmas, concessão de benefícios por "condições especiais" de forma genérica, gratificação técnica a servidor não-ocupante de cargo de nível superior, plus salarial por "risco de vida", adicional de insalubridade a inativos.
O TJ chegou a baixar resolução para alterar conteúdo de lei, abrindo caminho para promoções em cargos comissionados, ocasionando mudança nos valores remuneratórios. Foram verificados pagamentos em duplicidade, permanência de 224 servidores na folha mesmo após suas exonerações.
A auditoria descobriu nomeação dos principais envolvidos na fraude para cargos estratégicos do tribunal - diretor financeiro, coordenador de recursos humanos e chefe da divisão da folha de pagamento. Constatou que as despesas com pessoal saltaram de R$ 9,79 milhões em janeiro de 2005 para R$ 16,49 milhões em abril de 2006, acréscimo de 68,44%.
Nesse período, o reajuste dos valores remuneratórios dos cargos e funções comissionados foi de apenas 8,3%. A discrepância, segundo o CNJ, se deve à inclusão de verbas salariais sem amparo legal.
Felipe Locke Cavalcanti, conselheiro do CNJ e relator do caso, produziu documento de 54 páginas, esmiuçando ponto a ponto irregularidades no TJ. Seu voto, endossado pelo colegiado, impôs 11 determinações ao tribunal - uma delas para que providencie junto aos servidores agraciados devolução dos valores.
Obstáculo
A devassa esbarrou em aspecto de ordem administrativa. Desembargadores que deram sinal verde para desembolsos ilícitos já deixaram a toga, o que pode livrá-los de punição disciplinar. "Infelizmente, quanto às medidas correcionais há muito pouco a se fazer, pois quase todos os desembargadores que poderiam se responsabilizar pelos atos estão aposentados, não sendo alcançados pelo CNJ", assinalou o relator.
"Contudo, há possibilidade de serem responsabilizados até mesmo criminalmente, além de eventual condenação no âmbito civil por ato de improbidade, sendo também possível a perda da aposentadoria em determinados casos."
O dossiê aponta para o desembargador Augusto Galba Falcão Maranhão, já aposentado. Relata o caso da mulher de um desembargador que teria recebido indevidamente R$ 62,8 mil em cargo comissionado na corte - ela é auxiliar de administração de uma empresa do Estado. "São graves as denúncias e claro o prejuízo ao erário", assevera Felipe Locke. "Há inúmeros vestígios que sugerem a participação de ex-presidentes do TJ."
O conselheiro condena "privilégios e favoritismos" na administração. "A coisa pública não pode prestigiar este ou aquele, gerando preferências que favorecem interesses privados, nem sequer por um momento o administrador pode deixar de cuidar do interesse da coletividade."
Defesa
"Eu sou um homem de bem, sempre agi com honestidade", afirmou o desembargador aposentado Augusto Galba Falcão Maranhão, que ocupou a presidência do TJ entre junho de 2006 e abril de 2007. "Se houve isso (desvios) não foi feito por mim, foi pelos diretores ou assessores que nomeei na minha gestão. A responsabilidade é deles, nunca mandei fazer nada errado.Não tenho culpa de assessores terem se conduzido mal. Se houve desembolsos irregulares foi com pessoal do administrativo. É difícil trabalhar com uma pessoa e não confiar nela. Sou homem pobre, sofrido."
Em nota que divulgou no fim de junho, o presidente do TJ-MA, Raimundo Freire Cutrim, observou que os atos foram "praticados em outra gestão, não tendo a atual presidência corroborado com tais práticas".
Cutrim destacou que "preocupado com o bom andamento dos serviços judiciários, bem como com a transparência e clareza com que pauta sua administração, a corte, antes mesmo de qualquer interpelação por parte do CNJ, ao tomar conhecimento das possíveis irregularidades, diligenciou no sentido de providenciar a conclusão da auditoria interna que gerou a sindicância n.º 33601/2007".
Segundo Cutrim, "várias determinações foram devidamente cumpridas anteriormente à decisão do CNJ, restando clarividente a postura ética, proba e íntegra com que deve portar-se qualquer administrador público".
Fonte: Tribuna da Imprensa
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