Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Na noite de 14 de julho de 1789 um nobre procurou Luís XVI em Versailles. Sua majestade recolhera-se cedo, depois de extenuante caçada, mas, mesmo de camisolão, estava acordado, na cama, deglutindo vasta ceia. O nobre irrompeu pelos aposentos adentro e relatou os acontecimentos daquele dia, em Paris, desde a queda da Bastilha à confraternização de tropa armada com os assaltantes e a ocupação das principais ruas da capital pela população. O rei ouviu placidamente e comentou: "Então é a revolta"?
Resposta: "Não, majestade, é a revolução".
Guardadas as proporções, faltou alguém na noite de terça-feira para entrar pelo Palácio da Alvorada, acordar o presidente Luiz Inácio da Silva, se ele estivesse dormindo, participando-lhe que em treze estados, de forma muito bem organizada, integrantes do MST e penduricalhos invadiram e depredaram empresas e usinas hidrelétricas, laboratórios e prédios públicos, também interrompendo o tráfego rodoviário e ferroviário em variadas regiões do País.
Terá sido uma revolta, apesar de estranha, por que a baderna nada teve a ver com a reforma agrária? Muita gente acha o fenômeno mais grave. Será o início de uma revolução, onde os revolucionários atropelaram a lei e a ordem para protestar contra o aumento no preço dos alimentos?
Vale repetir pela milésima vez que o MST é o mais importante movimento social e popular surgido entre nós desde o restabelecimento da democracia: autêntico, necessário e moderno, na medida em que deu voz e ação a milhões de excluídos do direito de possuir seu pedaço de terra.
O problema, porém, é que o MST transformou-se num partido político revolucionário, tanto faz se bolchevique ou nazi-fascista. Talvez fosse essa a intenção inicial de seus criadores. Seus objetivos iniciais foram reorientados.
De truculento, mas justificável invasão de propriedades improdutivas e da luta contra o latifúndio, tornou-se contestador das instituições, que pretende mudar pela força. Essas experiências nunca deram certas, mesmo quando promovidas para opor-se a ditaduras. Acabam impondo outras. Costumam tornar as coisas ainda piores para a população, substituindo regimes muitas vezes cruéis pelo caos.
Ainda a tempo de conter a revolução dos aflitos manipulados por radicais. E por malandros, também. A História nos ensina que o Luís de lá deixou passar a oportunidade, enquanto o Luiz de cá segue no mesmo caminho. O resultado inexorável será o surgimento de algum Napoleão...
Nunca, em tempo algum
Como a demonstrar que os tempos tornam-se rapidamente turbulentos por falta de autoridade de quem deveria exercê-la e preservá-la, basta registrar mais dois movimentos acontecidos no mesmo dia da baderna organizada pelo MST em treze estados. Sem pertencerem às tropas de João Pedro Stédile, foram para a rua, em Brasília, os oficiais de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores. Percorreram a Praça dos Três Poderes em bem organizada passeata. Enquanto isso, nas ruas centrais do Rio, outra manifestação igual, agora dos funcionários civis das Forças Armadas.
Democraticamente, todos têm direito de protestar por seus direitos, em especial em se tratando de vencimentos que deixam a desejar, quando cotejados com o trabalho desenvolvido. As passeatas não estão proibidas, graças a Deus.
O que chama a atenção é que nunca, em tempo algum, mesmo nos períodos mais convulsionados do País, essas duas categorias animaram-se em passar das reivindicações feitas por escrito para o protesto físico. Sinal de que as instituições começam a ser contestadas por conta da inércia dos que têm por obrigação preservá-las e aprimorá-las. É preciso tomar cuidado, porque essas coisas pegam feito sarampo pegava, quando não havia vacina.
Bom senso, enfim
Decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, mesmo pela escassa maioria de um voto, que apenas os condenados por sentença judicial transitada em julgado terão negados os pedidos de registro para candidatar-se às eleições municipais de outubro. De outubro e todas as demais a realizar-se daqui por diante.
Muita gente poderá irritar-se com a decisão, que abre oportunidade para bandidos e malandros entrarem ou permanecerem na vida pública quando respondem a processos criminais ainda em andamento. Apesar de justas indignações, é assim que devem funcionar as instituições democráticas. Porque a alternativa seria tétrica, podendo prestar-se a perseguições a candidatos honestos. Diz o bom direito que todo mundo é inocente até que se lhe prove a culpa.
Agora, no reverso da medalha, seria necessário aplicar a lei ao pé-da-letra, ou seja, não há motivo para a interrupção de processos, nem mesmo para a concessão de foro especial a quantos detentores de mandatos respondam perante a Justiça. Se forem culpados, pau neles, com a rapidez que até hoje nossos tribunais não adquiriram. Deveria ser até mesmo razão de se agilizar as ações envolvendo parlamentares e detentores de cargos executivos.
Quer deixar de ser ministro?
Estranha foi a sugestão ironicamente feita na Suíça pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Participando de uma reunião internacional, ele transcendeu os temas trabalhistas para opinar que o candidato do governo à sucessão do presidente Lula deve ser o governador Jacques Wagner, da Bahia.
Será que Lupi anda buscando pretexto para deixar de ser ministro? Porque enfrentar tão desabridamente Dilma Rousseff, só de caso pensado. A chefe da Casa Civil e, também, o presidente Lula, pai da candidatura da ministra.
Jacques Wagner apressou-se em declarar que não é candidato e que apóia dona Dilma em gênero, número e grau, mas mesmo ele poderá ser posto sob suspeição. Não terá tido conhecimento antecipado do súbito lançamento de seu nome? Poderia ter calado o ministro do Trabalho, antes do singular apoio?
O governador baiano tem, são evidentes, todas as condições para disputar a indicação presidencial em seu partido, o PT. Mas pela experiência adquirida nos anos de militância, sabe muito bem que, quando o vento começa a soprar, é preferível buscar abrigo.
Fonte: Tribuna da Bahia
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