Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Imagine qual seria o impacto, em Washington, caso o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, assinasse e divulgasse um documento oficial denunciando a exploração sexual de crianças no Harlen, em Nova York, o trabalho escravo de mexicanos nas plantações de algodão da Geórgia e, de quebra, a prática de torturas a prisioneiros árabes na base militar de Guantanamo, em Cuba.
No mínimo o embaixador americano em Brasília seria chamado para consultas, enquanto o embaixador brasileiro nos Estados Unidos receberia imediata reprimenda no Departamento de Estado. Para não falar na mobilização de toda a imprensa para monumental campanha contra o Brasil, a devastação da Amazônia, o massacre dos índios e a violência policial nas favelas. É possível que, senão de prontidão, a Quarta Frota da Marinha dos EUA, encarregada de patrulhar o Atlântico Sul, se aproximasse um pouco mais do nosso litoral.
Pois é. A secretária de Estado, Condoleezza Rice, acaba de endossar e liberar um texto com o timbre do Departamento de Estado, sob o título "Relatório sobre o tráfico de pessoas", onde se lê que o rápido crescimento de países como o Brasil, Índia e China vem sendo conseguido à custa da exploração do trabalho escravo. No caso brasileiro, acrescenta o documento, os trabalhadores escravos são utilizados em usinas de produção de etanol.
Outras bobagens fazem parte desse lixo divulgado quarta-feira na capital americana, mas o que chama a atenção, ao menos por enquanto, é a inércia do governo brasileiro, começando pelo Itamaraty e chegando ao Palácio do Planalto. Afinal, dona Condoleezza é ministra das Relações Exteriores. Não tem o direito de afirmar que o desenvolvimento brasileiro é fruto de trabalho escravo.
Muito menos de aproveitar para mais um ato de sabotagem contra o etanol tirado da cana-de-açúcar, já que o deles, saído do milho custa muito mais caro. Felizmente o governo George W. Bush vai chegando ao fim, mas tudo pode acontecer até novembro. É bom tomar cuidado.
Mesmo assim...
Na última semana de maio o governo liberou 98 milhões de reais para emendas ao orçamento propostas por deputados. Naquele mês, foram 236 milhões, e este ano, 500 milhões. Não se cometerá a injustiça de supor que toda essa riqueza vá para o bolso de Suas Excelências, ainda que algum percentual sempre possa seguir nesse rumo. As emendas, de modo geral, servem para a construção de escolas, a ampliação de hospitais, o asfaltamento de estradas e a implantação de pontes, nos municípios de influência política de seus autores.
Aqui e ali alguma ONG fajuta se vê beneficiada, mas a maioria das liberações de verbas contribui para a melhoria de diversas regiões. É claro que os deputados lucram politicamente, ganham votos para as próximas eleições, conseqüência do sistema democrático que vivemos.
O que faz aumentar a curiosidade geral, porém, é saber o porquê dessa súbita caridade praticada pelo governo com dinheiro público. E a resposta surge clara: para garantir o voto favorável dos deputados ao projeto que cria o novo imposto sobre o cheque. Mais uma rodada da Oração de São Francisco, aquela do "é dando que se recebe". Toda vez que assinar um cheque ou realizar uma operação financeira estará sendo descontado o cidadão que atravessar a ponte recém-inaugurada, transitar pela rodovia asfaltada, recorrer ao hospital remodelado ou mandar os filhos para a nova escola.
Salta aos olhos, porém, o governo flagrado em delito de opinião. Ou o presidente Lula não declarou, mais de uma vez, que não tinha nada a ver com o novo imposto, que a questão era dos líderes e do Congresso, e que sua administração não se intrometeria? Por que, então, essa nova cascata de emendas autorizadas?
Ajuda atrasada
Uma azeitona na empada da mais nova denúncia de escândalo no governo, agora envolvendo suposta ajuda da chefe da Casa Civil na operação de venda da Varig-Log a um grupo americano: por que demoraram tanto? Se era para salvar a empresa, um dos símbolos do progresso brasileiro até os anos noventa, deveriam ter agido antes. Cruzaram os braços vendo a Varig em frangalhos, sob a alegação de tratar-se de uma companhia privada mal administrada, e só depois tentaram ressuscitar o seu cadáver?
Se era para não deixar morrer a empresa, levando ao desemprego milhares de funcionários, assim como entregando a sorte dos passageiros a duas alternativas sofríveis, que pelo menos se antecipassem.
Cabe à ministra Dilma Rousseff defender-se, aliás, como já vem fazendo, mas uma evidência sobrepõe-se às demais: a lei não permite a entrega do controle de empresas aeronáuticas nacionais a estrangeiros...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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