Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Começa a acontecer o que muita gente previa faz algum tempo: o PT e o presidente Lula encontram-se em singular rota de colisão, parecida com aquela entre o elefante e o cabrito. Primeiro porque o presidente situa-se acima e além de seu partido, exercendo uma liderança que, mesmo antes baseada nos companheiros, transcendeu deles e sedimentou-se na massa da população, sem intermediários. Se alguma vez conseguiu, no passado, a verdade é que o PT não consegue mais controlar o seu líder maior, em especial depois de guindado ao poder federal.
O resultado aí está, visível nesta semana numa tentativa meio capenga: parte das bancadas do PT na Câmara e no Senado forma com a maioria parlamentar infensa a deixar as medidas provisórias como se encontram, ou seja, como instrumento de domínio do Executivo sobre o Legislativo. Até petistas mostram-se favoráveis a mudar as regras do jogo, por exemplo, retirando o dispositivo que tranca as pautas nas duas casas do Congresso enquanto não votadas as medidas provisórias.
Existem companheiros indo mais além, ou seja, entendendo poderem ser devolvidas ao Palácio do Planalto as medidas provisórias sem reconhecido caráter de urgência e relevância. Tudo constituirá mero sonho de noite de verão.
Por baixo das cinzas dessa discussão pontual relativa às medidas provisórias existem brasas bem mais quentes. O PT sente estar perdendo espaços a cada dia, depois de perder o controle sobre o Lula. Focaliza com certo temor a sucessão presidencial de 2010, quando o presidente, realisticamente, poderá atropelar o partido e inclinar-se por um candidato alheio aos seus quadros, do tipo Aécio Neves ou Ciro Gomes. Porque, para o chefe do governo, importa mais ganhar a eleição com um aliado do que perdê-la com um candidato petista. Parece evidente inexistir no PT um nome forte para disputar com os tucanos.
O problema é que se algum dia germinou, está morta a semente capaz de "deslulizar" o País. Apesar de contemplar o partido com benesses periféricas mas substanciais, tipo nomeações, cartões corporativos e financiamento de ONGs, o importante para o presidente é afirmar seu poder sobre o estado e a nação, se necessário atropelando o PT.
Só haveria um ponto de encontro em meio a essa queda de braço: o terceiro mandato. O partido, se tomasse a frente da proposta, como vem fazendo alguns de seus líderes, tornar-se-ia credor do presidente, ainda que para manter a mesma condição submissa diante dele.
Numa palavra, e apesar da má comparação feita com todo o respeito: acontece com o PT o mesmo que aconteceu com o Partido Comunista da União Soviética nos tempos de Stalin - o chefe tornou-se muito maior do que as partes, podendo expurgar quem quisesse e impor sua vontade muito adiante da estrutura partidária. Enquanto podiam, os integrantes do Comitê Central titubearam e perderam-se em rusgas e querelas internas. Quando tentaram abrir os olhos, estavam cegos. O resultado foi que a desestalinização só aconteceu a posteriori, depois que o guia genial dos povos desencarnou...
Impossível ficar de fora
Quando a gente menos espera, o inusitado chega e embaralha tudo. Não deixará de atingir o Brasil o conflito entre Venezuela e Equador, de um lado, e Colômbia e Estados Unidos, de outro. Há quem fale até em guerra, como o singular Hugo Chávez.
Como ficaremos, tanto tempo depois que o Barão do Rio Branco se foi? Promover um encontro entre os três presidentes beligerantes, na Amazônia ou em Brasília, acabaria em lambança, ainda que a palavra entendimento pressuponha adversários e até inimigos.
Caso aconteça o pior, ou seja, a invasão da Colômbia pelas divisões blindadas venezuelanas, não se passarão quinze minutos até que os americanos tomem partido na refrega, direta ou indiretamente, através de seus "marines" ou compondo uma "força de paz" empenhada em equilibrar a guerra.
Não haverá, entre os generais colombianos, um só que se chame David Canavarro, aquele que diante do oferecimento de irregulares uruguaios e argentinos para defender a exangüe República do Piratini declarou que o sangue do primeiro estrangeiro a cruzar a fronteira seria utilizado para celebrar a paz com o Império. A Colômbia não terá outra alternativa senão aceitar a "colaboração" dos Estados Unidos.
E aí? - perguntará a diplomacia brasileira. E aí, perderemos de qualquer maneira, ficando de um lado, de outro ou até em cima do muro. Tendo a Amazônia por palco, uma guerra nem tanto assim subdesenvolvida se estenderia ao território nacional. A não ser nos mapas, não dá para identificar fronteiras nem adversários.
O presidente Lula buscou contacto com os três companheiros em litígio, sabendo que tudo dependerá do quarto, lá em cima. Em suma, é bom comprar guarda-chuvas, porque a tempestade pode tornar-se inevitável...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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