Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Tancredo Neves era governador de Minas, o País inteiro sabia que João Figueiredo seria o último general-presidente e que, entre os civis, o sucessor sairia da oposição. Poderia ser pelo voto direto, se aprovada a emenda Dante de Oliveira, ou pelo Colégio Eleitoral, caso o Congresso continuasse remando contra a maré, como remou naqueles idos.
No PMDB, dois nomes despontavam, igualmente poderosos e, sem a menor dúvida, inimigos íntimos, tendo em vista haver lugar apenas para um deles: Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Faltavam quase dois anos para a eleição, mas a luta entre os dois era de espadas florentinas.
O governador mineiro conhecia a força do adversário, líder inconteste das oposições. Procurou atingi-lo em sua própria casa, ou seja, São Paulo. Aproximava-se o 21 de abril, quando pela tradição o governo de Minas transfere-se para Ouro Preto, em homenagem a Tiradentes. Como sempre, a solenidade envolvia a distribuição das comendas da Inconfidência, encerrando-se com uma oração libertária, sempre a cargo de alguém escolhido pelo governador, ora um historiador, ora um político, mas sempre um mineiro.
Tancredo surpreendeu a todos. Convidou o então governador de São Paulo, Franco Montoro, excepcional figura do PMDB, mas, como era óbvio, subordinado à liderança de Ulysses. Ao saudá-lo, só faltou o governador de Minas lançar formalmente a candidatura do colega paulista a presidente da República. Ninguém entendeu, ainda que Montoro tivesse caído na armadilha, aceitando a condição. Falou da união entre Minas e São Paulo, quase apresentou um programa de governo e saiu de Ouro Preto certo de que, com o apoio de Tancredo, poderia chegar ao palácio do Planalto.
Senão prejudicada, estava arranhada a candidatura de Ulysses Guimarães, precisamente o objetivo do governador mineiro ao levar a luta para o terreno do adversário. Se não chegasse a candidato, Tancredo havia criado condições para que Ulysses também não fosse, pois despertara a justa ambição de Montoro. A equação, no entanto, era mais profunda, devendo redundar, como redundou, na sagração do mineiro. Por que se conta essa história? Porque em Minas, apesar de toda a cautela de seus políticos, eles sempre conseguem invadir o campo de seus inimigos.
O exemplo está aí mesmo, expresso por coincidência através de um neto do dr. Tancredo, o atual governador Aécio Neves. Ele disputa com o governador de São Paulo a indicação presidencial no PSDB. Como no episódio anterior, assim como aconteceu com Ulysses Guimarães, José Serra ocupa uma posição de prevalência na disputa. Só que a tertúlia acaba de ser levada para o acampamento adversário, ou seja, para São Paulo.
Aécio Neves, como quem deseja apenas colaborar para a paz no ninho dos tucanos, acaba de dar declarado apoio a Geraldo Alckmin como candidato a prefeito da capital do estado. Sabendo, é claro, que José Serra sustenta a candidatura do aliado Gilberto Kassab, do DEM. A paulicéia, além de desvairada, encontra-se rachada. A História nunca se repete, mas às vezes torna episódios presentes muito semelhantes aos do passado. Geraldo Alckmin não é Franco Montoro, José Serra não é Ulysses Guimarães. Mas Aécio Neves, sem tirar nem pôr, parece o avô...
Dia de malhação
Semana Santa, tempo de meditação mesmo para quem não pertence à Cristandade, mas é bom lembrar que depois da Sexta-Feira Santa vem o Sábado de Aleluia. Hoje é dia de malhar o Judas, ainda que essa tradição esmaeça de ano para ano. Até o apóstolo execrado por dois milênios anda sendo recuperado em algumas pesquisas, apesar de o consciente coletivo não aceitar a mudança.
Supondo que a malhação permanecerá ainda por muitas décadas, a tentação continua fascinante. O cidadão comum já malhou o mundo, vingando-se tanto do truculento vizinho do lado quanto do dono do armazém que roubava no peso do arroz. Políticos sempre foram os preferidos para pendurar nos postes, havendo um tempo em que as polícias do Rio, São Paulo e outras capitais eram mobilizadas desde a madrugada para impedir o enforcamento de bonecos com o nome de generais-presidentes.
Com a volta à democracia, os chefes de governo foram mais tolerantes à medida que não mandavam prender como subversivos seus malhadores, mas também se irritavam. De José Sarney a Fernando Collor, de Itamar a Fernando Henrique, falava mais alto a vaidade de cada um. Senso de humor diante deles, nenhum.
Vamos ver como se comporta, este ano, o presidente Lula. Se foi pendurado no poste desde que assumiu, uma coisa é certa: cada vez menos vem servindo de Judas para a implacável e cruel verve popular. Deveria celebrar esse crescimento de popularidade. Mas será capaz?
Fonte: Tribuna da Imprensa
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