Por que a Rússia quer derrubar o atual governo e controlar boa parte da Ucrânia? Luis Nassif entrevista o historiador Rodrigo Inhanez, que morou 11 anos na Rússia, para entender as raízes históricas do conflito. Na semana passada, Rodrigo foi convidado a explicar a crise do ponto de vista russo na GloboNews, mas foi cortado no ar e hostilizado pelo jornalista Jorge Pontual, que expressou visões contra Putin e errou ao transmitir algumas informações históricas.
Na entrevista a Nassif, o historiador Rodrigo Inhanez explica os antecedentes históricos que desembocaram na operação militar ordenada por Putin contra o governo Zelensky, da Ucrânia. Também fala fala dos impactos internos e possíveis desdobramentos.
O presidente russo Vladimir Putin visitou a casa suburbana de Solzhenitsyn perto de Moscou em setembro de 2000(AFP/Getty)
Vladimir Putin planejou o conflito com a Ucrânia por muito tempo e nos mínimos detalhes. Só não contava com a reação do ator e humorista, Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, que não hesitou em expor seu país a um massacre, para não abrir mão do maior papel de sua vida.
Primeiro, vamos entender o que muitos analistas consideravam o xeque mate na Rússia, a exclusão do sistema Swift e o embargo das reservas cambiais russas.
A primeira medida afeta o sistema bancário; a segunda, afeta o próprio Tesouro da Rússia.
Putin se preparou para as duas possibilidades: a expulsão do sistema Swift e a esterilização das suas reservas.
Peça 1 – o sistema Swift
Primeiro, vamos entender melhor a maneira como os bancos trocam reservas entre si, e como Putin montou sua estratégia.
uma cooperativa de propriedade dos membros que fornece a plataforma de comunicações, produtos e serviços para conectar mais de 10.500 instituições financeiras e corporações em 215 países e territórios. O SWIFT permite que seus usuários troquem informações financeiras automatizadas e padronizadas de forma segura e confiável, reduzindo custos, reduzindo riscos operacionais e eliminando ineficiências operacionais.
Esses sistemas servem para os bancos comunicarem suas trocas de reservas. Por exemplo, o correntista do Banco A faz um pagamento e a outra parte deposita no Banco B. Há uma troca de reservas entre ambos os bancos, através de mensagens que são registradas nesses sistemas.
Já publicamos um fio de Twitter, de autoria de Gustavo Nasa, com boas informações sobre o impacto da saída da Rússia, do sistema Swift.
O SPFS foi inaugurado em dezembro de 2017. Em março do ano seguinte, o sistema já tinha conquistado a adesão de mais de 400 bancos. No final de 2020, segundo a Wikipedia, havia 23 bancos estrangeiros conectados ao SPFS, de países como a Armênia , Bielorrússia , Alemanha , Cazaquistão , Quirguistão e Suíça.
O sistema contém uma série de aspectos negativos, se for compará-lo com o Swift: o alto custo das mensagens, falta de opção de envio de vários registros como parte de uma mensagem, não funcionamento em fins de semana e feriados.
No dia 18 de setembro passado, o Parlamento Europeu ameaçou retirar a Rússia do sistema Swift, em caso de invasão da Ucrania, o que provocou protestos do próprio Swift.
Ontem, o Banco Central da Rússia informou que, sendo desconectado do Swift, imediatamente acionará o SPFS, ao qual poderão se acoplar os bancos estrangeiros. Mesmo porque os cartões bancários de sistemas de pagamento internacionais continuam sendo utilizados na Rússia.
Desde 2019, a Rússia já se preparava, com várias negociações procurando integrar o SPFS a outros sistemas, especialmente com o Cross-Border Interbank Payment System (CIPS) – Sistema de Pagamentos Interbancários Fronteiriços da China. E aqui reside o busílis da questão.
Como bem observado por Gustavo,
“A integração entre o SPFS e o CIPS é pensada para ser o padrão da nova rota da seda e da economia asiática, atual centro dinâmico do capitalismo mundial e uma tentativa efetiva de ameaçar a hegemonia do dólar. Está dentro do escopo da recente declaração conjunta Rússia-China”.
E, aí, tem-se faca de dois gumes:
“Excluir a Rússia do SWIFT pode dar certo e quebrar as pernas da economia russa, ou pode ser o empurrão que faltava que Rússia e China precisavam para viabilizar um sistema alternativo de pagamentos desdolarizado, ainda que o dólar continue sendo usado”.
Peça 2 – as trocas de reservas entre países
O segundo suposto xeque mate à Rússia seria na esfera pública.
As reservas cambiais russas são constituídas por uma série de ativos. Levantou-se a possibilidade da Rússia não ter como escapar ao cerco dos bancos centrais de outros países. Aparentemente, há muitas rotas de fuga,
Como explica o economista Gabriel Galípolo:
“Moedas e títulos emitidos por um país constituem um passivo para eles e um ativo para seus detentores. Em 30 de junho do ano passado, 32% das reservas em moeda estrangeira da Rússia eram euros e 16% eram dólares americanos, segundo seu banco central. Cerca de 7% eram libras esterlinas, 13% renminbi chinês e 22% ouro monetário. O restante é mantido em outras moedas”.
Se a União Europeia afirma que as sanções bloqueariam mais da metade das reservas do Banco Central da Rússia, mostra, por exemplo, os limites que encontra para bloquear os chamados ativos tangíveis – como reservas de ouro, ou até mesmo emitidos por países que não aderiram às sanções.
“A complexidade das sanções decorre justamente do êxito da globalização em inserir a economia russa no mercado global”, explica ele. “A dificuldade em circunscrever seus efeitos e implementar medidas chamadas de “cirúrgicas”, é o que tem demandado a análise cuidadosa do ocidente dos impactos de cada sanção”.
Por exemplo, como proibir negociar rublos (a moeda russa), mas não produtos russos, como o gás, cuja negociação foi mantida? “Me parece uma expressão do reconhecimento da interdependência das economias e da dificuldade dos trade offs”, diz ele.
Trade off é utilizado para o caso em que uma medida, para corrigir um problema, acaba criando outros.
Quanto mais efetiva for a sanção, maiores seus impactos no Ocidente;
Quanto mais de mitiga o impacto no Ocidente, menor será a eficácia das sanções.
“Congelar ativos guarda potencialmente efeitos semelhantes”, diz ele. “Em momentos de perdas, quando não se pode vender determinados ativos, são vendidos os ativos possíveis de se vender, e é assim que as crises se tornam sistêmicas”. Ou seja, despejam-se os ativos possíveis no mercado, derrubando suas cotações e provocando um efeito cascata.
Peça 3 – o pensamento de Putin
Ainda nos anos 90, Putin tinha como guru Alexander Solzhenitsyn, o dissidente soviético, um crítico dos soviéticos mas, também, da civilização ocidental a quem atribuía falta de coragem, excesso de liberdade da mídia e dos direitos individuais. “Para se defender, é preciso também estar pronto para morrer; há pouca prontidão em uma sociedade criada no culto do bem-estar material”, dizia ele.
Putin foi um seguidor fiel dos ensinamentos de Solzhenitsyn.
Crítico de muitos presidentes russos, pouco antes de sua morte, em 2007, Solzhenitsyn elogiou Putin, dizendo que trouxe “uma restauração lenta e gradual” para a Rússia.
Segundo ele, não há fundamento na teoria da soberania das nações. O sistema internacional é baseado em uma desigualdade fundamental e uma hierarquia entre os estados. “Essa soberania não passa de uma ficção legal”, escreve ele, segundo trabalho de Bruno Pedrosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Há uma notável convergência de ideias com Olavo de Carvalho. Para ele, a hegemonia do Ocidente se baseia em um conjunto de obrigatoriedades. Mas, com a globalização e a integração econômica, haveria diversas civilizações com os Estados próximos tendo cada vez mais consciência de si, identificando valores e interesses comuns distintos do balanço de poderes em escala global. Com isso, diz ele, “cada civilização poderá decidir por si o sistema de valores morais e filosóficos que lhes são mais adequados”.
Por fim, ele diz que um sistema internacional baseado em civilizações é essencial para a superação da modernidade do relacionamento entre as nações. Diz ele que as civilizações não podem ser fixas como os Estados hoje. Cada civilização inclui “somente aqueles países e sociedades que partilhem uma dimensão cultural semelhante bem como o mesmo sistema sociopolítico e raízes históricas”.
É uma versão da guerra cultural da ultra-direita, combatendo o que consideram bases morais do Ocidente.
As semelhanças com Olavo de Carvalho avançam até no ocultismo.
Assim como Solzhenitsyn, Dugin é contra o liberalismo, o Ocidente e a hegemonia dos EUA . Defende Estado forte, ordem, família, religião e sociedade. E uma mídia que “expresse os interesses nacionais”.
Peça 4 – as cartas na manga de cada jogador
Desde os anos 90, Putin já era dominado pela ideia do destino manifesto, de reconduzir a Rússia ao status que perdeu nos anos 90, sob o comando de Boris Iésltsin, o mais desastrado político da era moderna.
Por isso mesmo, calculou todos os seus passos.
Como, no limite, explode uma guerra nuclear, imaginava criar a expectativa de conflito, que terminaria ou com um acordo favorável ou até mesmo com a anexação da Ucrânia.
Tinha certeza, por exemplo, de que nenhum país, nem a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ousaria enviar tropas para lá – e acertou. O que facilitaria um acordo rápido, ou a subordinação total da Ucrânia, iniciando a recriação da União das Repúblicas não-mais-Socialistas-Soviéticas.
Onde os cálculos falharam:
De repente, o ator-humorista, presidente da Ucrânia, se viu em um palco global, vivendo o maior papel de sua vida: a do presidente-herói que expõe sua população a um cataclisma e, provavelmente, fugirá antes de ser preso, para gozar da justa popularidade bem longe da guerra.
O primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz vendo no conflito com a Rússia a grande oportunidade de reativar a União Europeia, profundamente enfraquecida desde o Brexit. E a UE é extensão do poder da Alemanha.
A OTAN e seus principais parceiros – a indústria de armas – vendo no acirramento da nova guerra fria um espaço de fortalecimento político e de negócios.
E tudo isso, tendo na outra ponta, um mandatário alucinado e acuado, mas ainda com gás e visto como única pessoa capaz de manter o poder político na Rússia. Até onde será bancado por seus aliados internos? A concretização da invasão da Ucrânia provocou uma grita geral, inclusive de seu maior aliado, a China.
Foi um gesto desastroso. Mas qual será seu próximo passo?
Hoje, o que se viu, nas assembléias da União Europeia e da ONU, foram chamados insistentes para a guerra. O discurso de Josep Borrell, chefe da Alta Diplomacia da União Europeia, foi uma verdadeira conclamação para a guerra. E saiu aplaudido por seus pares.
Por outro lado, o presidente da Ucrânia dava sinais nítidos de procurar um acordo.
Onde vai dar, não se sabe. Há uma marcha da insensatez em andamento.
Escritora e estudiosa da história da Rússia, Suzanne Massie, que foi assessora do ex-presidente dos EUA Ronald Reagan, disse à Sputnik que na atual situação global os Estados Unidos e a Rússia precisam um do outro como nunca antes.
"Sempre estive absolutamente convencida de que a Rússia e os Estados Unidos nunca antes precisaram tanto um do outro. Vocês precisam de nós, nós precisamos de vocês", disse Massie, que no final de dezembro recebeu a cidadania russa por decreto do presidente Vladimir Putin.
Ela expressou a esperança de que Washington e Moscou possam unir-se para superar a atual crise na Ucrânia.
"Espero que sim. Podemos muito bem e devemos trabalhar juntos", disse ela.
Massie disse não ser política e desconhecer as verdadeiras razões para as tensões em torno da Ucrânia. "Nós simplesmente não sabemos o suficiente sobre o que está acontecendo", disse ela.
A ex-assessora confirmou sua convicção na importância da aliança entre os Estados Unidos e a Rússia.
"É muito importante que encontremos uma maneira de nos reunirmos, e é mais importante do que nunca por causa do que está acontecendo agora", acrescentou.
Rússia responderá às sanções sem precedentes de maneira vantajosa para si e com cabeça fria, as ações devem ser duras, bem elaboradas e precisas, disse Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo.
Ao comentar as declarações do presidente dos EUA Joe Biden de que a economia da Rússia está instável, o porta-voz russo disse que a economia está sendo atingida com força, mas ela tem capacidade de resiliência, bem como o potencial.
Anteriormente, durante o seu discurso no Congresso dos EUA, Biden afirmou que a economia da Rússia está sendo abalada pelas sanções ocidentais.
"É claro que a economia da Rússia está passando agora por grande pressão, golpes severos, eu diria. Há capacidade de resiliência, há potencial, há planos, está em curso um trabalho enérgico. [A economia] vai se manter em pé", disse Peskov comentando a declaração de Biden e respondendo à questão de como Kremlin avalia o estado atual da economia russa.
Chanceler chinês expressa solidariedade a Kiev, mas sem melindrar a Rússia de Putin
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, ligou para o chanceler da Ucrânia nesta terça-feira (1º), na primeira conversa entre os dois países desde que a Rússia deu início à guerra na última semana.
O diálogo, de acordo com os relatos oficiais de ambas as diplomacias, sinaliza uma mudança de tom na abordagem chinesa ao conflito. Pequim é aliada de Moscou e, até agora, absteve-se de condenar a invasão nas reuniões do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
Na conversa de hoje, não houve qualquer crítica por parte de Wang a ofensiva militar da Rússia ou ao presidente Vladimir Putin. Mas o chinês expressou algum nível de solidariedade a seu homólogo em Kiev ao se dizer “extremamente preocupado com os danos aos civis” da Ucrânia.
Em comunicado, o governo ucraniano afirmou que o chanceler Dmitro Kuleba, por sua vez, pediu aos chineses que usem os laços com o governo russo para tentar acabar com a guerra. Kuleba teria recebido em resposta a promessa de que a China fará “todos os esforços” para resolver o conflito por meio da diplomacia.
Wang voltou a pedir por uma solução baseada no diálogo, dizendo que apoia os esforços internacionais para que possam alcançar uma resolução política, disse o Ministério das Relações Exteriores chinês em comunicado.
Isso ecoa a posição que, segundo Pequim, foi expressa pelo dirigente Xi Jinping em conversa com Putin na semana passada. O líder chinês teria dito que “apoia a Rússia e a Ucrânia para que elas resolvam os problemas por meio de negociações”.
Em janeiro, o mesmo Xi celebrou 30 anos de laços com a Ucrânia, saudando o “aprofundamento da confiança política mútua” entre eles. Os dois países têm fortes laços econômicos e Kiev faz parte da Nova Rota da Seda, megaobra de infraestrutura que liga Oriente Médio, Ásia, África e Europa, atravessando áreas que eram de influência da ex-União Soviética.
Ao mesmo tempo em que acena à Ucrânia, Pequim tenta não melindrar Moscou. Quando as forças russas, sob ordens de Putin, invadiram a Ucrânia e deram início à mais grave crise de segurança no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial, a resposta formal da diplomacia chinesa foi de que a ofensiva não representava uma violação à soberania ou à integralidade do território ucraniano.
Em vez disso, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês descreveu o cenário —que o Ocidente já chamava de guerra— como resultado de uma “combinação de fatores”. Antes disso, a China já acusava os Estados Unidos de ser o responsável pela crise na Ucrânia. Para Pequim, Washington estava “aumentando as tensões, criando pânico e até aumentando a possibilidade de guerra”.
À medida que o Ocidente reagiu a ação de Putin, a China rechaçou as sanções econômicas impostas a Moscou. Aliás, as relações comerciais entre os dois países são uma das principais apostas da Rússia para reduzir o impacto das medidas de retaliação impostas pelo Ocidente.
Enquanto isso, a China começou a retirar seus cidadãos da Ucrânia. Segundo o Global Times, jornal ligado ao Partido Comunista Chinês, a primeira leva de chineses deslocados pelo conflito inclui 200 estudantes que vivem em Kiev e 400 em Odessa, no sul do país. Eles saíram em um ônibus escoltado em direção a Moldova.
Ainda de acordo com o jornal, outros mil chineses devem ser evacuados ainda nesta terça (1º) pelas fronteiras com a Eslováquia e a Polônia. Ao todo, 6.000 chineses se registraram na embaixada para serem retirados do país.
Muitos na Crimeia taparam sua boca em 13 de março de 2014 em protesto contra as forças russas, alegando que a península faz parte da Ucrânia
No início de 2014, a Crimeia se tornou o foco de uma das piores crises entre a Rússia e países como EUA e Reino Unido desde a Guerra Fria, depois que o ex-presidente da Ucrânia, o líder pró-russo Viktor Yanukovych, foi deposto após uma série de protestos.
O povo ucraniano estava dividido entre aqueles que queriam uma maior integração com a Rússia e aqueles que apoiavam uma aliança com a União Europeia. E Moscou decidiu intervir.
De acordo com o Kremlin, Yanukovych enviou uma carta ao presidente russo, Vladimir Putin, solicitando uma intervenção para restaurar a ordem na Ucrânia.
Mas Putin já havia tomado uma decisão que poucos esperavam.
Ao longo de fevereiro de 2014, o presidente russo estava enviando discretamente milhares de tropas adicionais para as bases que a Rússia tinha na Crimeia, graças ao Tratado de Partição de 1997.
Muitos "voluntários" civis também se mudaram para a península dentro de um plano que foi executado secretamente e concluído com sucesso.
O primeiro sinal óbvio de que a Crimeia estava sendo retirada da Ucrânia veio na sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014, quando a Rússia montou postos de controle em Armyansk e Chongar, os dois principais cruzamentos rodoviários entre a Ucrânia continental e a península da Crimeia.
Esses pontos eram controlados por homens vestindo uma variedade de uniformes: alguns com o exército ucraniano, alguns com o da polícia ucraniana, alguns camuflados sem insígnia nacional. Vários usavam roupas civis.
Uma invasão 'suave'
Após a queda de Yanukovych, o Parlamento da Crimeia elegeu um primeiro-ministro pró-Rússia e votou pela separação da Ucrânia.
Líderes pró-Rússia na região alegavam que precisavam proteger a Crimeia dos "extremistas" que haviam tomado o poder em Kiev e ameaçariam o direito de se falar o idioma russo.
Em 16 de março, eles organizaram um referendo no qual as pessoas foram questionadas se queriam que a república autônoma se juntasse à Rússia.
A Ucrânia e países como EUA e Reino Unido consideraram o referendo ilegal, mas a Rússia apoiou o pleito com vigor.
De acordo com autoridades locais, 95,5% dos eleitores na Crimeia apoiaram a opção de se juntar à Rússia no polêmico referendo que foi realizado sem a presença de observadores internacionais confiáveis.
Em 18 de março, dois dias após a publicação dos resultados, Putin oficializou a invasão ao assinar um projeto de lei incorporando a Crimeia à Federação Russa.
No discurso proferido no Salão de São Jorge do Kremlin antes da assinatura, Putin disse que a Crimeia era "terra santa russa" e que os EUA e seus parceiros haviam cruzado uma linha vermelha. "Tudo tem um limite", disse Putin, e Washington havia ultrapassado esse limite na Ucrânia. Segundo Putin, os EUA estavam acostumados a agir de acordo com a lei do mais forte.
O jornalista da BBC John Simpson, que estava na Crimeia na época, escreveu que essa foi a invasão "mais suave" da era moderna.
'Em 16 de março, líderes pró-Rússia na Crimeia organizaram um referendo que foi considerado ilegal por Kiev e pelos EUA'
"A invasão acabou antes que o mundo percebesse que ela tinha começado", disse ele.
Até aquele dia, quando um grupo de homens armados pró-Rússia atacou uma pequena base do exército ucraniano em Simferopol, matando um oficial e ferindo outro, não havia derramamento de sangue.
'Trazer a Crimeia de volta'
A notícia da anexação foi amplamente criticada internacionalmente e tanto os EUA quanto a União Europeia impuseram uma série de sanções a indivíduos e empresas russas em resposta à anexação da península.
Putin argumentou em abril daquele ano que havia tomado a decisão final sobre a Crimeia depois que pesquisas de opinião secretas mostraram que 80% dos habitantes da península eram a favor da adesão à Rússia.
Mas, um ano depois, ele admitiu pela primeira vez que o plano de anexação da Crimeia havia sido aprovado semanas antes do polêmico referendo.
'Durante a invasão da Crimeia, centenas de soldados fortemente armados, sem nenhuma insígnia de identificação, posicionaram-se do lado de fora de uma base militar na região'
Durante um discurso na TV em março de 2015, o presidente russo garantiu que havia tomado a decisão de "trazer a Crimeia de volta à Rússia" em 23 de fevereiro, ao final de uma reunião de emergência noturna, horas depois que o líder ucraniano fugira de Kiev.
"Nós terminamos por volta das sete da manhã. Quando nos despedimos, eu disse a todos os meus colegas: 'Estamos obrigados a começar a trabalhar para trazer a Crimeia de volta à Rússia.'"
O compromisso da Rússia de respeitar as fronteiras da Ucrânia
Uma corrente de pensamento na Rússia argumenta que historicamente a Crimeia faz parte do país.
No século 18, a Crimeia fazia parte do Império Otomano, governado pelo tártaros do Canato da Crimeia.
A região permaneceu sob o domínio otomano até que Catarina, a Grande, a tomou dos tártaros, anexando a península ao Império Russo.
Mas em 1954 o líder soviético Nikita Khrushchev transferiu o território, no qual vive uma maioria de etnia russa, para o controle de Kiev.
Após a independência da Ucrânia em 1991, Kiev manteve a Crimeia, mas a Rússia ficou com o controle de uma base naval de Sebastopol na região, sede da Frota do Mar Negro.
No Memorando de Budapeste de 1994, a Rússia fez um acordo com o Reino Unido e os EUA para respeitar as fronteiras da Ucrânia e não ameaçá-las com força. Em troca Kiev precisava transferir para Moscou suas armas nucleares da Era Soviética.
Esse acordo foi violado por Putin em 2014. E o tratado acaba de ser violado novamente com a invasão da Ucrânia.
Por que a Crimeia interessa agora?
Em 1º de fevereiro, Putin acusou países europeus e EUA de ignorarem as preocupações de segurança da Rússia depois que os EUA se recusaram a garantir que a Ucrânia não ingressaria na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Putin alega que a possível adesão da Ucrânia à aliança militar "minaria a segurança da Rússia" e que os EUA estavam usando a Ucrânia para "conter a Rússia". O debate sobre o ingresso ucraniano na Otan sequer está na agenda da organização, e neste momento é apenas uma aspiração de Kiev)
"Imagine que a Ucrânia seja membro da Otan, totalmente equipada com armas, com meios avançados de ataque como os da Polônia e da Romênia, e inicia uma operação na Crimeia", disse Putin.
Desde a anexação da Crimeia, a península tem sido um ponto de antagonismo entre a Rússia, a Ucrânia e países europeus e os EUA.
Enquanto países europeus e os EUA consideram a Crimeia como sendo parte da Ucrânia, Putin continua determinado a defender a ideia de que a península pertence à Rússia, alertando que a entrada da Ucrânia na Otan poderia conduzir os EUA e a Europa a uma guerra com a Rússia pelo controle do território.
"Países europeus, incluindo a França, acreditam que a Crimeia faz parte da Ucrânia, mas nós achamos que ela faz parte da Federação Russa", disse Putin no início de fevereiro após uma reunião com o presidente francês Emmanuel Macron.
"E o que acontece se você tentar mudar essa situação por meios militares?", questionou Putin.
"Tenham em mente que as doutrinas da Ucrânia declaram a Rússia como adversária e estabelecem a possibilidade de ela retomar a Crimeia, inclusive usando força militar."
'Você não pode deixar Putin sair impune'
Mas o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, deixou claro que não planeja recapturar a Crimeia por meios militares.
"Tanto Donbas quanto a Crimeia voltarão para a Ucrânia exclusivamente por meio da diplomacia. Não vamos usurpar o que não é nosso, mas não vamos desistir de nossas terras", disse ele na semana passada.
Horas após o início da invasão russa na Ucrânia, vários líderes de países como EUA e Reino Unido condenaram duramente a intervenção militar russa.
Emmanuel Macron afirmou que a França "responderá sem fraqueza" ao "ato de guerra" da Rússia na Ucrânia.
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson assegurou que o Reino Unido "não pode e nem vai fingir que não viu" o ataque "terrível e bárbaro" ordenado pelo Kremlin.
Dias antes, Johnson alertou que a lição do que aconteceu na Crimeia em 2014 é que "Vladimir Putin não pode ficar impune".
Na Ucrânia, Zelensky rompeu relações diplomáticas com Moscou em resposta à invasão e deu armas aos ucranianos que quiserem defender o território.
A União Europeia afirma que se trata de "um dos momentos mais sombrios para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial" e alertou que a Rússia será atingida por "enormes sanções".