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segunda-feira, outubro 04, 2021

Não queremos políticos, queremos pessoas normais

 




Tem de ser alguém com um emprego, muito inteligente, com tempo livre para dedicar à comunidade. Alguém extraordinariamente normal que seja extraordinária. 

Por Sofia Santos (foto)

Numa altura em que se fala muito de perfis de candidatos políticos por causa das eleições autárquicas, mas também por causa da discussão sobre as possíveis sucessões dos líderes partidários, é interessante discutir o que se espera de um perfil político.

Os políticos são, hoje, personae non gratae. São chamados de bandidos, corruptos, tachistas e ladrões. São, dizem, quem usa e abusa dos dinheiros públicos, quem só lá está por interesse e quem se aproveita dos cargos para benefício próprio ou dos que os rodeiam. Serem só alguns ou todos é quase igual, cada caso apresentado é uma confirmação da certeza e os que não são apanhados é porque ainda são piores na sua malvadez e melhores a escondê-la. Por isso, queremos diferente. Exigimos alguém que seja uma “pessoa normal”.

Queremos uma pessoa, mas que não seja um político. Uma pessoa normal. Deve ter suficiente interesse pela política para estudar a fundo as ideologias e acreditar profundamente nelas – tem de as perceber para ser coerente – mas deve resistir à ideia de ir para uma jota ou para um partido, onde estaria com outras pessoas com ideologias e interesses semelhantes. Assim, só ficaria com as manias e os maus hábitos e, por isso, a ideia é mesmo evitá-lo. Uma pessoa com interesse na política é normal, mas, quando se juntam várias num partido, é um perigo para a sua pureza.

O afastamento da política deve ser de tal ordem que não se aceita uma pessoa que tenha qualquer laço familiar até ao 3º grau – para cima, para baixo e para o lado – com alguém que tem ou tenha tido cargos políticos. Caso seja o cônjuge, aconselha-se o divórcio e, mesmo assim, será tema para debate se não vai tarde demais. Caso seja um filho ou um pai (Deus o livre!), é desistir logo da ideia e dedicar-se a ser uma pessoa ainda mais normal.

Deve ser uma pessoa com um emprego “normal”, que trabalhe numa empresa, mas com tempo suficiente para se dedicar a conhecer as associações, para estudar os problemas da comunidade, para estar a par de tudo o que se passa a nível político e ter opinião fundamentada sobre todos os assuntos.

Deve ser alguém de fora da “máquina partidária”, mas que, de alguma maneira, se apresenta como um candidato credível e com grande orçamento para fazer uma boa campanha. Tem de ser uma pessoa com vários voluntários dispostos a ajudar em campanha e a mobilizar o voto, mas, novamente, sem apoio de partidos ou jotas.

Claramente, tem de ser alguém que seja normal, um de nós. Não pode ter muito dinheiro – o grande orçamento não pode ser pessoal – e tem de ser muito inteligente. Contudo, não pode ter um cargo bom numa boa empresa, pois isso seria logo motivo de suspeita de que a sua candidatura seria por outros interesses!

Resumindo, tem de ser alguém com um emprego numa empresa – mas não numa que possa ser suspeita, sem ser num cargo superior, que seja muito inteligente, com um profundo interesse pela política, com bastante tempo livre para dedicar à comunidade e ao estudo de todos os temas políticos da atualidade, sem família na política, sem muito dinheiro, mas com a capacidade de ter um enorme orçamento sem apoio de partidos e de juntar pessoas para o apoiarem. Alguém extraordinariamente normal que seja extraordinária.

Ok!! Assumindo, então, que a parte do dinheiro e das pessoas para campanha pode ser complicada, talvez fosse de considerar que um partido pudesse apoiar esta pessoa. Decerto que todas as pessoas que passam as suas noites e fins de semana a apoiar o partido não se importariam com essa decisão, afinal de contas elas não são pessoas normais. Não interessa muito como é que o partido conheceria esta pessoa, ou porque é que apoiaria alguém que é antipartidos. Seria uma candidatura de uma pessoa normal, mas apoiada por um partido.

Se calhar a parte de ser muito inteligente, trabalhar numa boa empresa, mas nunca ter chegado a um bom cargo e por isso ter horários reduzidos, talvez também não seja muito credível. Se calhar, mesmo as pessoas normais não têm todas empregos das 9 horas às 17 horas e muito provavelmente terão uma família. Por isso, a ideia de ser alguém com tempo para dedicar à comunidade, para acompanhar o trabalho político fora de um partido e para conseguir conhecer todos os assuntos da atualidade também seja complicada.

Pronto, se calhar até é razoável que tenha um emprego com um alto nível de responsabilidade e um bom salário. Até porque, sendo alguém inteligente e com grande carisma, é esperado que tenha essa capacidade, especialmente se já não for muito jovem – o que é de evitar porque esses ainda não sabem nada da vida. Contudo, tem de estar disposto a ver o seu salário reduzido drasticamente para ter um cago público. Decerto que isso não será problemático!

Já temos o perfil e até já conseguimos os recursos financeiros e pessoais para se poder apoiar o candidato. Agora, em campanha, ele será espetacular. Conseguirá fazer uma lista cheia de independentes, mesmo que tenha sido apoiado por um partido, e os militantes, que adoraram estar fora da lista, estarão todos os dias a fazer campanha ao lado do candidato que, apesar de ser a primeira vez que faz uma campanha, porque não esteve em jotas ou partidos, saberá exatamente como a fazer. Será brilhante em debates, conhecerá todos os assuntos e será um comunicador exímio. Conseguirá afastar-se de todas as críticas que fazem ao partido que o apoia – afinal, ele não é do partido – mas as pessoas que o apoiam e são desse partido não se importarão que ele até seja um dos primeiros a criticá-las.

Se perder as eleições, não haverá problema nenhum. Simplesmente voltará para o seu emprego original e esquecerá esta aventura na política, as suas ideias, os seus projetos, o seu compromisso com quem nele votou. Se for eleito, terá de abrir concursos públicos para todas as vagas do seu gabinete. Isso da “confiança política” é uma coisa de tachos. Não porá no seu gabinete as pessoas que o apoiaram durante a campanha e que se mostraram ativos valiosos, ou pessoas do partido que o apoiou e que até já tiveram experiência em gabinetes antes e que o podem orientar neste ambiente novo. É sempre melhor pessoas de fora, tal como ele. Tudo novo, estranhos absolutos.

Sendo uma pessoa do meio empresarial, será um perito em cumprir projetos e planos. No privado, isso funciona sempre bem! Por isso, cumprirá todo o programa eleitoral e dentro do orçamento. Se houver dívidas antigas que alterem o orçamento ou atrasos por fatores externos, não haverá problema porque ele saberá fazer documentos maravilhosos em Excel e Powerpoint – as pessoas no privado são mesmo espetaculares!

Depois de um mandato impecável, sairá da vida pública, sendo que agora muitas empresas lhe serão vedadas, não vá levantar suspeitas de que as andou a favorecer. Certamente que haverá muito que ainda pode fazer, especialmente agora que já tem mais experiência, mas isso não é com ele. Quem se mantém em cargos políticos são os corruptos agarrados ao poder. Esta pessoa não é assim. É uma pessoa normal.

Até diria como última nota que este perfil seria de uma mulher, mas aí estaríamos a entrar no campo do impossível. Especialmente quando tudo o resto é altamente plausível.

Observador (PT)

Pague sem reclamar




Por Carlos Brickmann (foto)

O problema do eleitor brasileiro é que se divide entre cobrar os excessivos gastos do Congresso, ou do Supremo, ou do Executivo. De vez em quando aparece alguma conta exagerada demais: as picanhas de R$ 1.700,00 o quilo, do presidente da República, a multiplicação por três dos gastos eleitorais do Senado e da Câmara, a concorrência do STF para banquetes com camarões, lagostas e vinhos com pelo menos quatro prêmios internacionais. O fato é que normalmente Suas Excelências gastam demais o nosso dinheiro. Não é só a picanha de alto luxo: é espantosa a tranquilidade com que o Executivo paga aos fardados quantias superiores ao teto constitucional, o Supremo admite funcionários encarregados de vestir a toga nos ministros e puxar-lhes a cadeira, os parlamentares se entopem de assessores bem pagos – muitos dos quais têm como maior mérito dividir o salário em rachadinhas com os parlamentares que os contratam.

É uma festa com dinheiro público. E ninguém entende por que é preciso limitar a Bolsa Família – não sem antes gastar um dinheirão para trocar o nome do programa assistencialista. Afinal, a propaganda é a alma do negócio. E a população mais pobre que se vire: pé de frango vira sua grande fonte de proteína animal.

O curioso é que o Imposto Ipiranga, Paulo Guedes, foi aluno de Milton Friedman, economista liberal que criou o Imposto de Renda Negativo. Guedes, se quiser, faz. Estudou bem o tema. Mas prefere louvar Bolsonaro.

Sentando em cima

O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem 120 pedidos de impeachment de Bolsonaro para avaliar. No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco deixou por dois meses de avaliar os pedidos para instaurar uma CPI da Covid, na qual os senadores estudariam eventuais falhas cometidas pelo Governo. Só agiu por ordem do Supremo.

Mas multiplicar por três as verbas destinadas à campanha eleitoral foi uma medida que saiu rapidamente. Campanha boa é aquela em que verbas abundam.

Todos ganham, todos ficam felizes, menos os eleitores e o Tesouro.

Lembrai-vos de Sua Excelência

Ainda se lembra do general Pazuello (“aqui um manda e outro obedece”), o que confundiu o Amazonas com o Amapá? Isso: aquele que o presidente Bolsonaro costuma chamar de “meu gordinho”. Pazuello acaba de ganhar novo posto: deixou a Secretaria de Assuntos Estratégicos e foi nomeado pelo ministro Ciro Nogueira para a Assessoria Especial da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Especialíssimo, pois. Seu cargo anterior, secretário especial de Assuntos Estratégicos, foi extinto.

Mas ele garantiu uma boa colocação. Quem tem padrinho não morre pagão.

Acomodando Bolsonaro

O presidente Bolsonaro, hoje sem partido, está no momento escolhendo entre duas opções, ambas do Centrão: o PP, do ministro Ciro Nogueira, e o PTB de Valdemar Costa Neto. Não há ideologia nas escolhas: Bolsonaro deve escolher o partido que lhe dê o controle da legenda. Desistiu do PSL, pelo qual se elegeu e que transformou num grande partido, o segundo do país, porque Luciano Bivar fez questão do controle da sigla – incluídos os cofres.

Bivar encaminha agora a fusão do PFL com o DEM, no qual não há lugar para Bolsonaro & Filhos. A nova legenda pode até apoiar Bolsonaro, se lhe for conveniente, mas não irá aceitá-lo no partido, nem lhe dará o controle. PP e PTB são os favoritos para abrigar o presidente.

Acomodando Moro

O ex-juiz Sergio Moro tem contrato até o fim do ano com uma empresa de advocacia dos EUA, e tudo indica que voltará ao Brasil. Pode sair candidato a presidente, ou ao Senado, sempre pelo Podemos, partido de Álvaro Dias. Mas só sai para presidente se achar que tem chance entre Lula e Bolsonaro. Não é o que as pesquisas apontam hoje. Mas há quem acredite que Moro vai ressuscitar a Lava Jato. Não vai, mas esperança sempre existe.

Moro talvez prefira se instalar nos EUA e não se candidatar a nada. Pode ser. Se for candidato, a tendência é que se transforme em alvo tanto de Lula quanto de Bolsonaro – uma experiência desagradável.

Veja em livro

O repórter Luís Nassif acaba de lançar um livro, O caso Veja, com o objetivo de narrar a “ascensão e queda da imprensa brasileira”. Em sua opinião, a desorganização da informação, promovida pelo partidarismo que vê na imprensa, desestruturou todos os poderes. O livro de Nassif já está à venda na Amazon.

A seu ver, o bolsonarismo nasceu por volta de 2005, quando a imprensa descobriu o que chama de jornalismo de esgoto. Liderada por Veja, a imprensa resolveu seguir o exemplo de Rupert Murdoch e assumir o protagonismo político e o discurso de ódio. Aí teria acabado a imprensa como a conhecemos e vieram, em seu lugar, as fake news. Vale ler.

Brickmann.com.br

Não foi ‘gigante’, mas tampouco desprezível; expressou a rejeição

 



Por Carlos Melo* (foto)

Comparadas ao 12 de setembro, as “rachaduras” do antibolsonarismo foram, desta vez, menos evidentes. Adversários subiram no mesmo palanque; a organização reuniu diferentes e divergentes partidos, além dos movimentos sociais. Não deixa de ser um ensaio de frente ampla. Não eleitoral, claro – nesse aspecto, não há e nem haverá acordo –, mas contra Jair Bolsonaro, que vive seu pior momento na Presidência do País.

Outro aspecto é que a tensão que houve no início de setembro diminuiu. O recuo do presidente retirou da atmosfera política a maior dramaticidade sentida há um mês. A questão da democracia esteve presente e, naturalmente, ainda preocupa, mas perdeu espaço em relação à inflação e ao custo de vida. Expressos no termo “Bolsocaro”.

Água fria para os mais afoitos, a magnitude das manifestações, no entanto, não surpreendeu. Com o processo de imunização avançando, a pandemia assusta menos, e mais pessoas vão às ruas. Aos poucos. Não foi “gigante”, mas tampouco desprezível: assemelha-se à mobilização bolsonarista de 7 de setembro. Se, então, demonstrou apoio; agora, expressou a evidente rejeição.

Num primeiro balanço, as manifestações de ontem foram insuficientes para assustar e acionar o senso de sobrevivência de deputados do Centrão, que hoje blindam Jair Bolsonaro. Nesse aspecto, a vida continuará a mesma. Por ora, o impeachment segue apenas uma hipótese. Também, a possibilidade de o presidente não chegar à eleição. Continuam as “narrativas” e os ataques nas redes sociais.

*Cientista político. Professor do Insper

O Estado de São Paulo

KC-390: o maior avião militar da América do Sul




Por Gabriel Centeno 

Embraer KC-390 Millennium. Esse é o “nome e sobrenome” do maior avião militar projetado, desenvolvido e fabricado no continente sul-americano. Uma aeronave que carrega em seu DNA a história de perseverança e visão de Ozires Silva com o EMB-110 Bandeirante dos anos 1960, bem como a tecnologia do estado da arte que o põe no hall das aeronaves de transporte mais capazes no mundo. 

Em agosto, a equipe do Portal Aeroflap conheceu de perto o KC-390 para produzir uma série de vídeos, bem como esta reportagem. Atualmente são quatro aeronaves em serviço com o 1º Grupo de Transporte de Tropas (1º GTT), o Esquadrão Zeus, uma unidade que desde de 2018 tem como sede a  Ala 2, Base Aérea de Anápolis. 

Mas antes de falar sobre o presente, vamos voltar ao ano de 2005.

C-390 e KC-X: um projeto e uma necessidade

Há 16 anos, a Embraer começava os primeiros desenhos do que hoje é o KC-390. A aeronave nasceu a partir de um estudo do setor de inteligência da fabricante brasileira, que acabou encontrando uma necessidade de mercado a longo prazo. Várias nações iriam, nos próximos anos, substituir aeronaves de transporte militar mais antigas, especialmente o Lockheed C-130. O C-130J Super Hércules e o Airbus A400M Atlas já eram ruma realidade, todavia, uma realidade cara.

A partir desses estudos, a fabricante começou o projeto, com o desenho sendo inicialmente chamado de CXX e, mais tarde, designado como C-390. O projeto era basicamente um E190 E-Jet modificado com um grande compartimento de carga, asas altas e estabilizadores horizontais montados na fuselagem, e não no topo da deriva como temos hoje. 

Ao mesmo tempo, a Força Aérea Brasileira já estudava o futuro da sua própria frota de C-130 Hércules. O Hércules é uma das aeronaves militares mais consagradas de todos os tempos. Um avião reconhecido no mundo todo pela sua robustez, fácil manutenção, versatilidade e outros substantivos. Em produção desde 1954, o C-130 serve em instituições militares e governamentais do mundo todo, mas sua história no Brasil começa em 1964 com a chegada do C-130E 2450. Ao todo, 29 exemplares das variantes 130E e 130H foram adquiridos entre 1963 e 2001, com uma extensa modernização se iniciando em 2003. Em 1974, a FAB encomendou dois KC-130H, que também foram atualizados. Hoje são designados KC-130M e C-130M. 

Os anos de operações nos mais diversos rincões do Brasil e até mesmo na Antártica cobraram seu preço, com a FAB anunciando neste ano que o Hércules será aposentado em 2024. Em 2007, a Força Aérea lançou o projeto KC-X para buscar um substituto para o C/KC-130. A Embraer, que já têm uma parceria histórica com a FAB, apresentou o seu projeto já modificado de acordo com os requisitos preliminares da Aeronáutica.

As duas organizações então se uniram, com a FAB passando a trabalhar ativamente na concepção do C-390. Avançando alguns anos, o projeto foi redesignado KC-390, o nome pelo o qual conhecemos hoje. A letra K indica que o a aeronave se trata de um avião-tanque (KC-130, KC-135, KC-46, por exemplo), deixando claro as principais missões do avião brasileiro: transporte e reabastecimento em voo (REVO).

Em 2009, a FAB e a Embraer assinaram o contrato para o desenvolvimento do KC-390, bem como a produção de dois protótipos, no valor de R$ 3.028.104.951, publicado no Diário Oficial da União do dia 23 de abril daquele ano, marcando o primeiro compromisso oficial do Governo Federal com o avião da Embraer. Cinco anos depois, no dia 20/05/2014, a FAB assinou o contrato Nº 9/2014 – UASG 120006 no valor de R$ 7.255.896.086, firmando a aquisição de 28 aeronaves KC-390, com a entrega da primeira unidade prevista para 2016. 

Cinco meses e um dia após a publicação do contrato de aquisição, foi realizada a cerimônia de roll out do primeiro protótipo do KC-390, o PT-ZNF, em Gavião Peixoto (SP). O maior avião desenvolvido pela Embraer, e o maior avião projetado e produzido na América do Sul, era oficialmente apresentado ao público. No dia 03 de fevereiro do ano seguinte, o PT-ZNF fez seu primeiro voo, tripulado por dois pilotos de testes e dois engenheiros da Embraer. O segundo protótipo, PT-ZNJ, ficou pronto em março de 2016 e fez seu primeiro voo no dia 28 de abril do mesmo ano. 

Porém, ainda em 2014 a crise econômica mundial começou a ter efeitos mais pesados no Brasil. Nos anos seguintes, o projeto sofreu alguns adiamentos por conta de atrasos dos repasses. Ainda assim, ZNF e ZNJ seguiram voando para certificar o modelo. Em 2017, um incidente grave deixou o PT-ZNF danificado: durante testes de formação de gelo e pré-estol (condição de voo que antecede o estol, que é a perda de sustentação), os tripulantes acabaram perdendo o controle do protótipo 001 após o desprendimento de uma carga. Em menos de 30 segundos o jato perdeu quase 2500 metros de altitude; na recuperação, a Força G acabou danificando o avião. 

Após isso, o ZNF foi reparado e voltou aos testes, mas acabou se envolvendo em outro acidente no dia 05 de maio de 2018. Durante testes em solo, o avião varou a pista de Gavião Peixoto, novamente sofrendo danos sérios. Felizmente, ninguém da tripulação se feriu. É importante destacar que o avião ainda estava na fase de desenvolvimento, logo, incidentes são “esperados” durante esse período. 

Apesar dos sustos, o grande dia chegou. Dez anos depois da assinatura do primeiro contrato, a Força Aérea Brasileira recebia oficialmente o seu primeiro KC-390, o FAB 2853. A cerimônia realizada na Base Aérea de Anápolis (Ala 2), em Goiás, foi presidida pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, que batizou a nova aeronave junto do então Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Carlos Moretti Bermudez, e o então Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. 

Na solenidade, o KC-390 foi oficialmente incorporado à frota da FAB, passando a ser operado pelos militares do Esquadrão Zeus, o 1º Grupo de Transporte de Tropa. 

GTT – Do Rio para Anápolis

O 1º GTT não é goiano, mas sim carioca. A unidade foi criada em 22 de janeiro de 1958 pelo Decreto Nº 43.089, na Base Aérea dos Afonsos, Rio de Janeiro. Ao longo de sua vida, operou o C-82 Packet, o lendário C-115 Búfalo e o grande C-130 Hércules em missões de transporte e lançamento de tropas e paraquedistas do Exército Brasileiro, bem como voos de transporte tático, logístico e suprimento em áreas atingidas por desastres e calamidades naturais. 

Hoje o esquadrão é chamado de Zeus, o deus dos deuses na mitologia grega, mas antes era conhecido por outros dois nomes. Em 07 de fevereiro de 1958 foi ativado o 1º Esquadrão do 1º Grupo de Transporte de Tropa (1º/1º GTT), o Esquadrão Coral. Já o Esquadrão Cascavel (2º/1º GTT) foi ativado em 1º de novembro de 1961, pela Portaria S-67/GM3 da própria Força Aérea. 

Em 1975, o Cascavel recebeu o C-130H, mais potente e resistente que os C-130E já operados pela FAB; no ano seguinte a unidade recebeu dois KC-130H, o primeiro avião-tanque da Força Aérea Brasileira, que mais tarde foram repassados ao Esquadrão Gordo (1º/1º GT). Ao longo dos anos, Coral e Cascavel sempre operaram em conjunto, com um alto nível de cooperação entre as unidades. 

Em 2013, após 55 anos operando a partir do Campo dos Afonsos, o GTT e suas aeronaves foram transferidas para a Base Aérea do Galeão, que já sediava o Esquadrão Gordo. O Grupo foi transferido por questões orçamentárias: com as unidades de C-130 concentrando-se em apenas um local, há redução de custos de manutenção, aumentando, por consequência, a disponibilidade dos aviões. Assim, Gordo, Coral e Cascavel operavam juntos. 

No entanto, o futuro reservava mais um desafio ao GTT. Em junho de 2018 a FAB transferiu o GTT novamente, dessa vez saindo do Galeão para o Centro-Oeste. A nova casa do 1º GTT, agora chamado de Esquadrão Zeus, era a Base Aérea de Anápolis (Ala 2). Distante cerca de 150km de Brasília, a Base Aérea começou a ser construída em 1972 para receber os novíssimos Mirage III EBR/DBR, os primeiros caças supersônicos do Brasil. De mudança, o Zeus recebeu a missão de implantar o KC-390. Os Hércules foram repassados ao Esquadrão Gordo.

O primeiro KC-390 foi entregue ao esquadrão em 04//09/2019. O segundo, o 2854, chegou para a unidade em 13/12/2019; o terceiro (2855) foi entregue em 27/06/2020 e o quarto avião (2856) em 19/12/2020. 

A Base Aérea de Anápolis também será a primeira a receber o Saab F-39E/F Gripen, novo caça da FAB que será operado pelo 1º Grupo de Defesa Aérea, o Esquadrão Jaguar. Para receber esses dois novos modelos, Anápolis acabou virando um canteiro de obras. A Base Aérea está passando por uma série de extensas reformas em sua infraestrutura, com a construção de novos prédios e hangares, reforma da pista, atualização da rede elétrica e do sistema de iluminação bem como outros serviços. Por isso, os militares do GTT estão alocados em um prédio junto dos esquadrões Guardião (2º/6 GAv, que opera os R-99/E-99) e Carcará (1º/6º GAv, que emprega o R-35). Já o 1º GDA foi transferido para a antiga sala de passageiros da BAAN. 

Aquisições

Ao longo dos anos, a Embraer fechou parcerias internacionais com Portugal, Argentina e República Tcheca para a produção de partes do avião. A parceria com essas nações era representada na própria aeronave, com suas bandeiras pintadas ao lado da porta. Esses países, junto do Chile, também expressaram um forte interesse na aquisição do cargueiro militar, mas destes, apenas Portugal comprou o avião até o momento. A Empresa Brasileira de Correios também chegou a demonstrar interesse no KC-390 para operar na sua rede postal noturna. 

Em julho de 2019, o Ministério da Defesa Português confirmou a compra de cinco KC-390 (com opção para uma sexta aeronave), um simulador de voo e treinamento de tripulantes por €827 milhões. Em 21 de setembro de 2021, o primeiro KC-390 da Força Aérea Portuguesa foi energizado na linha de produção da Embraer. No mesmo dia a FAP divulgou que quatro de seus militares, dois pilotos e dois mecânicos, estão em Anápolis desde o dia 14/09, onde estão recebendo treinamento do 1º GTT. Assim como no Brasil, o KC-390 vai substituir os C-130 Hércules portugueses. Portugal também deverá empregar os aviões no combate a incêndios florestais que assolam o país anualmente. 

Em junho de 2020, a Embraer e o Governo Húngaro anunciaram a assinatura de um contrato para o fornecimento de duas aeronaves. Os aviões da Hungria foram adquiridos com capacidade de reabastecimento em voo e configuração especial que converte seu interior em uma UTI aérea. O contrato também cobre o treinamento de pilotos e especialistas. Dessa forma, a Hungria se tornou o segundo país europeu e o segundo membro da OTAN a comprar o avião da Embraer.

Como explicado anteriormente, a crise econômica mundial acabou afetando o KC-390 em 2014. Tais problemas vem ocorrendo até hoje. Em 26 de maio deste ano, a Força Aérea Brasileira confirmou que iria renegociar o contrato de 28 aeronaves junto à Embraer. A maior razão é o impacto da pandemia do Novo Coronavírus, que piorou ainda mais a situação econômica do Brasil e o resto do mundo. A FAB afirmou que o objetivo da revisão do contrato é “reduzir o número total de aeronaves entregues, com base no atual contrato, e buscar uma cadência de produção de 02 aeronaves por ano, fatores considerados adequados observando-se os aspectos operacionais, logísticos e financeiros.”

Em entrevista ao Valor Econômico, o Comandante da Força Aérea Brasileira, Tenente-Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr., confirmou que a fabricante aceitou a renegociação, afirmando que entre 13 e 16 aeronaves deverão ser adquiridas, já que restrições orçamentárias impostas pelo combate à pandemia não permitem o financiamento das 28 aeronaves planejadas originalmente.

O que se espera é que as aeronaves restantes sejam futuramente adquiridas em um segundo contrato. 

Em detalhes, o KC-390

O KC-390 é uma aeronave bimotora de transporte tático multimissão. A palavra “tático” se traduz na aplicação operacional do avião: transporte de tropas, armamentos, munição, veículos, blindados e lançamento de infantaria paraquedista em pontos mais próximos da linha de frente do combate. Além disso, a outra missão desempenhada pelo KC-390 é o reabastecimento em voo, que será explicado em detalhes mais à frente. 

Fora o transporte e o REVO, a aeronave foi projetada para realizar operações de busca e salvamento (SAR), evacuação aeromédica (EVAM), combate a incêndio e missões de reconhecimento. Tais capacidades estão sendo desenvolvidas pela Embraer e a FAB. O avião ainda está na sua fase de implantação em serviço. 

Em novembro de 2019, em meio às negociações da joint-venture com a Boeing, a Embraer anunciou o novo nome e designação para aeronave: C-390 Millennium. Na FAB, o jato continua sendo chamado de KC, já que o prefixo C é voltado para as aeronaves que serão adquiridas sem a opção de reabastecimento em voo. Uma espécie de “versão básica” do avião, como categorizou o jornalista Cláudio Lucchesi da Revista Asas. 

Durante o projeto, a Embraer estudou diversos motores para o KC-390, incluindo o CFM International CFM56, o General Electric CF34 (já usado nos E190/195), Pratt & Whitney PW6000 e o Rolls-Royce BR700/F130, mas o Millennium recebeu os turbofans International Aero Engines IAE V2500-E5. A posição alta dos motores diminui a ingestão de detritos. O V2500 é um motor bastante popular no mercado, usado nos jatos comerciais da família Airbus A320ceo (exceto o A138 ‘baby bus’). O V2500-E5 é baseado no 2500-A5 usado no A321, mas modificado de acordo com os requisitos da Embraer para o KC-390. Cada motor gera cerca de 31.330 libras de empuxo máximo.

As dimensões da aeronave são estas: 

Comprimento: 35,20 metros 

Envergadura: 35,5 metros 

Altura: 11,84 metros

Comprimento do compartimento de carga: 18,50 metros

Altura máxima do compartimento de carga: 3,20 metros 

Altura mínima do compartimento de carga: 2,95 metros

Largura do compartimento de carga: 3,45 metros

Volume: 169m³.

Por ser um avião primariamente voltado para missões de transporte, a principal característica do KC-390 é justamente seu compartimento de carga. Nele, o avião pode transportar um veículo de até 26 toneladas, como as baterias do sistema de lançamento de foguetes ASTROS II/2020 e o blindado de transporte de tropas Iveco Guarani.

Segundo a Embraer, também podem ser transportados:

2x blindados de esteiras M113

2x Oshkosh M-ATV

1x APC Patria AMV 8×8

1x BMP-3 russo

1x APC Stryker com blindagem adicional

1x helicóptero UH-60 Black Hawk

2x contêineres de 20 pés.

Também podem ser transportadas 23 toneladas distribuídas em sete pallets de 463 litros. O KC-390 pode transportar 80 soldados completamente equipados, 74 pacientes em macas com oito atendentes médicos na configuração de evacuação aeromédica, ou 64 paraquedistas. Os bancos e macas podem ser rapidamente montados com dois loadmasters. Com a carga máxima de 26 toneladas concentrada, o KC-390 tem um alcance de 2000 quilômetros, com essa autonomia aumentando para 2722 quilômetros ao transportar 23 toneladas. Já o alcance de traslado com três tanques internos é de 8463 quilômetros. 

Um dos destaques do KC-390 é o CHS (Cargo Handling System), o Sistema de Gerenciamento de Carga. Para monitorar e controlar o que acontece no porão de carga da aeronave, o tripulante responsável, chamado de loadmaster, tem uma estação específica. Ela possui duas telas que podem ser controladas através de um mouse, similar ao que ocorre no cockpit. As travas dos pallets podem ser controladas automaticamente através de simples toques, agilizando e tornando ainda mais seguro o trabalho dos tripulantes. 

O piso é rapidamente configurável. Com o pressionar de um botão e um rápido movimento de braço, ele pode ser facilmente alterado entre entre uma configuração plana ou com roletes para facilitar o embarque de cargas paletizadas. A aeronave já é compatível com todos os pallets de emprego militar em uso no mundo. 

Logo atrás dos trens de pouso principais estão dois estabilizadores hidráulicos chamados de struts, um importante recurso para a segurança das operações de embarque e desembarque de cargas, especialmente aquelas mais pesadas. O sistema é acionado a partir da estação do loadmaster. Os próprios trens de pouso do avião também já são projetados para uma operação mais “bruta”, já que a aeronave pode operar a partir de pistas despreparadas. 

Para o lançamento de cargas com precisão, o KC-390 utiliza o Ponto de Lançamento de Carga Computado Continuamente (Continually Computed Drop Point, CCDP), onde os computadores da aeronave calculam o ponto ideal para o lançamento do material, utilizando os dados de altitude, velocidade e vento. Com o sistema de Extração de Paraquedas de Baixa Altitude (LAPES), a aeronave pode entregar cargas de até 10 toneladas, ou 22 placas deslizantes com o CDS (Sistema de Entrega de Contêiner). 

No compartimento de carga os tripulantes ainda tem um banheiro à disposição; antes de subir para o cockpit, existe uma galley com geladeira, forno e lixeiras. A cabine de comando do KC-390 é dominada pela estação do mecânico de voo (AMC), logo atrás do assento do copiloto. É dali que o tripulante auxiliar realiza as operações de REVO, monitorando as aeronaves abastecidas através de câmeras posicionadas na aeronave. Logo atrás estão duas camas para o descanso da tripulação em missões de longa distância, com a cama de baixo podendo ser usada como um jump seat. 

O painel principal é composto por cinco telas de LCD coloridas. Estas são o “prato principal” da Rockwell Collins Pro Line Fusion Suite, a suíte de aviônicos empregada na aeronave, também encontrada nos jatos executivos Legacy 500 e jatos comerciais da Família E2. As telas são controladas pelos dois pilotos de forma intuitiva através de mouses montados no console central. 

Outra característica são os HUDs (Head Up Display) desenvolvidos pela AEL Sistemas de Porto Alegre (RS). Os HUDs do KC-390 disponibilizam não só dados de voo, como também informações táticas. O equipamento também é bastante usado em voos com meteorologia ruim, onde o EVS (Enhanced Vision System) entra em ação. A AEL, que já tem uma conhecida parceria com a FAB e a Embraer através da modernização dos F-5M, A-1M e C-95M/P-95M, também fornece ao KC-390 os computadores de missão e os sistemas de autoproteção. 

Para operar em ambientes hostis e contestados, a Embraer equipou o KC-390 com alerta radar (RWR, Radar Warning Receiver), alerta de laser (LWS), alerta de aproximação de mísseis (MAWS) e DIRCM (Directional Infrared Counter Measures). Esses sistemas trabalham juntos na suíte de autoproteção do jato. A aeronave também possui lançadores de Chaff e Flare, contramedidas usadas para a defesa de mísseis guiados por radar e assinatura infravermelho. Além disso, o KC-390 também conta com blindagem capaz de suportar tiros de 7,62x51mm e .50 BMG. 

O REVO é uma das missões chave a serem desempenhadas pelo KC-390 e para isso ele recebe um par de pods Cobham 912E, montados nas pontas das asas. Cada pod contém uma mangueira de 27 metros de comprimento, sendo capaz de transferir até 1818 litros de combustível por minuto. Em missões de reabastecimento, a aeronave será equipada com três tanques de combustível auxiliares, instalados no compartimento de carga, aumentando para 35 toneladas a quantidade de combustível carregada pela aeronave. O KC-390 pode reabastecer aviões de caça, transporte e helicópteros, voando entre 120 e 300 nós. Além de abastecer outros aviões, o KC-390 também pode ser reabastecido através de uma sonda REVO instalada no topo do cabine.

Futuramente, o Millennium será capaz de realizar outras missões além de REVO e transporte. A Embraer está trabalhando no desenvolvimento e integração de um sistema modular de combate a incêndios. Em imagens de computação gráfica, a aeronave pode ser vista com um sistema parecido com o MAFFS II (Modular Airborne FireFighting System) usado no C-130 Hercules.

Ao contrário do MAFFS I, já em usado nos C-130M da FAB, onde dois grandes bocais se projetam para fora da rampa de carga, no MAFFS II, um único bocal é projetado através de uma porta lateral adaptada, lançando água e/ou químicos retardantes nos focos de incêndio. 

Além de combate ao fogo, a aeronave também poderá ser usada em operações de busca e salvamento (SAR). O KC-390 pode ser equipado com módulos de operações SAR, onde botes e materiais de sobrevivência podem ser lançados sobre a vítima com precisão. Um equipamento importante que será integrado é o pod Rafael LITENING II. Normalmente usado em aeronaves de caça para identificar e atacar alvos com bombas, o Litening pode ser usado no KC-390 nas missões de Busca e Salvamento, Vigilância e Patrulha Marítima. 

O equipamento possui câmeras e sensores para gerar imagens de TV ou infravermelho (FLIR), que em missões de SAR podem ser usadas para identificar o local de um acidente aéreo, um naufrágio ou outras situações. Já o laser do Litening pode ser usado para a aquisição de coordenadas, marcação e designação de alvos. Os dados obtidos seriam repassados à helicópteros de resgate, agilizando o salvamento de uma vítima. Uma versão de SAR dedicada também oferecida ao Canadá em 2015, mas não foi adquirida. 

O Litening, aliado ao radar tático Gabiano T-20 da Leonardo, também permite que o KC-390 realize missões de reconhecimento, trabalhando junto com outras aeronaves desta aviação, como o R-99, R-35 e os VANTs RQ-450 e RQ-900. Eles também permitem que o KC-390 possa realizar algumas missões de patrulha marítima, também voando com o P-3AM Orion e o P-95M Bandeirulha. 

Todas essas missões, incluindo o REVO, podem ser realizadas de dia ou a noite. A Embraer já preparou a aeronave para uso dos Óculos de Visão Noturna (NVG). Os sistemas também contam com o enlace de dados que aumentam a consciência situacional das missões e diminuem a carga de trabalho dos pilotos.

O Fly-By-Wire do KC-390 também apresenta as características de Quick Change, podendo ser rapidamente alterado de acordo com as necessidades de características de cada voo. Em uma navegação tática, por exemplo, o Fly-By-Wire pode ficar mais “relaxado”, permitindo que a aeronave realize curvas mais acentuadas. A própria aeronave pode ser rapidamente reconfigurada entre qualquer missão em apenas três horas. No entanto, o número de tripulantes necessários varia de acordo com as características da missão. Em um voo de combate a incêndio, por exemplo, só seriam necessários dois pilotos e dois mestres de carga. 

A aeronave pode ser completamente reconfigurada em apenas três horas. O KC-390 tem o termo “Multimissão” tatuado em sua pele. É um avião de transporte capaz de desempenhar inúmeros serviços nos mais diversos ambientes climáticos, seja no frio dos polos, na úmida Amazônia ou nos mais quentes desertos. 

Mãos à obra

Após a sua incorporação oficial, não demorou muito para que o KC-390 logo voasse em missões reais. No final de 2019, começaram a surgir os primeiros casos de Covid-19 e em fevereiro de 2020 a doença já estava no Brasil. Começava um dos períodos mais negros da história.

O colapso dos sistemas de saúde em dezenas de cidades no país fez com que o Ministério da Defesa ativasse a Operação Covid-19. A FAB abriu um corredor aéreo, transportando hospitais de campanha, medicamentos, insumos hospitalares e EPIs. Mas, dentro de todos os materiais que a FAB transportou, o oxigênio foi destaque, especialmente na segunda onda da pandemia, onde o Amazonas foi fortemente afetado.

A falta de cilindros fez com que aeronaves C-105 Amazonas, C-130 Hércules e o próprio KC-390 fossem carregados com centenas de cilindros de O2 gasoso, mas não estava sendo o suficiente. A FAB passou a transportar grandes cilindros de O2 líquido no C-130, pois o KC-390 não estava preparado para carregar esse equipamento. Rapidamente, a Força Aérea, a Embraer e a White Martins chegaram a uma solução, adaptando válvulas de alívio de pressão no KC-390. No dia 16/01, o 2853 transportou os cinco primeiros tanques de O2 liquido de Guarulhos para Manaus. A aeronave também transportou um isocontainer de 17 toneladas com um volume de 6.047m³ de oxigênio líquido.

Foi também em meio à pandemia, que infelizmente ainda perdura, que o KC-390 realizou sua primeira missão internacional. No dia 04 de agosto de 2020, um incêndio causou a explosão de uma carga de 2750 toneladas de nitrato de amônia que estavam em um armazém no porto de Beirute, no Líbano. As imagens chocaram o mundo todo; 218 pessoas morreram e mais de sete mil ficaram feridas.

Em resposta, o Governo Federal lançou a Missão Multidisciplinar Brasileira de Assistência Humanitária à República Libanesa, onde um KC-390 e um VC-2 do Grupo de Transporte Especial foram enviados ao país. Enquanto o avião presidencial transportou médicos voluntários, autoridades e representantes da comunidade libanesa no Brasil, incluindo o ex-presidente Michel Temer, o KC-390 levou cerca de seis toneladas de medicamentos, comida e equipamentos para cuidados das vítimas da tragédia. As aeronaves saíram do Brasil no dia 12/08, chegando à capital libanesa no dia seguinte. 

Em meados de agosto deste ano, o Haiti foi atingido por uma série de tremores e um ciclone tropical, deixando milhares de mortos, feridos e desabrigados. No dia 22/08, o O KC-390 FAB 2856 decolou de Brasília com destino à capital haitiana de Porto Príncipe, transportando uma equipe de 32 bombeiros militares do Distrito Federal, Minais Gerais e da Força Nacional de Segurança Pública, cerca de sete toneladas de materiais e equipamentos de emergência e mais 3,5 toneladas de medicamentos e insumos estratégicos. Todavia, o 2856 apresentou uma pane ao realizar um pouso já programado na Base Aérea do Cachimbo, localizada no sul do Pará. Desta forma, o KC-390 FAB 2854 foi deslocado até a BAPV para substituir o 2856, com a missão prosseguindo em seguida.

No dia 11/09, o 2854 e o 1º GTT voltaram ao Haiti com mais cinco toneladas de alimentos, medicamentos, painéis solares e purificadores de água. A aeronave também trouxe de volta ao país os bombeiros do Distrito Federal, Minas Gerais e da Força Nacional  que estavam ajudando nas buscas e atendimento às vítimas.

Em janeiro de 2021, o 1º GTT esteve nos Estados Unidos participando do Exercício Operacional Culminating, com o KC-390 2855. A aeronave decolou na madrugada do dia 12/01 com 21 militares do Esquadrão Zeus e outros três do Exército Brasileiro. No treinamento, realizado em Fort Polk, na Lousiana, membros da FAB, EB, Exército e Força Aérea dos EUA realizaram operações conjuntas de assalto aeroterrestre, marcando a primeira participação do KC-390 e dos membros do Zeus em um exercício internacional. O Culminating se encerrou no dia 05 de fevereiro. 

Mais recentemente, o 1º GTT levou o 2855 para participar do Exercício Internacional Cooperación VII, realizado na Colômbia. Dezenas de países das américas se reuniram para para treinar ações conjuntas em missões de ajuda humanitária e resposta à desastres naturais, com o KC-390 realizando o lançamento de paraquedistas colombianos. A aeronave brasileira também se destacou por apresentar 100% de disponibilidade durante todo o exercício, que se deu entre os dias 30/08 e 10/09. 

Hoje, a FAB segue trabalhando na implantação da aeronave. Desde que entrou em serviço, o KC-390 vem apresentando uma boa disponibilidade, podendo ser rapidamente desdobrado em diversas localidades. Podem existir certos percalços entrada em serviço de uma aeronave totalmente nova, mas faz parte do processo. 

À medida que o avião vai obtendo maturidade, mais capacidades vão sendo implementadas e mais fácil se torna a operação da própria aeronave, tanto em voo quanto em termos de sustentabilidade. Um longo caminho ainda será percorrido até que seja obtida a Capacidade Final de Operação (FOC), mas até o lá KC-390 seguirá realizando missões em prol do Brasil e outros países periodicamente. 

Aeroflap

A força da palavra

 



Por Dorrit Harazim (foto)

‘Vocês nada fizeram de errado, mas ainda assim foram gravemente injustiçados. Eu peço desculpas e lamento profundamente que este pedido de desculpas tenha tardado tanto.’ A frase faz parte de uma histórica penitência por parte de um presidente dos Estados Unidos — no caso, o democrata Bill Clinton em 1997. Clinton se dirigia a um grupo específico que convidara à Casa Branca — sobreviventes e familiares de um experimento médico com humanos realizado 65 anos antes pelo Departamento de Saúde Pública do país.

À época (1932), a sífilis corria solta entre negros de um condado do estado do Alabama. Acenando com tratamento gratuito, uma equipe do governo havia aliciado 399 homens, todos filhos ou netos de escravizados, para ser tratados por sintomas de “sangue ruim”. Jamais foram informados de tratar-se de sífilis, doença sexualmente transmissível. Outros 201, também negros, porém sadios, integraram o grupo de controle do estudo.

O experimento prolongou-se por quatro décadas até ser denunciado por fonte anônima e ser exposto pela imprensa. Nesse ínterim, 28 pacientes-cobaias haviam morrido da doença, outros cem de complicações inerentes a ela, 45 esposas estavam contaminadas, e 19 de seus filhos infectados. Só então o Congresso americano apertou a legislação sobre pesquisas médicas em humanos, além de prover ajuda médica vitalícia aos sobreviventes e a seus familiares. O pedido de desculpas oficial, face a face com os vitimados, com direito a transmissão por satélite, demorou outros 25 anos. Clinton não precisou atenuar o crime cometido, pois não fora responsável pelo ato. Falou em traição do governo, quebra de confiança na democracia, cidadãos usados como cobaias, devastação moral. Também anunciou a criação de um Centro Nacional de Bioética no condado vitimado, com bolsas de estudos para estudantes negros. E concluiu:

— Aqueles que conduziram o estudo diminuíram a estatura do ser humano, abandonaram o mais básico dos preceitos éticos... Hoje podemos apenas pedir desculpas. Só [os sobreviventes] têm o poder de perdoar.

O episódio remete não apenas ao Brasil de hoje, com as experimentações de mortandade por Covid-19 praticadas pelo governo Bolsonaro e pela Prevent Senior. O caso também ajuda a tipificar o ritual social de pedirmos desculpas públicas. Algumas delas nem sequer admitem o erro, são escancaradamente insinceras e acrescentam justificativas pífias pela ofensa. Exemplo: a memorável “Declaração à Nação” em que Bolsonaro afirma nunca ter tido a intenção de agredir quaisquer Poderes com suas falas golpistas do 7 de Setembro. “Por vezes contundentes”, elas teriam decorrido “do calor do momento e dos embates que sempre visam o (sic) bem comum”. Nem mesmo o ghost writer Michel Temer conseguiu contrabandear a palavra “desculpas” no texto. Outras adotam o estilo autodefesa, com direito a confissão.

Na prática, a eficácia de todo pedido de desculpas depende da linguagem usada, da sinceridade a ele imprimida e dos princípios morais que o geraram. Palavras pertencem umas às outras, ensinou a sábia Virginia Woolf. A também escritora Susan Sontag chegou a fazer um discurso inteiro sobre a consciência da palavra ao receber o Prêmio Jerusalém em 2001. Palavras são capazes de expandir ao infinito seu significado ou, ao contrário, contraí-lo, e prova disso tivemos numa das sessões da CPI da Covid em Brasília.

O investigado da quinta-feira, empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, chegou ao Senado ancorado por um batalhão, com a máscara em permanente desalinho. É provável que tivesse sido preparado para tudo e todo tipo de inquirições —menos ficar face a face com um homem honrado e transbordante de emoção represada chamado Fabiano Contarato.

Convidado a ocupar a cadeira da presidência para fazer um comunicado inicial, de natureza pessoal, o senador Contarato fez o uso mais nobre do poder da palavra — clara, verdadeira, sincera. Expôs com grandeza e dor o ataque homofóbico com que Fakhoury pretendera ridicularizá-lo nas redes sociais e alongou-se, com fala cristalina, sobre decência, respeito ao outro, humanidade. Também exigiu da figura que murchava a seu lado um pedido de desculpas públicas, para si e toda a comunidade LGBTQIA+. Em nove minutos, usou a palavra com uma força civilizatória raras vezes ouvida no país. Difícil lembrar-se de outro parlamentar da República, deputado ou senador, que tanto educou, honrou e comoveu o país.

A resposta de Fakhoury, que deverá responder por seus atos ao Ministério Público, saiu suada, amedrontada, embrulhada na máscara caída abaixo do nariz. Fraseados como “respeito a sua família...”, “tenho amigos de todos os lados e orientações ...”, “não tive a intenção ...”, “se lhe ofendi...”, “foi um comentário infeliz...”, “peço desculpas e me retrato...” soaram ocos. Palavras ocas têm efeito bumerangue, e o empresário se percebeu nu em público.

Ao final, pudemos nos alegrar com a foto do cidadão Contarato radiante em passeio ao ar livre ao lado do companheiro de dez anos e os dois filhos nos ombros do casal. A imagem foi postada pelo próprio senador. Sinal de que aquelas duas crianças talvez cresçam no Brasil que merecem e que todos nós queremos.

O Globo

Um governo sem remédio

 




Por Míriam Leitão (foto)

A inflação está de volta aos dois dígitos com seu efeito devastador sobre os mais pobres, num momento em que há um forte aumento da pobreza. Isso deveria estar no centro das atenções do governo, mas o presidente está ocupado em fazer campanha antecipada, em jogar a culpa dos problemas sobre os governadores. O Ministério da Economia não conseguiu formular uma boa proposta de combate à inflação, de redução da pobreza, e está num jogo de faz de conta fiscal.

Faz de conta que o teto de gastos está sendo respeitado, faz de conta que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo obedecida. O teto fica onde está, mas muitas despesas vão sendo depositadas sobre ele. E quanto mais despesas sobem, mais fictícia se torna essa trava fiscal. A ideia de financiar um novo programa social com receitas ainda a serem criadas é delirante. E sim, fere a LRF. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, diz que se o projeto do Imposto de Renda não for aprovado não haverá o novo programa. Isso é de tranquilizar, por um lado, mas não resolve a outra questão. Há necessidade de mais dinheiro para as transferências de renda. E isso é necessário porque os pobres ficaram mais pobres, e há mais pobres no país.

Na visão do mercado financeiro o que está claro é que o governo não quer cortar despesas para compensar a ampliação da rede de proteção aos mais pobres. Espaço há, como as emendas bilionárias de relator, que só servem para comprar o apoio dos políticos do centrão. A saída, então, será através do velho truque do aumento de impostos. Por isso subiu o IOF e o governo quer urgência na aprovação do seu projeto de IR. Ainda assim, as contas não fecham, porque existe a limitação do teto de gastos. A proposta inicial era ruim, foi piorada na Câmara e empacou no Senado. Não há qualquer certeza de que ela de fato vai arrecadar mais. O governo diz que o projeto será neutro, mas que com o aumento da receita vai financiar o programa. Ou é neutro ou aumentará a receita. Mas vários economistas estão prevendo que, na verdade, haverá perda de arrecadação. Os estados sabem que perderão.

O que o Brasil não precisa? De inventar um programa de transferência de renda só para tirar a marca do PT do Bolsa Família. E foi exatamente o que governo fez. Ele baixou uma Medida Provisória extinguindo o programa e criando o novo Auxílio Brasil, mas não sabe ainda como vai financiar. Enquanto isso, cria-se o que já existiu, como o vale-gás. Ele foi extinto quando o governo Lula eliminou vários programas para concentrar no Bolsa Família, porque uma política potente é melhor do que a pulverização dos programas sociais.

Tempo para formular ideias melhores houve. E foi desperdiçado neste improviso constante que domina o governo Jair Bolsonaro. O negacionismo é ruim em si mesmo e por todos os efeitos colaterais. Ele impede que o governo tenha uma visão da sequência dos eventos e planeje a ação pública. Bolsonaro achou que a pandemia seria curta, negou a segunda onda, combateu as vacinas, brigou com os dados, desuniu o país e só agiu empurrado. Agora, unido ao Ministério da Economia, o presidente lança mão de medidas populistas para ver se consegue reverter a queda forte de popularidade.

A inflação vai atingir, com o dado de setembro, 10,2% segundo o Banco Central. As famílias estão endividadas, empobrecidas, e os juros terão que subir porque o BC tem que cumprir seu mandato de atingir a meta de inflação. Seria melhor se o presidente não atrapalhasse tanto a economia, com suas ameaças, mentiras e ataques.

O Brasil já reduziu tanto a sua expectativa em relação ao comportamento adequado de um presidente da República que comemora o fato de ele não falar de golpe desde o dia 7 de setembro. O país vai contando os dias como se, por decurso de prazo, Bolsonaro fosse deixar de ser o que é. Nesse meio tempo ele usou descaradamente o dinheiro público em campanha antecipada, atacou os governos estaduais por causa do preço do combustível, mentiu inúmeras vezes, fez apologia de armas colocando uma criança no ombro com um fuzil de brinquedo na mão, ameaçou as famílias dizendo que quem não se armar terá que atirar com balas de feijão quando invadirem sua casa. Não há o que salve esse governo. Ele não tem remédio.

O Globo

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