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segunda-feira, outubro 04, 2021

Não queremos políticos, queremos pessoas normais

 




Tem de ser alguém com um emprego, muito inteligente, com tempo livre para dedicar à comunidade. Alguém extraordinariamente normal que seja extraordinária. 

Por Sofia Santos (foto)

Numa altura em que se fala muito de perfis de candidatos políticos por causa das eleições autárquicas, mas também por causa da discussão sobre as possíveis sucessões dos líderes partidários, é interessante discutir o que se espera de um perfil político.

Os políticos são, hoje, personae non gratae. São chamados de bandidos, corruptos, tachistas e ladrões. São, dizem, quem usa e abusa dos dinheiros públicos, quem só lá está por interesse e quem se aproveita dos cargos para benefício próprio ou dos que os rodeiam. Serem só alguns ou todos é quase igual, cada caso apresentado é uma confirmação da certeza e os que não são apanhados é porque ainda são piores na sua malvadez e melhores a escondê-la. Por isso, queremos diferente. Exigimos alguém que seja uma “pessoa normal”.

Queremos uma pessoa, mas que não seja um político. Uma pessoa normal. Deve ter suficiente interesse pela política para estudar a fundo as ideologias e acreditar profundamente nelas – tem de as perceber para ser coerente – mas deve resistir à ideia de ir para uma jota ou para um partido, onde estaria com outras pessoas com ideologias e interesses semelhantes. Assim, só ficaria com as manias e os maus hábitos e, por isso, a ideia é mesmo evitá-lo. Uma pessoa com interesse na política é normal, mas, quando se juntam várias num partido, é um perigo para a sua pureza.

O afastamento da política deve ser de tal ordem que não se aceita uma pessoa que tenha qualquer laço familiar até ao 3º grau – para cima, para baixo e para o lado – com alguém que tem ou tenha tido cargos políticos. Caso seja o cônjuge, aconselha-se o divórcio e, mesmo assim, será tema para debate se não vai tarde demais. Caso seja um filho ou um pai (Deus o livre!), é desistir logo da ideia e dedicar-se a ser uma pessoa ainda mais normal.

Deve ser uma pessoa com um emprego “normal”, que trabalhe numa empresa, mas com tempo suficiente para se dedicar a conhecer as associações, para estudar os problemas da comunidade, para estar a par de tudo o que se passa a nível político e ter opinião fundamentada sobre todos os assuntos.

Deve ser alguém de fora da “máquina partidária”, mas que, de alguma maneira, se apresenta como um candidato credível e com grande orçamento para fazer uma boa campanha. Tem de ser uma pessoa com vários voluntários dispostos a ajudar em campanha e a mobilizar o voto, mas, novamente, sem apoio de partidos ou jotas.

Claramente, tem de ser alguém que seja normal, um de nós. Não pode ter muito dinheiro – o grande orçamento não pode ser pessoal – e tem de ser muito inteligente. Contudo, não pode ter um cargo bom numa boa empresa, pois isso seria logo motivo de suspeita de que a sua candidatura seria por outros interesses!

Resumindo, tem de ser alguém com um emprego numa empresa – mas não numa que possa ser suspeita, sem ser num cargo superior, que seja muito inteligente, com um profundo interesse pela política, com bastante tempo livre para dedicar à comunidade e ao estudo de todos os temas políticos da atualidade, sem família na política, sem muito dinheiro, mas com a capacidade de ter um enorme orçamento sem apoio de partidos e de juntar pessoas para o apoiarem. Alguém extraordinariamente normal que seja extraordinária.

Ok!! Assumindo, então, que a parte do dinheiro e das pessoas para campanha pode ser complicada, talvez fosse de considerar que um partido pudesse apoiar esta pessoa. Decerto que todas as pessoas que passam as suas noites e fins de semana a apoiar o partido não se importariam com essa decisão, afinal de contas elas não são pessoas normais. Não interessa muito como é que o partido conheceria esta pessoa, ou porque é que apoiaria alguém que é antipartidos. Seria uma candidatura de uma pessoa normal, mas apoiada por um partido.

Se calhar a parte de ser muito inteligente, trabalhar numa boa empresa, mas nunca ter chegado a um bom cargo e por isso ter horários reduzidos, talvez também não seja muito credível. Se calhar, mesmo as pessoas normais não têm todas empregos das 9 horas às 17 horas e muito provavelmente terão uma família. Por isso, a ideia de ser alguém com tempo para dedicar à comunidade, para acompanhar o trabalho político fora de um partido e para conseguir conhecer todos os assuntos da atualidade também seja complicada.

Pronto, se calhar até é razoável que tenha um emprego com um alto nível de responsabilidade e um bom salário. Até porque, sendo alguém inteligente e com grande carisma, é esperado que tenha essa capacidade, especialmente se já não for muito jovem – o que é de evitar porque esses ainda não sabem nada da vida. Contudo, tem de estar disposto a ver o seu salário reduzido drasticamente para ter um cago público. Decerto que isso não será problemático!

Já temos o perfil e até já conseguimos os recursos financeiros e pessoais para se poder apoiar o candidato. Agora, em campanha, ele será espetacular. Conseguirá fazer uma lista cheia de independentes, mesmo que tenha sido apoiado por um partido, e os militantes, que adoraram estar fora da lista, estarão todos os dias a fazer campanha ao lado do candidato que, apesar de ser a primeira vez que faz uma campanha, porque não esteve em jotas ou partidos, saberá exatamente como a fazer. Será brilhante em debates, conhecerá todos os assuntos e será um comunicador exímio. Conseguirá afastar-se de todas as críticas que fazem ao partido que o apoia – afinal, ele não é do partido – mas as pessoas que o apoiam e são desse partido não se importarão que ele até seja um dos primeiros a criticá-las.

Se perder as eleições, não haverá problema nenhum. Simplesmente voltará para o seu emprego original e esquecerá esta aventura na política, as suas ideias, os seus projetos, o seu compromisso com quem nele votou. Se for eleito, terá de abrir concursos públicos para todas as vagas do seu gabinete. Isso da “confiança política” é uma coisa de tachos. Não porá no seu gabinete as pessoas que o apoiaram durante a campanha e que se mostraram ativos valiosos, ou pessoas do partido que o apoiou e que até já tiveram experiência em gabinetes antes e que o podem orientar neste ambiente novo. É sempre melhor pessoas de fora, tal como ele. Tudo novo, estranhos absolutos.

Sendo uma pessoa do meio empresarial, será um perito em cumprir projetos e planos. No privado, isso funciona sempre bem! Por isso, cumprirá todo o programa eleitoral e dentro do orçamento. Se houver dívidas antigas que alterem o orçamento ou atrasos por fatores externos, não haverá problema porque ele saberá fazer documentos maravilhosos em Excel e Powerpoint – as pessoas no privado são mesmo espetaculares!

Depois de um mandato impecável, sairá da vida pública, sendo que agora muitas empresas lhe serão vedadas, não vá levantar suspeitas de que as andou a favorecer. Certamente que haverá muito que ainda pode fazer, especialmente agora que já tem mais experiência, mas isso não é com ele. Quem se mantém em cargos políticos são os corruptos agarrados ao poder. Esta pessoa não é assim. É uma pessoa normal.

Até diria como última nota que este perfil seria de uma mulher, mas aí estaríamos a entrar no campo do impossível. Especialmente quando tudo o resto é altamente plausível.

Observador (PT)

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