Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

segunda-feira, outubro 04, 2021

Só a política explica que o CFM mantenha parecer sobre hidroxicloroquina




Quanto mais o tempo passa, mais obsoleto fica o posicionamento do CFM em relação à hidroxicloroquina. Nem o Ministério da Saúde parece disposto a insistir nisso. 

Por Diogo Schelp (foto)

Até hoje, quase um ano e meio depois, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não suspendeu o parecer Nº 4/2020, de 23 de maio de 2020, que estabelece parâmetros e autoriza os médicos a receitarem cloroquina ou hidroxicloroquina para pacientes com covid-19 — apesar de a possibilidade de eficácia do medicamento para esse fim já ter sido descartada pelos melhores e mais sérios ensaios clínicos realizados desde então. Já passou da hora de o CFM atualizar ou anular o documento, que serviu de base, inclusive com trechos inteiramente copiados, para o protocolo do Ministério da Saúde que incentiva a prescrição da droga, publicado no mesmo mês.

A hidroxicloroquina já foi dispensada como alternativa no tratamento de covid-19, em qualquer estágio, por autoridades sanitárias dos Estados Unidos e da Europa e por entidades científicas como a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, a Sociedade Respiratória Europeia, a Força Tarefa Nacional para Evidências Clínicas para Covid-19 da Austrália, entre muitas outras.

No Brasil, a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou uma diretriz em junho deste ano contraindicando cloroquina ou hidroxicloroquina seja no chamado "tratamento preventivo", seja em pacientes leves, no "tratamento inicial" ou "precoce". O documento foi elaborado com base na revisão sistemática de estudos nacionais e internacionais que cumpriram os requisitos mínimos de qualidade científica.

Mesmo quando o parecer do CFM foi divulgado, em maio do ano passado, outras instituições eram mais cautelosas e não recomendavam uso desses medicamentos na prática médica de rotina, a não ser em estudos científicos. Essa era a orientação da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, por exemplo.

O CFM optou por não acompanhar o entendimento cauteloso dessas sociedades especializadas, mas ainda assim fez um parecer em cima do muro. O texto autorizava os médicos a prescrever cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com covid-19, ao mesmo tempo em que admitia o risco de que os prejuízos poderiam ser maiores do que os benefícios.

Já o protocolo do Ministério da Saúde que recomendava o uso do medicamento ignorava solenemente o alerta para os riscos, apesar de replicar ipsis litteris diversos trechos do parecer do CFM.

O fato de manter válido um parecer há muito defasado do ponto de vista científico demonstra o quanto o CFM contribuiu para politizar a hidroxicloroquina.

A começar pelo fato de que o parecer 4/2020 foi divulgado por Mauro Luiz Britto Ribeiro, presidente do CFM, em reunião com o presidente Jair Bolsonaro. Em janeiro desde ano, Bolsonaro elogiou-o por publicar um artigo crítico aos especialistas que questionavam a insistência na promoção do medicamento sem eficácia e pelo fato de o conselho ter mantido a vigência do parecer.

Ribeiro usou o gasto argumento da "autonomia médica" para dar sobrevida o parecer. Mas o que se tem visto em episódios como o escândalo envolvendo o plano de saúde Prevent Senior, entre outros, é o contrário: uma violação da autonomia médica por meio da pressão para que remédios ineficazes ou sem comprovação sejam receitados.

Quanto mais o tempo passa, mais obsoleto fica o posicionamento do CFM em relação à hidroxicloroquina. Nem o Ministério da Saúde parece disposto a insistir nisso.

Sobrou apenas o temor de contrariar o presidente da República, tão apegado à bala mágica da hidroxicloroquina que recentemente insinuou que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que já disse publicamente que o medicamento não funciona, teria "afinado" e recorrido à droga.

Gazeta do Povo (PR)

Gestos políticos e atos democráticos: contraste com os mil crimes de cada dia




Por Paulo Fábio Dantas Neto* (foto)

Ainda não há número razoável de pesquisas para captar com segurança algum virtual efeito sobre a avaliação de imagem e sobre o nível de rejeição de Jair Bolsonaro que possa ter havido a partir de 9 de setembro, o dia da carta em que recuou da escalada golpista que culminara nos atos do dia 7. Seguiu-se uma distensão na sua atitude, o que levou parte dos analistas a supor que ele chamaria de volta à cena o Bolsonaro 2, mais contido e razoável. Afinal, era a conduta racional óbvia a seguir, diante da queda livre nos seus índices de popularidade e do isolamento político em que se metera. Amigos de fato (se é que os tem) devem ter lhe dito que valia, ao menos, testar a inflexão, para tentar reverter o desastre.

Parece que não haverá tempo para captar coisa alguma. A tal distensão logo se converteu em campanha eleitoral aberta (que em si mesma já é um delito), cenário propício para Bolsonaro voltar a ser o Bolsonaro de quase sempre. Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fakenews voltaram a operar intensamente, elegendo alvos habituais de combate.  Comunismo, homossexuais, a China e - é claro - Lula e o PT voltaram a ser temas privilegiados de suas taras retóricas, que são a base “conceitual” das fakenews.

Poupo os leitores de previsões sobre efeitos dessa recaída em índices de pesquisa. É preciso notar, por outro lado que, pela enésima vez, se revela o lugar que eleições ocupam na escala de prioridades de Bolsonaro. Lugar complexo, que é de prioridade no seu texto, mas no subtexto a prioridade é o movimento contra elas, para esterilizá-las, se possível ensanguentá-las e, no limite, cancelá-las. A cada dia é menos crível que tenha sucesso, mas ele segue nessa toada, como é da sua natureza. Se sucumbir, apesar de sua vontade indômita, ou por causa dela, quer levar muitos consigo, se possível a humanidade toda.

Trata-se do exercício pleno de um direito de natureza superficialmente hobbesiano (direito a fazer tudo que seu apetite quiser, por meios que seu cálculo indicar). Em sua versão bolsonarista, esse suposto direito não conhece limite de qualquer lei, nem mesmo da primeira lei de natureza que Hobbes sugere como uma lei racional de autopreservação. Ela indicaria ao apetitoso celebrar alguma paz, por ver também nos demais o potencial egoístico e destrutivo que reconhece em si. Esse cálculo racional seguinte ao movimento (também “natural”) de fazer a guerra, faria, do” homem lobo do homem”, um sujeito racional, com senso de perigo, ainda que dotado de razão limitada, guiada por instinto. O lobo que nos sequestra, tosco, temerário e criminoso, ofende a complexidade do homem hobbesiano e segue, na ignorância de si e do mundo, instando um país a pular com ele na vertical do precipício, endereço oposto ao que pode nos levar a política, sua maior inimiga. 

É compreensível que uma sociedade assim sequestrada, como a do Brasil atual - onde vigora uma república democrática altamente inclusiva do ponto de vista eleitoral e governada num sistema presidencialista - resista institucionalmente, como corpo social e nacional (sociedade política e sociedade civil) e, ao mesmo tempo, busque, ao se constituir em eleitorado, sua salvação em quem encarne a ideia de política, na sua comunicação concreta com o cotidiano das pessoas comuns.  Felizmente os dois movimentos estão ocorrendo e mostram que o país não está inerte, apesar da dor. Da reação institucional e civil resultam o relativo isolamento político e a contundente rejeição popular a Bolsonaro. Sua tradução pré-eleitoral é, no momento, a confortável liderança de Lula nas pesquisas. Engana-se quem tiver a visão toldada por certas idiossincrasias de cunho partidário. Os dois fenômenos são complementares. São, respectivamente, as faces republicana e democrática de um só movimento de autopreservação do país. A face republicana (a reação institucional e politicamente unitária em defesa da democracia) é perene, conservadora, como um firmamento e é bom que assim seja. A face democrática (liderança de Lula nas pesquisas) é, por definição, mais dinâmica e, como as nuvens no firmamento, está sujeita a deslocamentos visíveis, sem comprometer o sentido geral do movimento.

Proponho que se analise, sob essa moldura, as manifestações contra Bolsonaro, marcadas para este sábado. Escrevo antes que tenham ocorrido, logo, evitarei previsões imprudentes sobre seu nível de sucesso ou insucesso, em termos de afluência de público e, também, ilações prévias sobre como os atores políticos diversos as interpretarão a partir da noite de hoje. Sobre o que é esperado (ao menos do ponto de vista lógico, que, como sabemos, não é o único ponto de vista válido numa conjuntura como essa) pode-se dizer apenas que quem está contente com Bolsonaro deve torcer para que fracassem e recepcionará de modo simpático qualquer versão, real ou fake, que constate o fracasso. Inversamente, quem está descontente com o que se vive no Brasil engrossará a manifestação e/ou torcerá por elas. Aqui também se deve reparar em textos e subtextos.

Há visível e meritório esforço para divulgar esses atos de modo amplo, digo mesmo plural, evitando-se sua apropriação prévia por esse ou aquele partido. Do mesmo modo evita-se realçar os aspectos eleitorais que, objetivamente, estão envolvidos no ambiente político em que se dá a iniciativa. Há um evidente contraste entre esse tom moderado e precavido e a despudorada apelação eleitoral da insólita “celebração” bolsonarista dos seus mil dias de catarse, respectivos aos mil dias que já dura o infortúnio, para a maioria da nação. Um Henrique VIII de fancaria, que já cercado de varões de sangue, não pode, contudo, obrigar o povo a aceitar essa herança. Por isso insiste em sacrificar eleições e tudo o mais que há de feminino ao nosso redor, em busca de entregar o futuro do país a milícias de machos toscos e sanguinários, que hoje formam um séquito para ele e seus rebentos numerados.

Haverá quem diga que nas aventuras golpistas e machas de Bolsonaro sobra autenticidade, quem sabe até sinceridade, enquanto em atos políticos liberal-democráticos a dissimulação é a marca. Sociedades sofrem muito até compreenderem que a política é dissimulação benfazeja, se vista sob o prisma da representação. É ela, a representação, que permite (e obriga) ao político agir na direção de algo mais, além do seu interesse particular. Ao se dirigir a um ato público perante cidadãos mobilizados, ou ao falar com o eleitor que se dirige à urna, o político democrático procura, seja por convicção ou por sobrevivência (e uma coisa não anula a outra), prestar atenção nas aspirações e interesses desse público e colocar seus próprios interesses e expectativas em interação com eles. Por isso, um potencial candidato contém sua “sinceridade” ao perceber que as pessoas comuns ainda não estão se preocupando centralmente com a eleição e sim com coisas que afligem mais objetivamente o seu cotidiano e que podem fazê-las protestar contra Bolsonaro. Mais adiante votarão em alguém, mas atrapalha quem quiser fazê-las decidir seu voto agora.

O mesmo político que tem esse senso de limites e sabe calibrar seus desejos na dose e proporção corretas em que possam ser compartilhados por quem, afinal, é o senhor do seu futuro político, também sabe que não está na mesma posição objetiva do cidadão comum e eleitor. Se confunde realmente a sua posição de representante com a dos representados, ele é um descompreendido que deveria estar em outro lugar diferente da política. Se não confunde e faz de conta que confunde essa não é uma dissimulação benigna porque deseduca. Ele dissimula e adia a exposição de suas motivações não em respeito à prioridade das motivações do eleitor, mas no intuito de confundi-lo, tentando ocultar sua condição de parte da elite política, ou de aspirante a essa condição. Uma das coisas mais importantes para a maturidade de uma república democrática é a compreensão realista, por parte dos cidadãos e cidadãs, de que ela não é o governo do povo, mas sim o governo de governantes escolhidos pelo povo e exercido através de mandatos e partidos.  Quem esconde isso dos seus eleitores pode se considerar democrata ou até sê-lo, em certo sentido. Mas será, principalmente, um demagogo.

Então que seja bem-vinda, no presente momento, a dissimulação das motivações eleitorais de políticos e partidos que apoiarem ou aparecerem nas manifestações de hoje. O país agradecerá por essa prioridade concedida à sua necessidade de protestar contra o que aí está. Mas isso não isenta o analista da conjuntura política de interpretar os movimentos dos vários atores políticos, pois eles, apesar de contidos pelas circunstâncias e limites da sua missão representativa, não podem e não devem deixar de agir estrategicamente. É exigência básica do ofício, que a sociedade deve fazer à elite política para que seja eficaz

Foi feliz a senadora Simone Tebet, ao se manifestar no modesto, mas significativo ato da Avenida Paulista, em 12 de setembro último.  Disse ela que ali estavam reunidos o centro e a direita democráticos, que em outubro seria a vez da esquerda e que ela acreditava ser possível, em novembro, todos estarem reunidos num ato só. A sabedoria da fala consiste em, ao mesmo tempo, pregar a unidade e reconhecer, de modo realista, a diversidade que faz a sua construção ser complexa e por isso exige um tempo político para ser veraz.

Pois bem, chegou o dia da esquerda se submeter ao teste das ruas. Por mais que ela tenha dividido, estrategicamente, a convocação dos atos com outras forças, essa sabedoria prática (política) não revoga o fato de que é ela, a oposição de esquerda, a mola propulsora da mobilização de hoje. Políticos de centro e de direita nada perderão se reconhecerem isso. Assim como não perderão se admitirem o que salta aos olhos, isto é, que a esquerda tem uma capacidade de mobilizar muito maior. Ir além do óbvio é dever de quem pensa. Tentar negá-lo é erro crasso de quem age. Ademais, qualquer iniciante em política sabe que isso não é predição de necessário sucesso eleitoral. Há vários exemplos de situações políticas em que mobilizações da esquerda nas ruas abriram caminho a soluções políticas de centro pelas urnas. São exemplos de sinergia positiva entre esquerda e centro. Outros exemplos, agora de sinergia negativa, ocorreram quando manifestações volumosas da esquerda (como a do “elle não”, a uma semana do segundo turno de 2018) ajudaram à agregação do eleitorado conservador em torno de um proto-fascista como Bolsonaro. Em parte, isso depende do tom e sentido da mensagem política emitida por um ato público. Na maioria das vezes dá em desastre dizer em público o que se diz sob o teto da sua cozinha.

Penso que os atos desse sábado estão distantes desse erro. As cozinhas mais importantes estão fechadas em público e se pretende que o ato transcorra no salão principal, onde a moderação é a regra. Mas principalmente os políticos de centro ou de centro-direita que a ele comparecerem não podem se iludir ou fazerem de conta que não sabem quem é o sujeito oculto das festas que se farão Brasil afora, mesmo se o anfitrião real, sabiamente, se fizer representar por terceiros e, no caso de São Paulo - o salão principal - pelo terceiro que o representou até na urna, mas que agora, ao que tudo indica, terá sua missão limitada ao eventos preliminares, ou eventos-teste, como esse de hoje. Treino é treino, jogo é jogo. A folha seca não precisa vir agora e a rigor não se sabe de quem ela partirá, na hora devida.

Se Lula está, ao que parece, se contendo em limites convenientes ao que pode vir a ser uma candidatura ampla, de envergadura maior que sua própria trajetória como personagem do campo da esquerda (ainda que tenha um dia dito não ser de esquerda, hoje isso poderia ser um sincericídio, mas pode deixar novamente de ser, daqui a pouco), a contenção que se espera de quem pode vir a ser seu parceiro conflitivo num eventual futuro palanque é a de quem sabe o terreno em que pisará hoje e por isso pisará devagarinho. São todos convidados a uma festa que tem dono, por mais que venha a ser uma festa ampla e aparentemente gratuita, com direito a assinaturas colegiadas no convite formal.

Há dois tipos de visitas indesejáveis e incômodas em qualquer festa, mesmo as feitas oficialmente para apenas protestar: o puxa-saco e o bicão. O primeiro quer mimetizar os anfitriões, ostentar afinidades e sintonias artificiais e com isso enche o saco e granjeia desprezo. O segundo disputa protagonismo, é capaz de querer fazer as honras da casa aos desavisados, aparecer como parceiro nos bem-feitos e/ou crítico dos malfeitos da família. Para esse aí o primeiro remédio – “dar gelo”, que pode funcionar melhor com puxa-sacos – pode não bastar e aí os anfitriões podem tratá-lo como penetra e chamar a segurança. 

Os que perseguem (no bom sentido) a terceira via não precisam proferir a palavra maldita. Cão que late não morde. Cabe ser educado na casa alheia, comportar-se como visita sensata, mas altiva, mesmo se convidada a se sentir em casa. E seguir trabalhando seu campo político para que chegue ao grau de agregação política e densidade eleitoral ao qual a esquerda chegou, não importa por quais caminhos ou com qual discurso ou programa. Importará sim, e muito, na hora de se dirigir ao eleitor, se o golpista que ocupa o governo já não oferecer perigo, nem de reeleição, nem de promover caos. Mas não nesse momento de ato unitário contra ele, quando o primeiro perigo saiu do horizonte, mas o segundo não.

*Cientista político e professor da UFBa.

Fundação csatrojildo

A Lava-Jato na eleição

 



Mantém-se um quadrante ético na disputa eleitoral. Os demais são a crise sanitária, a economia popular e a questão democrática

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi absolvido em 19 dos 21 processos movidos contra ele pela Operação Lava-Jato, desde a anulação de suas condenações nos casos do triplex de Guarujá e do sítio de Atibaia, em razão de a 13a Vara Federal de Curitiba não ser o “juízo natural” de ambos os processos, na interpretação do ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin — como sempre questionou a defesa, é bom lembrar. No dia 4 de março passado, a maioria da Corte decidiu por 8 a 3 que quatro processos que lá tramitavam teriam que ser refeitos. O STF também considerou o ex-juiz federal Sergio Moro parcial no julgamento.

A condenação de Lula — confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região (TRF-4, em Porto Alegre) — o havia excluído da disputa eleitoral de 2018, na qual era favorito, o que abriu caminho para a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Entretanto, a decisão do Supremo sobre o juiz natural alterou completamente o cenário, fazendo com o ex-presidente Lula voltasse a ser uma alternativa de poder. Na pesquisa Ipespe divulgada quinta-feira passada, por exemplo, Lula é o favorito à Presidência. Aparece com 30% de intenções espontâneas de votos, contra 23% do presidente Bolsonaro; Ciro Gomes (PDT) tem 2%; e os demais, 1% (Sergio Moro, João Doria, João Amoedo e Henrique Mandetta) ou não pontuam.

A pesquisa espontânea mostra um universo de 8% de eleitores pré-dispostos a votar nulo ou branco e 34% alheios à disputa, que não sabem ou não responderam à clássica pergunta: “Em quem você votaria para presidente da República?” O gráfico de evolução da pesquisa mostra que o melhor momento de Bolsonaro foi em setembro do ano passado, quando chegou a 26% de intenções de votos; na época, Lula tinha 8%. Desde então, o presidente da República oscilou na faixa entre 22% e 25%, enquanto o petista, desde fevereiro, faz uma trajetória sempre ascendente.

Na pesquisa Ipespe estimulada, Lula sobe para 43% de intenções de votos, ou seja, 13 pontos, enquanto Bolsonaro chega a 28%, istoé, cresce 5 pontos. A diferença entre ambos aumenta de 7 para 15 pontos. Pontuam neste cenário Ciro Gomes (11%), João Doria (5%), Mandetta (4%) e Rodrigo Pacheco (2%). No segundo cenário, com maior dispersão de candidaturas, Lula aparece com 42%, Bolsonaro com 25%, Ciro Gomes com 9% e Sergio Moro com 7%; os demais são Mandetta (3%), Datena (3%), Eduardo Leite (3%), Simone Tebet (1%) e Rodrigo Pacheco (1%). Destaca-se a resiliência eleitoral de Moro, que não se declarou nem se movimenta como pré-candidato.

Bandeira da ética

O ex-juiz mora nos Estados Unidos, onde trabalha como consultor em gerenciamento de risco, no escritório Alvarez & Marsal, mas seu contrato termina em outubro. Neste momento, Moro está no Brasil e faz contatos políticos, porém não anunciou sua candidatura. Somente tomará sua decisão a partir de novembro. Desde que foi julgado parcial no caso Lula, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro sofre ataques permanentes dos adversários, nos mundos político e judiciário, enquanto a Lava-Jato é desconstruída pelos tribunais, pelo Congresso e na opinião pública. Mesmo assim, uma fatia não desprezível de eleitores apoiaria Moro caso fosse candidato a presidente da República, nos revela a pesquisa. Qual a explicação para isso?

A resposta é um óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues: mantém-se um quadrante ético na disputa eleitoral, na qual a Lava-Jato continua sendo uma linha de força. Os demais são a crise sanitária, com 600 mil mortos; a economia popular (custo de vida, arrocho salarial, desemprego etc.) e a sustentabilidade; e a questão democrática e os direitos humanos. O peso de cada um desses quadrantes varia para cada candidatura, conforme a conjuntura, mas o fato é que nenhum deles garante uma ancoragem segura para a reeleição de Bolsonaro.

O presidente da República tenta reduzir os danos em todos eles, com maior ou menor dificuldade. A bandeira da democracia migrou para a oposição, a da saúde também. O governo não consegue reverter a situação da economia e corre o risco de ver a bandeira da ética, desgastada pelo caso das rachadinhas e pela CPI da Saúde, ser empunhada pela oposição. Caso Moro não se apresente, outro candidato ocupará esse quadrante. É o espaço vazio deixado por Lula.

Correio Braziliense

Conservador legítimo, agronegócio já procura terceira via para se livrar da volta do PT.




O político profissional disfarçado de cavaleiro.

Segmento que se notabilizou pelo apoio ao atual governo já avalia, a um ano da eleição, alternativas entre nomes da chamada terceira via. 

A um ano das eleições, o agronegócio começa a mostrar divisões internas e a procurar alternativas ao presidente Jair Bolsonaro entre os candidatos de centro, a chamada terceira via. Influenciadores e grandes empresários do setor dizem, contudo, que se um nome fora da polarização não se viabilizar o grupo tende a apoiar em peso a reeleição do atual presidente num esforço para derrotar o PT.

“Entre os agricultores, vejo uma tendência pró-Bolsonaro. Agora, nas instituições está todo mundo olhando o horizonte, ninguém tem posição tomada ainda”, disse o ex-ministro Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas.

Um dos que mantêm canal direto com o agro é o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Interlocutores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também buscam refazer pontes e telefonaram a Rodrigues. Assim como o PSB. “Todos que me procurarem vou ajudar, com o mesmo plano de governo para todos. Eu defendo a agricultura em qualquer ambiente”, destacou o ex-ministro de Lula, que não teve ainda contato com o presidente Bolsonaro.

A debandada de parte do setor ficou evidenciada com a iniciativa de entidades do agro de encabeçar uma carta em defesa da democracia, antecipando-se ao recuo dos industriais. Embora não citasse Bolsonaro, o texto foi articulado como contraponto ao discurso autoritário do presidente no 7 de Setembro. O manifesto cita a “moderna agroindústria brasileira”. “Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis”, diz o texto, que fala em “tensionamento e riscos de retrocesso e rupturas”. Assinaram o documento, entre outras, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira dos Industriais de Óleos Vegetais (Abiove) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal.

Para Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil e ex-candidato a vice-presidente pelo Partido Novo, apesar de ser heterogêneo, o setor se unirá na oposição a Lula. Segundo Lohbauer, há três grupos no agro: um contra o retorno do PT; um que apoia fielmente a gestão da ministra da Agricultura, Tereza Cristina; e outro que é pró-Bolsonaro, o que ele chama de “radicalismo agrário”. “Se tem uma pauta que integra e une é a agenda anti-PT, por isso ocorre essa associação binária”, afirmou. “O agro inteiro busca encontrar uma alternativa para o PT não ganhar e vai fazer o que for necessário.”

A opinião de Lohbauer coincide com a de outro nome de peso do setor, o ex-ministro da Agricultura no governo Collor Antônio Cabrera Mano Filho. Eles observam que Ciro Gomes (PDT) se inviabilizou por causa de declarações generalizantes em que citou “bandidos do agronegócio”. Ciro depois se retratou, afirmando que se referia a uma “parcela ínfima”. “Do outro lado (a esquerda) não é a nossa praia, não tem como. O apoio a Bolsonaro é generalizado”, diz Cabrera, veterinário e exportador de carne, milho, soja e cana de açúcar. “Não sou muito fã desse negócio de terceira via. É meio que tentar embalar algo que não está dando certo. Até gostaria que surgisse, mas o que percebo é que está ficando Bolsonaro contra Anti-Bolsonaro”, disse o ex-ministro.

Para Cabrera, há um sentimento geral de frustração com outras agendas liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele cita a falta de avanço nas reformas tributária e administrativa e, principalmente, as privatizações que patinam. “O maior adversário de Bolsonaro se chama Bolsonaro. Hoje eu sou a favor dele porque não tenho nenhuma opção, dentro da linha da liberdade econômica”, afirmou. “Ficar falando que o Bolsonaro só diz bobagem não vai eleger ninguém. É um voto birrento, infantil. Candidatos da esquerda só falam em meio ambiente. É importantíssimo, mas e a infraestrutura?”

O pecuarista e ex-dirigente da Sociedade Rural Brasileira Pedro de Camargo Neto acrescenta como frustrações os retrocessos na pauta anticorrupção com a demissão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, e a aliança com o Centrão. Ele rompeu com a entidade que presidiu após 30 anos de elo, por causa do apoio da Rural a políticas do atual governo personificadas pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – investigado pela Polícia Federal por suposto envolvimento com madeireiras.

“A credibilidade do País foi perdida com a permissão de ilegalidades, a extração de madeira e o garimpo. Se não enfrentar isso e o grilo de terras, que é roubo de terra pública, não resolve nada, não adianta ficar falando de bioeconomia e de pagamento por serviço ambiental na Amazônia”, afirmou. “Nisso o governo falhou e é muito grave. Tem que por ordem na casa”, cobrou o pecuarista, que tem fazendas no Mato Grosso do Sul, São Paulo e Piauí e é doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo.

Apesar das críticas, lideranças do setor apresentam inúmeros pontos de identificação com o atual governo para justificar a escolha num cenário de polarização com o PT. Entre outras razões, estão o conservadorismo e um cansaço da relação conflituosa histórica com ambientalistas, movimentos sem-terra e organizações não governamentais (ONGs). “Os caras apanharam do ambientalismo, do MST, então eles têm uma sequela, uma mágoa. É um Brasil fora das bolhas urbanas e tem pensamento mais conservador, de costumes”, disse Camargo Neto.

Outro traço em comum é a boa avaliação de ministros como Tereza Cristina (Agricultura) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura), e correções de rumo com as entradas de Joaquim Leite (Meio Ambiente) e Carlos França (Itamaraty) no governo. “Os ministros próximos do agro estão fazendo um bom trabalho e isso valoriza Bolsonaro perante os agricultores”, afirmou Roberto Rodrigues.

A bonança do agro em plena pandemia da covid também é destacada. Segundo Cabrera, o setor cresceu e traders já estão procurando produtores para negociar a compra antecipada da safra de 2023. O ex-ministro de Collor elogia o governo Bolsonaro por dois pontos principais: não interferir no mercado para controlar exportações, seja com limitação ou tributação, e a ausência das invasões no campo por parte do MST. “Não somos alienados, sabemos que temos problemas graves de saúde na pandemia da covid-19, mas o setor foi muito agraciado, com exportações”, ressaltou.

Conhecedor no mercado externo, Camargo Neto vai além: a conjuntura de dólar valorizado nas exportações em alta beneficiou como nunca o exportador. “Isso era algo que não acontecia. Aumentou a exportação e não derrubou o dólar. O setor acaba sendo beneficiado”, disse. “Mas tem que ver como fica no ano que vem. Os insumos também subiram.”

Até agora, nenhum presidenciável manteve diálogo formal para pedir apoio a entidades do setor. Porém, há reuniões frequentes com Bolsonaro e diálogos incipientes em privado com outros presidenciáveis.

Partidos

Além de lideranças do agronegócio, cresce no espectro da direita partidária a disposição de buscar outro nome capaz de derrotar o petista Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. As últimas pesquisas de intenção de voto mostraram Jair Bolsonaro com dificuldades para debelar a rejeição, na faixa de 60%. “É um empecilho muito grande. Lula está conseguindo voto útil, um feito inédito. A eleição começa a mudar de eixo. Desde 2006 discutimos o anti-PT. Agora, estamos discutindo o anti-Bolsonaro”, disse Bruno Soller, do Instituto Travessia Estratégia e Marketing.

O União Brasil, novo partido que reunirá PSL e DEM, avalia os prós e contras de apoiar ou não a reeleição de Bolsonaro. A candidatura própria partiria turbinada por R$ 320 milhões do fundo eleitoral, a maior fatia. Quadros que voltaram ao poder após o impeachment de Dilma Rousseff, entretanto, pretendem fazer de tudo para não regressar à oposição, ainda que tenham de se aliar novamente ao presidente. A hipótese agita os bastidores da fusão.

O Estado de São Paulo

‘Pandora Papers’ na América Latina: Três chefes de Estado e 11 ex-presidentes operaram em paraísos fiscais




O chileno Sebastián Piñera, o dominicano Luis Abinader, o equatoriano Guillermo Lasso figuram no novo vazamento. Entre os ex-mandatários, os colombianos Gaviria e Pastrana e o peruano Kuczynski. No Brasil, estão o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto

Por Jan Martínez AhrensJavier Lafuente

Cidade do México - Três presidentes no exercício de seu mandato e 11 que já deixaram seus cargos; 90 políticos de alto escalão, congregações religiosas e artistas de fama mundial, bilionários e até o presidente de um banco central — toda uma constelação de personagens poderosos da América Latina fez uso de paraísos fiscais ao longo dos anos. Apesar de habitar a região mais desigual do planeta, essa elite se valeu de um emaranhado de sociedades fiduciárias, empresas de fachada e documentos mercantis opacos em lugares como as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá para evitar o escrutínio público sobre uma parte substancial de seus bens. É uma estrutura que vem à luz agora com a publicação dos Pandora Papers. O vazamento, obtido pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), se baseia em 11,9 milhões de arquivos que reúnem o trabalho de 14 assessorias para offshores. Esta massa de informação foi revista e verificada por uma equipe de 600 jornalistas, da qual o EL PAÍS participou junto com The Washington Post, The Guardian, BBC e diversos outros veículos de todo o mundo.

Os resultados, de impacto mundial, ganham especial relevância na América Latina, onde a cada ano escapam do fisco cerca de 40 bilhões de dólares desviados para paraísos fiscais. Como publicarão nos próximos dias este jornal e outros veículos que participaram da apuração, 14 dos 35 presidentes ou ex-presidentes mencionados nos documentos pertencem a esta região. A maioria é de tendência conservadora. Entre eles se destacam três presidentes no exercício de seus mandatos: o chileno Sebastián Piñera, o equatoriano Guillermo Lasso e o dominicano Luis Abinader. Também emergem 11 ex-mandatários, sendo os mais conhecidos os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana, o peruano Pedro Pablo Kuczynski; o paraguaio Horacio Cartes e os panamenhos Juan Carlos Varela e Ricardo Martinelli.

No caso do mandatário chileno, a investigação feita pelos sites chilenos CIPER e LaBot revela entre seus negócios offshore a aquisição, nas Ilhas Virgens Britânicas, da mineradora Dominga, em sociedade com o empresário Carlos Alberto Délano, seu amigo de infância. Em dezembro de 2010, nove meses depois de Piñera iniciar seu primeiro mandato, a família presidencial transferiu o negócio para as mãos de Délano com uma minuta assinada no Chile, que mencionava um valor de 14 milhões de dólares, e outra nas Ilhas Virgens, falando em 138 milhões de dólares. O montante deveria ser saldado em três parcelas, com uma condição: o último pagamento dependia de que não fosse estabelecida uma área de proteção ambiental sobre a zona de operações da mineradora, como pleiteavam grupos ambientalistas. A decisão sobre a viabilidade da mineradora Dominga ficou, portanto, nas mãos do Governo de Piñera. A área de proteção afinal não foi estabelecida, e a terceira parcela foi paga. Apesar dessas sombras, o gerente das empresas da família Piñera alegou que o presidente não dirige seus negócios há 12 anos, não foi informado sobre o processo de venda da Dominga, e que a investigação judicial sobre a operação acabou sendo arquivada.

Outro presidente revelado pelos Pandora Papers e que tem sido um empresário de sucesso, mas desta vez no setor hoteleiro, é o dominicano Luis Abinader. Os documentos mostram a vinculação do presidente dominicano com duas empresas no Panamá, a Littlecot Inc. e a Padreso S.A. Essas duas pessoas jurídicas foram criadas antes de ele assumir o cargo e serviram para administrar ativos na República Dominicana. A investigação de El Informe com Alicia Ortega de Noticias Sin aponta que as ações dessas empresas eram inicialmente “ao portador”, um instrumento utilizado para ocultar os beneficiários das companhias. Abinader, segundo essa investigação, se registrou publicamente como beneficiário em 2018, três anos depois de que entrasse em vigor uma lei que obriga as empresas a divulgar a identidade de seus donos.

Ao se tornar presidente, em 2020, o mandatário declarou nove empresas offshore que controlava através de uma sociedade fiduciária. Abinader assegura que não tem nenhuma participação nela. Tanto Piñera como Abinader recorreram ao escritório OMC Group, com sede no Panamá — o mesmo que administra ao menos três offshores da cantora colombiana Shakira, cujos rastros foram seguidos durante anos pela Fazenda espanhola.

O terceiro chefe de Estado ativo que consta dos documentos obtidos pelo ICIJ é Guillermo Lasso, ex-banqueiro conservador e milionário, que conquistou a presidência do Equador em abril passado. O mandatário, segundo os documentos e a investigação do jornal El Universo, chegou a ter vínculos com 14 empresas offshore, mas foi fechando uma após outra depois que o grupo político do ex-presidente Rafael Correa impulsionou uma lei que proibia candidatos a presidente de serem beneficiários de empresas em paraísos fiscais. Em sua defesa, o presidente equatoriano alega que abriu essas offshores porque a legislação nacional impede os banqueiros de investir em seu país. O presidente equatoriano alega que 10 dessas companhias já estão inativas, e sobre as outras 4 nega qualquer relação ou benefício.

Lasso era cliente do Trident Trust, um dos maiores prestadores de serviços para offshores no planeta. Esse escritório suíço é conhecido por sua discrição neste tipo de soluções e aparece repetidamente nas operações reveladas no vazamento, assim como o escritório panamenho Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), que conta com inúmeros clientes na América Latina. O Alcogal abriu a maioria das 78 empresas que cidadãos venezuelanos teriam usado para ocultar em Andorra dois bilhões de dólares desviados da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA). Entre os beneficiários desta estrutura, segundo a investigação do site Armando.info, está uma parte importante da cúpula chavista.

No Brasil, os Pandora Papers apontam para os dois homens mais poderosos do seu universo econômico: o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Nenhum dos dois divulgou publicamente suas operações offshore antes de assumir cargos nos quais participariam da tomada de decisões sobre esse tipo de investimento. Este possível conflito afeta especialmente o Ministro da Economia, que lidera uma reforma tributária que, em sua versão atual, reduziu a pressão sobre o dinheiro das pessoas físicas em paraísos fiscais.

Guedes, de 72 anos, aparece como acionista da empresa Dreadnoughts International Group, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas. Trata-se de uma shelf company, como são conhecidas no jargão financeiro: empresas fundadas em paraísos fiscais, mas que podem permanecer anos sem atividade à espera de que alguém lhes dê uma função. Os documentos mostram que o ministro, guru econômico do presidente Jair Bolsonaro, e uma das personalidades mais polêmicas do gigante sulamericano por suas conexões com a elite financeira, tinha em 2014 pelo menos oito milhões de dólares (43,3 milhões de reais, pelo câmbio atual) investidos na companhia, registrada em seu nome e nos de sua esposa, Maria Cristina Bolívar Drumond Guedes, e da filha, Paula Drumond Guedes. O Ministério da Economia, em resposta à investigação, encaminhou uma nota à revista Piauí em que afirma que essas atividades “foram devidamente declaradas ao órgão tributário e demais órgãos competentes, o que inclui sua participação na empresa Dreadnoughts International Group”. “Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade”, indica a nota.

O presidente do Banco Central, Campos Neto, é dono de quatro empresas. Duas delas, Cor Assets e ROCN Limited, são registradas no Panamá em sociedade com sua esposa, a advogada Adriana Buccolo de Oliveira Campos. O objetivo declarado das empresas é investir nos ativos financeiros do Santander Private Bank, cujo conselho executivo Campos Neto integrou no passado. As outras offshores são Peacock Asset Ltda, gerida pelo banco Goldman Sachs, e que foi descoberta na investigação do Bahamas Leaks, de 2016. A quarta empresa é a Darling Group, que segundo o Banco Central informou em nota, é uma empresa de “gestão de bens imóveis”. Assim como Guedes, o presidente do Banco Central afirma que declarou todo o seu dinheiro no exterior à Comissão de Ética da Presidência da República, bem como ao fisco e ao próprio Banco Central. Ele também reforça que construiu seu “patrimônio com as receitas obtidas em 22 anos de atuação no mercado financeiro”.

A Colômbia é outro dos países onde se nota um uso intensivo da opacidade financeira nas altas esferas políticas. Entre as personalidades que figuram no vazamento destacam-se dois ex-presidentes: o liberal César Gaviria Trujillo (1990-94) e o conservador Andrés Pastrana Arango (1998-2002). Ambos, ainda detentores de uma notável influência política, bateram às portas dessas assessorias quando já tinham deixado o poder.

Na Argentina, os documentos jogam luz sobre os nomes de Jaime Durán Barba, consultor político que catapultou Mauricio Macri à presidência em 2015; e Zulema Menem, filha do ex-presidente Carlos Menem (1989-99). Pelo lado do kirchnerismo, os papéis citam atividades financeiras no exterior do já falecido Daniel Muñoz, que foi secretário do ex-presidente Néstor Kirchner, e de algumas figuras-chaves na ação judicial sobre o suposto pagamento de propinas por empreiteiros a governos peronistas.

Muito mais volumoso é o resultado da investigação no México, onde os documentos apontam mais de 3.000 pessoas. Entre elas se destacam três dos empresários mais ricos do país: o magnata da mineração Germán Larrea, a herdeira do grupo cervejeiro Modelo, María Asunción Aramburuzabala, e Olegario Vázquez Aldir, cujo grupo controla hospitais privados, redes de hotéis, seguradoras e meios de comunicação. Suas fortunas juntas somam mais de 30 bilhões de dólares.

Embora o destino dado ao dinheiro tenha sido diferente, coincidiram em usar paraísos fiscais para criar empresas que serviram de ferramenta para operar internacionalmente. Larrea chegou a abrir, entre 2013 e 2016, nove firmas nas Ilhas Virgens Britânicas, com as quais controlou, quase sem deixar rastro, a aquisição de imóveis de luxo nos Estados Unidos. Aramburuzabala comprou propriedades milionárias em Utah e Nova York e dois aviões. Já Vázquez Aldir e seu entorno, através de oito empresas opacas, adquiriram iates, um avião e pelo menos duas mansões. Nem Larrea nem Aramburuzabala responderam aos pedidos de esclarecimento do consórcio de jornalistas. Vázquez, por meio de seu advogado, afirma que cumpre todas as obrigações tributárias e jurídicas no México e no exterior.

Mas não são só os bilionários que recorrem a essas práticas (que são legais, desde que devidamente declaradas ao fisco). O atual secretário [ministro] de Comunicações e Transportes, Jorge Arganis Díaz Leal, aparecenos Pandora Papers como propietário de uma empresa criada nas Ilhas Virgens Britânicas, aberta com intermedição do escritório Alcogal e Stanford Financial Group, do bilionário Allen Stanford, que em 2012 recebeu a sentença de 110 anos de prisão nos EUA por uma fraude bilionária. Arganis reconheceu sua participação na sociedade, mas assinala por escrito que foi criada como parte da estratégia financeira que Stanford recomendava a seus clientes. Ele assegura que ainda não recuperou seu investimento, mas não esclarece se continua vinculado à empresa nem se declarou seus bens diante das autoridades mexicanas.

Outro personagem político que emerge com força no México é Julio Scherer Ibarra, que até um mês atrás era assessor jurídico do presidente Andrés Manuel López Obrador. Em 2017, figurava como único proprietário de uma firma com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, com ativos num valor de dois milhões de dólares procedentes de seu trabalho como advogado privado. A companhia era dona de uma empresa nos Estados Unidos, que, por sua vez, possuía um luxuoso apartamento num bairro de classe alta em Miami. A entidade nas Ilhas Virgens Britânicas tornou-se inativa em 2019, 11 meses depois de que Scherer passasse a integrar o governo mexicano, mas a companhia norte-americana continua sendo dona do apartamento em Miami. Questionado sobre esses movimentos, o ex-assessor presidencial se limitou a dizer que nas datas em que fez os investimentos não era um funcionário público, mas um profissional independente.

Junto destes políticos, os Pandora Papers mostram como ao redor de determinados centros de poder mexicanos proliferaram personagens que utilizaram intensamente os serviços financeiros offshore. Assim ocorreu nos círculos próximos ao ex-presidente Enrique Peña Nieto (2012-2018) e também de grandes fornecedores da empresa estatal de petróleo Pemex, um gigante que atualmente arrasta uma dívida de quase 114 bilhões de dólares.

Os repórteres do EL PAÍS Eliezer Budasoff, Georgina Zerega, Elías Camhaji, Zorayda Gallegos, Federico Rivas Molina, Carla Jiménez, Marina Rossi, Regiane Oliveira e Inés Santaeulalia colaboraram com a elaboração desta reportagem.

Nas investigações dos Pandora Papers na América Latina participaram repórteres de: La Nación, elDiarioAR, Infobae, El Deber, Agência Pública, Metrópoles, Poder360, Revista Piauí, Ciper, LaBot, CLIP, El Espectador/CONNECTAS, Costa Rica Noticias, Proyecto Inventario, Noticias Sin, El Universo, El Faro, Plaza Pública, Contracorriente, Proceso, Quinto Elemento Lab, Univision, Confidencial, Grupo ABC Color, Convoca, IDL-Reporteros, Centro de Periodismo Investigativo, Armando.info.

El País

Dobrando a aposta




Vazia de conteúdo, a reeleição não será fácil. Mas Bolsonaro tem forma, caneta e dobra a aposta no negacionismo para 2022

Por Eliane Cantanhêde (esq.)

O presidente Jair Bolsonaro jogou fora todo o conteúdo e os falsos compromissos, mas mantém a forma e a técnica que lhe deram a vitória em 2018: uma combinação de viagens por todo o Brasil com o uso maciço da internet. Basta sorrir, produzir vídeos, tirar selfies, e o gabinete do ódio e os robôs, inclusive os de carne e osso, fazem o resto.

Sem a facada, sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, ele sabe que não sobrevive à realidade, à pandemia, à economia e a perguntas, sejam de jornalistas, sejam de adversários, e prefere multidões que não questionam nada, só gritam “mito”. Vai ter de fugir dos debates e entrevistas.

Pode simplesmente não aparecer e deixar os adversários falando sozinhos e se atacando uns aos outros, como em 2018. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, dizia: “Reunião que eu não vou não vale”. Bolsonaro pode adaptar: “Debate que eu não vou não vale”. Mas os debates entre os outros serão uma saraivada de verdades contra ele.

Bolsonaro viajou todos os dias da semana passada. A Teotônio Vilela (AL), Teixeira de Freitas (BA), Boa Vista (RR), Belo Horizonte (MG) e Maringá (PR), do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, nome recorrente da CPI na compra de vacinas e na investigação de Bolsonaro por prevaricação. Barros, porém, tem peso no Centrão e no Paraná, junta gente para a campanha de Bolsonaro animar a turba “presencial” e a “virtual”.

Após 28 anos de política, para onde tragou três filhos, Bolsonaro casou por conveniência com o PSL (que lucrou com uma gorda bancada na Câmara e um gordo Fundo Partidário), mas saiu em novembro de 2019, não conseguiu criar o Aliança pelo Brasil e tenta o PTB, transmutado de trabalhista para integralista por Roberto Jefferson, ora preso, e o PP de Ciro Nogueira, da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara. Mas ele não quer entrar num partido, quer engolir o partido.

Assim como passou por uma dezena de siglas, antes do PSL, Bolsonaro também teve uma longa lista de nomes para sua vice em 2018: Janaina Paschoal, Magno Malta, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Augusto Heleno... Deu o general de quatro-estrelas Hamilton Mourão, mas tanto fazia e o desdém migrou da campanha para o governo.

Sem vice, sem partido, sem facada, sem nenhuma das bandeiras de 2018 e com o rastro de destruição na pandemia, no ambiente, na educação, na cultura, na política externa, nas relações federativas, no equilíbrio institucional, o que sobra para Bolsonaro dizer numa campanha? Que a economia está uma maravilha, os preços estão lá embaixo, a fome e a miséria não estão de volta?

E tem a CPI... O relatório final será anunciado ao Brasil e ao mundo nos dias 19 e 20, com dados, depoimentos, trocas de mensagens e 600 mil mortos, provando o quanto Bolsonaro trabalhou contra isolamento social, máscaras e vacinas e a favor de remédios comprovadamente ineficazes – em alguns casos, perigosos. Ou seja: como trabalhou a favor do coronavírus e contra a vida.

Pela guinada dos senadores e depoentes bolsonaristas na CPI, a estratégia é dobrar a aposta no negacionismo e na fantasia do comunismo, culpando governadores pela crise econômica, o Supremo pela inação dolosa do governo e insistindo na tese da “imunidade de rebanho”. A queda de contaminações, internações e mortes é resultado direto das vacinas, não dessa enganação, mas a verdade cristalina, reluzente, interessa ao real rebanho?

Assim, a reeleição não será fácil, porque é vazia de conteúdo, se sustenta só na forma e o que não falta à oposição é munição. Entretanto, a lição de 2018 não deve ser desprezada: o que conta não é a realidade, é a manipulação dela. E, agora, Bolsonaro tem o cargo, a caneta e um quarto da população anestesiada. Não subestimem Bolsonaro e seus estrategistas.

O Estado de São Paulo

Ética na política? Reabilitação de Lula prova que a corrupção é aceitável.




Corrupto ou não, tanto faz, contanto que o campo em que o ator político em questão jogue reforce os interesses dos poderosos. 

Por Luiz Felipe Pondé 

A rigor, a corrupção pode ser um ativo ou um passivo na economia política. Se for a favor de X, Y será exposto publicamente. Se for a favor de Y, X será exposto publicamente. As reações dos atores sociais e políticos —incluindo as instituições e agentes jurídicos— dependerão de inúmeras variáveis, sendo a ética entre elas uma das menos relevantes.

Quem negar o raciocínio acima é mentiroso ou ignorante. A validade da ética depende de quanto falar em nome dela tiver peso no marketing do momento. O resto é conversa fiada, mesmo que acompanhada de gestos e palavras graves.

Se você acha que esse argumento é horrorosamente niilista, você tem razão, mas o niilismo não deixa de ser uma ferramenta consistente de análise do mundo contemporâneo só porque você o acha feio. Sinto muito.

Nada disso quer dizer que a corrupção não seja um mal para a operação de um Estado ou de uma sociedade, apenas quer dizer que sua gestão é levada a cabo de um ponto de vista da sua validade como um ativo do marketing político contrário a alguém, dos freios e contrapesos institucionais à disposição num dado momento do jogo político, de mídia e de mercado, e dos interesses das diferentes forças ideológicas em jogo em busca de alcançar o poder.

Política é sobre poder, nunca foi sobre ética. Só idiotas pensam que é sobre ética.

Exemplo crasso do que acabei de dizer é o fato que o ex-presidente Lula, após ter sido preso e julgado como suposto chefe de uma gangue de corruptos, não só foi reabilitado pelo establishment jurídico do país da mais alta envergadura, como continua sendo visto pela casta política internacional “progressista” como sendo um expoente válido das lutas sociais contemporâneas. Corrupto ou não, pouco importa, na verdade. Contanto que o campo em que você jogue como ator político reforce os meus interesses geopolíticos.

Nenhuma profissão escapa dessa realidade, mas claro que nem sempre envolvendo a grana alta que a corrupção que une altos empresários e o Estado tem à disposição.

Às vezes, está em jogo apenas um cargo na universidade, uma banca de concurso, uma simpatia ideológica na Redação de um veículo de mídia, enfim, o tráfico de influência de baixo impacto no somatório da corrupção como fenômeno estrutural, mas de alto impacto para o destino das pequenas carreiras em jogo.

Evidente que existem países em que a corrupção é menos endêmica do que no Brasil e similares. Isso decorre do fato de que nesses lugares ela não é um ativo político significativo, apenas o é como passivo político —no Brasil, vale a pena ser corrupto.

Em países pequenos, com populações pequenas, sem muitas tensões, com pouco dinheiro disponível e com um sistema em que há pouco espaço de mobilidade —todo mundo é “obrigado” a ser de classe média— a corrupção pode ficar sob um certo controle.

Agora estamos diante de mais um caso gritante de corrupção no Brasil —os casos envolvendo a pandemia, as descobertas da CPI e a administração Bolsonaro. A mídia faz seu trabalho berrando. Aliás, para a mídia, os escândalos de corrupção importam antes de tudo como elemento de impacto público e publicitário. Os atores que trabalham na mídia estão bastante dispostos, por exemplo, a atenuar, no seu espaço privado de opiniões políticas, as suspeitas de corrupção que pesam sobre o ex-presidente Lula facilmente.

O que acontecerá com todos os escândalos apontados pela CPI da pandemia? O PT não quer o impeachment de Bolsonaro, todo mundo sabe, porque prefere enfrentar um Bolsonaro sangrando até a morte em 2022 do que algum candidato que possa derrotar Lula.

Dito isso, nada vai acontecer. Os achados da CPI poderão ter impacto nas eleições de 2022, mas a tendência é que as forças políticas fiquem indiferentes aos achados —incluindo os senadores que compõem a CPI— na dependência direta dos cálculos políticos que seguirão nos próximos meses.

Se a pandemia seguir o curso de queda, em breve esqueceremos dela, dos seus mortos e dos seus escândalos de corrupção. O que nos separa desse fato hoje é apenas o uso de máscaras.

FSP

Em destaque

Quaquá defende os irmãos Brazão e compra briga com Gleisi e Anielle

Publicado em 10 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Quaquá recebeu diversos membros da família Brazão...

Mais visitadas