Vinicius Torres Freire
Folha
Fernando Haddad disse ter a impressão de que há um “fantasminha fazendo a cabeça das pessoas e prejudicando o nosso plano de desenvolvimento”. O ministro da Fazenda falava sobre política econômica na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (22).
Haddad listou melhorias econômicas e acertos das previsões oficiais quanto a inflação, emprego, PIB e dívida pública, dados que negam a desinformação fantasmagórica da qual se queixava.
LENHA NA CALDEIRA – Sob certo aspecto, tinha razão — no caso, é irrelevante. Para piorar, conjurou maus espíritos ao dizer que a meta de inflação é “exagerada”. Assim, embarcou no trem dos fantasmas que criticava, colocou lenha na caldeira da locomotiva e chegou a ser tido como um dos culpados por mais um dia ruim na praça financeira.
Os fantasmas se divertem e governam os vivos. São assim as assombrações do dinheiro. Sim, certos indicadores melhoraram. Haddad enganou-se quanto aos núcleos de inflação, que caem, mas não estão abaixo da meta de 3%.
Núcleos são medidas de inflação que desconsideram preços que variam excessivamente, uma tentativa de observar quais medidas estão mais relacionadas às flutuações da atividade econômica.
DÍVIDA EM ALTA – Mas isso não é relevante. Mesmo que a dívida pública esteja crescendo menos do que o previsto por “o mercado”, a previsão é que o passivo ainda cresça a perder de vista. A inflação caiu. Mas, desde março, a expectativa crescente na praça financeira é que o IPCA venha a ser maior.
Mesmo que não se acredite nesses abantesmas, eles existem. Por isso, os donos do dinheiro grosso cobram mais para emprestar ao governo (taxas de juros aumentam) e para manter seus dinheiros em moeda nacional (o real se desvaloriza).
Em boa parte, o trem fantasma tem sido impulsionado pelas taxas de juros nos EUA (maiores lá, mais dificilmente caem aqui), o que chuta o dólar para o alto, um risco de inflação adicional.
FREAR O TREM – Há como tentar frear um pouco esse trem aqui no Brasil. Mas quem tem dinheiro duvida de que o Banco Central viria a manter o compromisso de levar à inflação à meta no ano que vem, quando baixaria a Selic de modo doidivanas, “político”.
Em 2025, a maioria da direção do BC terá sido nomeada por Lula. O governo Lula quase inteiro diz que os juros apenas não são menores porque a chefia do BC é bolsonarista. Haddad jogou lenha nessa caldeira, na Câmara. Disse que a meta de 3% é “inimaginável” para um país como o Brasil, que raramente conviveu com preços subindo assim tão pouco, desde 1999. É verdade.
O IPCA anual foi menor ou igual que 3% em apenas 7,8% dos meses; foi menor que o atual, de 3,69%, em apenas 14,1% dos meses. Mas a meta é 3%. Em suma, os fantasmas preocupam-se em valorizar o seu dinheiro; inflação e dívida são ameaças.
INFLAÇÃO E DÍVIDA -O ministro disse ainda que a política monetária (juros) tem de ser coordenada com a política fiscal (gastos). É. Mas, de acordo com a economia-padrão, juros tendem a cair com déficit e dívida contidos, não o contrário, como parece dizer o ministro. Os fantasmas leem economia-padrão.
Outro problema são as caveiras de burro enterradas mais adiante na estrada da dívida. As metas de déficit não seriam cumpridas, dizem fantasmas. O próprio teto móvel de gastos de Lula 3 tem data marcada para morrer, pois os gastos com saúde, educação, Previdência e emendas crescem de modo incompatível com o “arcabouço fiscal”.
Ainda antes de aprovar o “arcabouço”, o próprio Haddad parecia saber disso, pois no início de 2023 dizia que “discutiria” com Lula os aumentos automáticos de despesa com saúde e educação e a vinculação dos benefícios do INSS ao valor do salário mínimo. O assunto está quase morto neste ano eleitoral. Se ressuscitasse em 2025, espantaria vários fantasmas.