Pedro do Coutto
O ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet apresentaram na quinta-feira um plano voltado para estabelecer o novo marco ou a nova âncora fiscal para a trajetória financeira do governo Lula da Silva. A matéria foi muito bem focalizada por Manuel Ventura, O Globo de sexta-feira. Entretanto, o projeto do ministro da Fazenda deixa uma interrogação: por onde o governo começará o trajeto que traçou? O aumento do investimento ou da arrecadação? Um enigma também para o Ministério da Fazenda.
Para a arrecadação aumentar dentro da visão de Haddad é preciso que se elimine benefícios fiscais em exagero que alcançam R$ 400 milhões, elevados mais intensamente no governo Dilma Rousseff. Mas, evidentemente, haverá resistências diante dessa medida, pois resulta no pagamento de tributos por quem não tem o hábito de fazê-lo. O conflito de interesses pode se refletir nas bancadas parlamentares.Os projetos econômicos são ótimos no papel, mas na realidade o problema é outro.
RECEITAS ADICIONAIS – No momento, o ministro Fernando Haddad está partindo em busca de receitas adicionais, pretendendo taxar os fundos de investimento de renda alta e as loterias esportivas online que movimentaram no ano passado cerca de R$ 12 bilhões. Mas esse valor sob a lente da arrecadação do país é um volume pequeno a ponto de produzir uma grande receita como o governo espera para mobilizar recursos financeiros objetivando investimentos públicos. As taxações dos fundos de alta renda representam um problema difícil a exemplo da abolição dos incentivos fiscais.
Os fundos de apostas tendem a crescer, daí a publicidade massiva que realizam, com anúncios constantes com base em cenários esportivos. É um caminho que o governo está prevendo, mas será difícil. Pois primeiro, na minha opinião, ele tem que investir para depois arrecadar. O projeto de governo concluído por Haddad não inclui o combate à fome, ponto principal da campanha vitoriosa de Lula da Silva. O ministro não tocou ainda nesse ponto e há uma dificuldade em compatibilizar ações sociais com interesses do mercado financeiro onde está presente a mão do tigre.
DESEMPREGO – Um sinal de que as coisas precisam ter uma atenção maior por parte do governo está no aumento da taxa de desemprego encontrada pelo IBGE através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Foi considerado o trimestre dezembro, janeiro e fevereiro, e o índice de desemprego atingiu o índice de 8,6% no final de fevereiro.
É preciso fazer uma observação adicional. O desemprego era medido pela reincorporação dos que estavam desempregados e que obtiveram retorno aos postos de trabalho. No governo Bolsonaro era essa a prática. Mas considero que tal pesquisa está incompleta. Se em um trimestre voltaram ao trabalho milhares de pessoas, no mesmo trimestre outras saíram. É preciso considerar a retomada de trabalho, mas também os postos de trabalho que foram esvaziados por demissões. Pode ser que o desemprego tenha subido em consequência desse confronto que estava faltando nas pesquisas anteriores.
A matéria de Nicola Pamplona deste sábado focaliza a questão do desemprego que voltou a crescer após seis trimestres consecutivos. No trimestre dezembro, janeiro e fevereiro, o desemprego registrou 483 mil demissões a mais do que no trimestre anterior. Agora, além do desemprego e da retomada do emprego, é preciso considerar a questão do não emprego, em que jovens atingem a idade de trabalhar e não conseguem um lugar ao sol. Não podem se considerar desempregados, pois não podem perder o que não tinham. Tem que ser aberta uma categoria para que a análise seja totalmente completa com essa observação.
REMÉDIOS – Fernando Narazaki, Folha de S. Paulo, revela que a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos autorizou um reajuste de 5,6% no preço dos remédios de modo geral. Mais um acréscimo nas despesas, sobretudo nas dos aposentados e pensionistas.
Mas o aumento não se limita a 5,6%, pois a própria matéria diz que o reajuste dos medicamentos depende também da produção industrial e das decisões das farmácias e drogarias em relação aos seus estoques estratégicos. A população pode se preparar para um novo aumento do setor muito maior do que o autorizado pela Câmara de Regulação.
RUY CASTRO – Depois de assumir a sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, Casa de Machado de Assis, Ruy Castro num primoroso artigo publicado na edição de sexta-feira da Folha de S. Paulo, encontrou-se com Sigmund Freud. Ele desenvolveu um tema no fundo também freudiano que se relaciona diretamente com as selvagens depredações praticadas por legiões bolsonaristas nas sedes dos Poderes em Brasília.
Os filmes exibidos nas emissoras de televisão revelam a fúria destrutiva praticada contra bens públicos, incluindo patrimônios culturais irrecuperáveis. Ruy Castro refere-se aos golpes desfechados conduzidos por um ódio incompreensível à primeira vista. Mas para Freud não. O mal pelo próprio mal, o mal sem motivo, representa um grave problema que ataca os que o praticam É uma prova de um sentimento de inferioridade latente em muitos seres humanos. Felizmente uma minoria que se projeta também na ingratidão. Freud explica a alucinação que tomou conta dos bolsonaristas em 8 de janeiro.
MOTOCIATAS – O ex-presidente Jair Bolsonaro vai retomar as motociatas no país como um lance de oposição ao governo Lula da Silva e pretende começar pelo Nordeste. Bolsonaro tenta se manter em evidência e revela o seu intuito de dar sequência ao seu projeto desencadeado em 8 de janeiro e permanece em sua mente como uma ideia fixa.
Ele quer chegar ao poder de qualquer forma, pelo voto ou pelas armas. Para combater a oposição ao que Bolsonaro pretende é preciso que o governo Lula realize uma ofensiva no campo da Comunicação, a cargo do ministro Paulo Pimenta, que me parece um pouco distante do ritmo jornalístico que o cargo exige. Basta que todos os ministérios encaminhem ao ministro as suas ações que podem ser transformadas em pautas jornalísticas e notícias, pois são de interesse coletivo.
MÉDICO NO STF – Na noite de sexta-feira, na Globo News, Gerson Camarotti comentando juntamente com Natuza Nery e Fernando Gabeira a próxima nomeação para Supremo Tribunal Federal, lembrou que na história do país já houve o caso de um médico ter sido nomeado para o Supremo. Não se lembrou do nome e da data. Mas trata-se de Ataulpho de Paiva que não era advogado e sim médico.
A nomeação foi em março de 1934. A lei é vaga nesse ponto. Ela se refere que o nomeado deve possuir notável saber jurídico. Vargas assim considerou Ataulpho de Paiva, que foi também membro da Academia Brasileira de Letras. Era muito amigo do jornalista Roberto Marinho.
José Lins do Rego assumiu o seu lugar na ABL, após o seu falecimento, e quebrou uma tradição não fazendo elogios ao seu antecessor. Pelo contrário, atacou fortemente a sua obra dizendo que Ataulpho de Paiva foi um “Colibri das Letras”, nunca fez nada que prestasse, mas não faltava aos sepultamentos, aos casamentos de poderosos e às posses em cargos públicos. Provocou uma forte reação dos meios literários e Roberto Marinho cortou a sua coluna no O Globo, onde trabalhava, em face de sua amizade com Ataulpho de Paiva e a preservação de sua memória.