Publicado em 14 de abril de 2023 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, revelou a iniciativa de taxar importações chinesas até US$ 50 no exato momento em que o presidente Lula da Silva está na China e se encontrará com o presidente Xi Jinping para articular um relacionamento comercial ainda mais amplo. Não poderia ter ocorrido um momento mais impróprio para a investida. Claramente Robinson Barreirinhas não teve a mínima consideração com o momento da visita do presidente da República à segunda economia mundial e parceira do Brasil na compra e venda de produtos.
O presidente Lula incluiu em sua comitiva empresários que mantêm relacionamento com empresas chinesas e também outros que desejam iniciar um movimento bilateral. Reportagem no O Globo sobre a iniciativa do secretário da Receita é de Renan Monteiro, Geralda Doca, Eliane Oliveira, Sérgio Roxo, Carolina Nalin, Rafaela Ribas e Glauce Cavalcanti. Na Folha de S. Paulo, é de Danielle Brant.
DESGASTE POLÍTICO – O reflexo tributário da medida, evidentemente, é pequeno, como reconheceram Mônica Waldvogel e Flávia Oliveira no programa Em Pauta da GloboNews. Não compensa o desgaste político, principalmente no momento da visita de Lula. Robinson Barreirinhas lançou um dardo exatamente contra empresas chinesas, ignorando a atmosfera da semana e as relações internacionais entre Brasil e China.
Iniciativas, sejam econômicas, financeiras ou tributárias, não podem ser lançadas a qualquer momento, pois atrapalham relações políticas maiores que estão em jogo. Foi exatamente esse o caso criado pela Receita Federal. Em sua coluna no O Globo, Miriam Leitão sustenta a impropriedade do momento em que a medida foi anunciada e a sua capacidade de desagradar não só as autoridades de Pequim, mas também o próprio Itamaraty e as consumidoras brasileiras que importam produtos de vestuário, de adereços e bijuterias.
DESENCONTRO – Não há qualquer tipo de criação de imposto novo que vá ao encontro do interesse da população. Pelo contrário. Essa opinião é também de Gabriel Galípolo, secretário executivo do Ministério da Fazenda que está substituindo Fernando Haddad que se encontra exatamente na China.
Miriam Leitão focaliza os efeitos políticos e o descompasso com objetivos extremamente mais importantes que levaram Lula à Xangai e Pequim. É preciso sensibilidade política para os governantes, principalmente atenção ao momento em que se declara uma iniciativa que nem partiu do Palácio do Planalto, mas de uma Secretaria do Ministério da Fazenda. Tenho a impressão de que a administração brasileira deu mais um exemplo de descontrole e desconexão.
DÍVIDA BRUTA – Na Folha de S. Paulo, Thiago Amâncio, com base em dados divulgados pelo FMI ontem em Washington, focaliza a previsão de um crescimento da dívida bruta brasileira numa escala de 88% do PIB. Até a divulgação desses novos dados, o FMI calculava a dívida brasileira numa escala de 86% do Produto Interno Bruto. A tendência, acredito, está nos juros de 13,75% ao ano da Selic fixados pelo Banco Central em função da emissão dos títulos novos do Tesouro colocados no mercado e o interesse maior de aplicadores em função dos juros reais (8%, os maiores do mundo). Juros reais decorrem da diferença da taxa fixada e da inflação do país.
A inflação encontrada pelo IBGE para 2022 foi de 5,7%. Outro fator está na rolagem do endividamento. Não tendo dinheiro para pagar os juros, o BC emite novos títulos que vão se acrescentar ao passivo da dívida, hoje aproximadamente na escala de R$ 6 trilhões. Enquanto isso, em Washington, participando em um evento programado pela XP, o presidente do Bacen elogiou a regra fiscal proposta por Haddad e reconheceu que a inflação caiu. Mas, ressalvou, que pressões de demanda permanecem.
Com isso, Roberto Campos Neto colidiu mais uma vez diretamente com as afirmações do presidente Lula da Silva na reunião ministerial de segunda-feira, quando afirmou que a inflação brasileira não é de demanda. Ou seja, não se trata de uma disputa pelo mercado decorrente de uma participação intensa dos que possuem mais recursos para adquirir os produtos, Mais um desencontro entre o presidente do Banco Central e o presidente da República. Campos Neto, no fundo, defende os juros de 13,75% com o apoio dos bancos, dos fundos de investimento e dos grandes aplicadores financeiros. O problema da fome no país não se encontra na pauta do Banco Central.
DEPOIMENTO – No depoimento prestado na quarta-feira à Polícia Federal, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-comandante militar do Planalto, afirmou que o presidente Lula concordou com uma proposta sua de adiar a desmobilização do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército para a manhã do dia 9 de janeiro.
No dia 8, portanto na véspera, houve a invasão de Brasília e a onda de depredações no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal. A reportagem é de Eduardo Gonçalves, O Globo desta quinta-feira. O general Dutra de Menezes era o chefe do Comando Militar do Planalto e foi exonerado do cargo. Porém, surpreendentemente a meu ver, a exoneração só foi publicada no Diário Oficial de ontem.
O acampamento em frente ao QG foi instalado absurdamente logo após o resultado das eleições. A iniciativa não foi apenas em Brasília e o objetivo do movimento, evidentemente coordenado por um comando uniforme, era fazer com que as Forças Armadas violassem a Constituição Federal e o resultado democrátivo das urnas, impedindo pela força a posse do presidente da República. O general Dutra de Menezes provavelmente não foi indagado sobre as razões que levaram à instalação do acampamento em plena via pública no espaço em relação ao qual o Exército usa o rigor para observar a movimentação das pessoas.