A recondução de Jerome Powell ao comando do Fed asseguram que o banco manterá o rumo de sua política
As principais autoridades monetárias do mundo, o Federal Reserve americano e o Banco Central Europeu, mantiveram o sangue frio e seu diagnóstico de que a atual onda inflacionária, a maior em mais de uma década, é transitória, embora persista por mais tempo que o previsto, e deve perder força em 2022. As dúvidas dos investidores sobre esta aposta cresceram, mas o sinal dado pelos bancos centrais é que até mesmo parte dos estímulos extras para combater os devastadores efeitos da pandemia continuarão no horizonte por mais algum tempo. Dos dois lados do Atlântico, os BCs consideram agora, de novo, qual será a extensão e os estragos que novas ondas de covid-19 poderão causar.
As incertezas cresceram tanto para a atividade da economia quanto para a inflação. Uma nova extensão do contágio, segundo o Federal Reserve, traz tanto um risco de baixa para o crescimento quanto, ao perturbar cadeias de suprimento que ainda não estão regularizadas, um risco de alta para a inflação. O CPI em outubro foi de 6,2% nos doze meses encerrados em outubro. A medida preferida pelo Fed, o índice de gastos pessoais de consumo (PCE), após se aquietar por um par de meses, voltou a subir. O número cheio aumentou de 4,4% em setembro para 5% agora. O núcleo, que exclui alimentos e energia, foi de 3,7% para 4,1%. As estatísticas da covid-19 são preocupantes em um país que vacinou pouco menos de 60% da população com as duas doses. Só em novembro o número de casos aumentou 30%, com as internações atingindo na terça-feira a média de 94,3 mil. A pandemia já matou mais de 770 mil americanos.
Há pressão clara da oferta de trabalhadores, que pode culminar em uma espiral de preços e salários, uma dinâmica que o Fed ainda não viu expressa nas estatísticas, apesar de relatos generalizados de escassez de mão de obra e oferta de remunerações maiores. Reajustes de salários chegaram a 3,7% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2020 - não muito maiores que os 3,4% pré-pandemia - e o índice de custo do emprego subiu no trimestre 1,3%, ante 0,7% no trimestre anterior.
Por outro lado, vários membros do Fed argumentaram que a taxa de participação na força de trabalho é ainda inferior à de antes da pandemia, algo que pode ou não se manter. Para uns, a mudança é estrutural, para outros houve um grande número de aposentadorias com a pandemia e há escassez de creches para que as famílias voltem ao trabalho.
Seja como for, o Fed não mudou sua avaliação sobre a inflação, apesar de vários participantes do comitê de mercado aberto verem preocupantes sinais de persistência, como a capacidade de as empresas repassarem preços e os indicadores de inflação de longo prazo sinalizarem que as expectativas estão menos ancoradas agora. Prevaleceu a posição de que a dinâmica inflacionária não mudou, que os fatores que estão provocando a alta de preços são os mesmos que já o fazem há meses e que atenuarão sua pressão no ano que vem.
A ata da reunião do BCE divulgada ontem indica que o banco se moverá igualmente com calma, mantendo todas as posições em aberto. Em outubro, a inflação na zona do euro foi de 4,1% (a maior em 13 anos), mas o comunicado do banco aponta que houve “amplo acordo sobre a forma de corcova da inflação a curto prazo”, apesar de mencionar as “elevadas incertezas sobre a inflação”. Em dezembro, o BCE reavaliará suas projeções e é esperado que o programa extraordinário de compras de títulos iniciado na pandemia, de € 1,85 trilhão termine em março. Este, porém, é o estímulo adicional, mas o programa de compra de ativos de longo prazo será mantido. A taxa de juros na zona do euro é de -0,5%.
Sob pressão menor do que o Fed, a direção do BCE deixou ampla margem de manobra, ao considerar importante que sua direção “evite uma reação exagerada assim como uma injustificada inação” e mantenha um “leque de opções de calibrar a política monetária para todos os cenários inflacionários que possam se desenrolar”. Como orientação, o comunicado diz muita coisa e, ao mesmo tempo, nada - a não ser que o BCE vai agir de acordo com as circunstâncias.
A recondução de Jerome Powell ao comando do Fed, secundada por Lael Brainard, conhecida por suas posições menos ortodoxas, asseguram que o banco manterá o rumo de sua política até ser confrontado claramente por ventos contrários e que, mesmo nessas circunstâncias reagirá com cautela. A ressurgência da covid no inverno é decisiva para os próximos passos do Fed, seja para antecipar o fim de seu programa de compras e iniciar ciclo de alta dos juros, seja para postergar a compra e a normalização.
Valor Econômico