Breno PiresEstadão
O Congresso gastou nos últimos dez anos R$ 2,8 bilhões para ressarcir deputados e senadores por despesas como alimentação, combustível, fretamento de aeronaves, hospedagem e passagem aérea. Até hoje sem mecanismo para checar se o serviço descrito na nota fiscal foi de fato prestado, o chamado “cotão parlamentar” completa dez anos de sua criação no mês de maio.
O ato que criou o cotão na Câmara foi assinado pelo então deputado Michel Temer como reação ao escândalo conhecido como “farra das passagens”, que revelou o uso descontrolado de verba para comprar voos nacionais e internacionais até mesmo para parentes. O esquema, que perdurou de 2007 a 2009, resultou no oferecimento de denúncia contra 443 ex-deputados. Além desses, outros nove inquéritos civis foram abertos por uso irregular da cota ao longo dos dez últimos anos. Nenhum caso foi punido até hoje pelo Congresso ou pela Justiça.
CÂMARA E SENADO – Um levantamento feito pelo Estado revela que até hoje foram reembolsados R$ 2,5 bilhões em despesas de deputados. No Senado, o cotão foi criado em 2011 pelo então senador José Sarney (MDB). O acumulado mostra que os senadores geraram despesas menores, no valor de R$ 300 milhões.
As passagens aéreas seguem no topo do ranking dos pedidos de ressarcimento atendidos pelos deputados. Em dez anos, os deputados receberam da Casa R$ 489 milhões para fazer face a essa despesa. Apesar do volume de recursos, a assessoria da Câmara informou que na década houve redução de 20% da despesa. No Senado, o reembolso com passagens em dez anos soma R$ 50 milhões em valores corrigidos. Também é a maior despesa.
O segundo maior gasto na Câmara é com a divulgação da atividade dos deputados, que custou R$ 410 milhões. Os deputados ainda pediram e receberam ressarcimento de R$ 180 milhões para cobrir despesas com consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos e outros R$ 170 milhões para combustível.
REEMBOLSO – No Senado, as categorias de gastos não são individualizadas. É possível saber que foram reembolsados R$ 61 milhões para despesas com locomoção, hospedagem, alimentação, combustível e lubrificante.
Como se trata de reembolso, na maioria dos casos, os congressistas fazem o pagamento do próprio bolso e recebem o dinheiro de volta mediante apresentação da nota fiscal. Com salário de R$ 33,7 mil, cada parlamentar tem direito a cota que varia, a depender da distância do domicílio, de R$ 30 mil a R$ 45 mil, no caso da Câmara, e de R$ 21 mil a R$ 41 mil no caso do Senado. Em algumas despesas há um teto. Os deputados podem pedir reembolso mensal de R$ 12 mil para aluguel de carro e R$ 6 mil para combustível, por exemplo.
SEM FISCALIZAÇÃO – Uma vez autorizados, os pagamentos não passam por uma análise para comprovar a prestação do serviço. Considera-se que há presunção de boa-fé dos congressistas. Eventuais irregularidades que vierem a público são de responsabilidade do próprio parlamentar. O confronto de notas costuma gerar dúvidas sobre as prestações de serviços.
Entre 2012 e 2013, os então deputados Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) e Lúcio Vieira Lima (MDB-BA) alugaram carros de uma empresa que não tinha nenhum veículo. Os órgãos de controle concluíram que não era possível comprovar a denúncia passados cinco anos.
Em relatório inédito do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pelo Estado, auditores apontam que a Câmara e o Senado em geral “isentam-se de quaisquer responsabilidades pelo conteúdo, licitude ou legitimidade dos gastos”, e a realidade é que as cotas podem ser usadas de maneira ilícita. O processo aberto para apurar irregularidades no cotão está na pauta da próxima terça-feira. “
GASTOS ILÍCITOS – Diz o TCU que os parlamentares aproveitam-se da natureza dos controles e das regras flexíveis e apresentam notas com gastos ilegítimos”, diz o relatório. “Cabe repensar a própria necessidade de existência das cotas parlamentares”, conclui.
O diretor-geral da Câmara dos Deputados, Sérgio Sampaio, disse que é inviável verificar serviços pagos pelos 513 deputados em milhares de municípios. Ele afirmou que a Câmara trabalha para tornar automático o armazenamento digital de notas. A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, afirmou que a área administrativa não tem competência para realizar a fiscalização após realizado o reembolso das cotas. “A maior fiscalização é o cidadão.”