Carlos Chagas
Ponto para José Serra ao admitir o óbvio, ou seja, que se eleito convidará o PT, o PV e outros adversários de hoje para a formação de um governo voltado para as necessidades nacionais. Não anunciou nada de novo. Poderá até não dar consequência à intenção, ou ser rejeitado. Diversos presidentes da República concretizaram essa integração, de Getúlio Vargas a Juscelino Kubitschek e até Itamar Franco. Outros nem tentaram, como Jânio Quadros, Fernando Collor e Fernando Henrique.
O singular na fala de José Serra foi haver saído na frente. Em alguns setores do PSDB houve reação. Afinal, pode ter sido precipitação tornar público o propósito de somar, quando a campanha parece encaminhar-se para a divisão plebiscitária. Ainda mais na presença de Dilma Rousseff, no auditório da Associação Mineira de Municípios.
No Congresso, porém, a disposição do candidato tucano pegou bem. Serviu para desarmar espíritos mais radicais, além de haver contrariado o presidente Lula, para quem as eleições precisam assemelhar-se a uma final de campeonato de futebol, com as torcidas cada vez mais acirradas e agressivas.
Sente-se que depois de reconhecer-se candidato, Serra vem surpreendendo com atitudes e conceitos peculiares. Espera-se a réplica de Dilma na próxima reunião dos candidatos, dia 25, na Confederação Nacional da Indústria, em Brasília. Como em Belo Horizonte, quinta-feira, não será um debate entre os pretendentes ao palácio do Planalto. Eles continuarão respondendo isoladamente as questões postas pelo plenário, sem questionamentos ou indagações entre eles, coisa que apenas acontecerá a partir de agosto, quando começarem os debates nas principais redes de televisão. Mesmo assim, fica impossível que se ignorem.
O governo acabou?
Conhecido por sua agressividade, o deputado Paulo Bornhausen afirmou, na tribuna da Câmara, que o cafezinho já começa a ser servido frio no gabinete do presidente Lula. Acrescentou com humor que, no Congresso, há algum tempo a bebida vem gelada, mas aproveitou para concluir que o atual governo parece não ter mais nada a fazer, exceção de participar da campanha sucessória.
As oposições pretendem desenvolver a tese do parlamentar pelo DEM, de que o governo Lula acabou. Pode não ser verdade, mas a crítica pega feito sarampo. Depois do PAC II, que não saiu da casca, ficou um vazio razoável na administração federal. Falta às contínuas exortações do presidente Lula sobre o Brasil ser outro, algo de concreto, palpável, para anunciar. Sequer uma nova iniciativa no campo social.
De volta à planície
Declarou o Lula que deixar a presidência da República não irá tirá-lo da vida pública. Pretende viajar pelo país, ajudando os companheiros. Deveria atentar para o exemplo do antecessor. Não parece fácil a ex-presidentes manter-se no palco, mesmo nas laterais. Fernando Henrique que o diga. Aceita até fazer palestras em jardins da infância, mas sua influência política caiu a olhos vistos. Caso Dilma Rousseff seja eleita, Lula precisará guardar silêncio para não prejudicá-la. Qualquer opinião que expresse poderá ser tida como crítica. Na hipótese da vitória de Serra, seus horizontes se ampliarão, mas seria bom verificar o fato de que as atuais intervenções do sociólogo despertam cada vez menos as atenções gerais.
Em ponto morto
Imobilizaram-se as articulações para o PT compor-se com seus aliados, em diversos estados. O PMDB recusa-se a ceder espaço nas eleições de governador, o Partido Socialista joga sua sobrevivência em outros, enquanto o PP e o PTB fingem-se de desentendidos, sem avançar um milímetro sequer nos entendimentos para favorecer a candidatura de Dilma Rousseff. Tentam valorizar-se os aliados, pelo menos enquanto a candidata se mantém atrás de José Serra, nas pesquisas. Estamos naquela fase em que tudo pode acontecer, desde nova corrida adesista até o distanciamento ainda maior.
Fonte: Tribuna da Imprenas