Por Abelardo-Fonte: Jornal do Brasil
Quando o presidente do STF se apresenta, sem que ninguém tenha lhe delegado tal função, como artífice de "um novo pacto republicano", estamos diante do quê?
O Judiciário está nu?
Gilson Caroni
SOCIÓLOGO
A discussão entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa pode ser tomada como causa eficiente de uma crise do Judiciário ou, pelo contrário, seria sintoma dos desvios institucionais promovidos pela judicialização da política, com amplo apoio de setores midiáticos?
Ao afirmar que Mendes está "destruindo a credibilidade da Justiça brasileira", Barbosa deflagrou um processo ou desnudou a crise institucional e (de identidade) da mais alta corte dos pais? Independente do caráter notadamente pessoal do embate entre os dois ministros, ele não revelaria a erosão de legitimidade de um Poder que, ao se submeter a imperativos político-partidários, relegou a um plano secundário seu papel constitucional?
Quando o presidente do STF se apresenta, sem que ninguém tenha lhe delegado tal função, como artífice de "um novo pacto republicano", estamos diante do quê? De um magistrado para quem o texto normativo é apenas uma moldura suscetível a várias interpretações ou de um ativista que põe em risco a própria noção de Estado Democrático de Direito?
Gilmar Mendes tem se notabilizado por um sentimento de urgência no que julga ser seu principal papel como magistrado: dar sustentação jurídica às teses da oposição parlamentar no combate ao governo Lula. Mas o faz de forma tão atabalhoada que constrange até mesmo os "bons companheiros".
Nessa empreitada tem sido alvo de crítica até de contumazes articulistas da grande imprensa, uma vez que o primarismo de suas manifestações revela, e expõe ao ridículo, uma estratégia traçada para se manter ativa até 2010. Não foi por outro motivo, que, há algum tempo, o jornalista Elio Gaspari escreveu em sua coluna dominical.
"O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, precisa decidir qual é seu lugar no estádio. Ele pode ficar na tribuna de honra, de toga, lendo votos capazes de servir de lição. Pode também vestir as camisas dos times de sua preferência, indo disputar a bola no gramado. Não pode fazer as duas coisas".
Sempre que, com total apoio de editores e colunistas, Mendes ignora a individualidade harmônica dos Poderes ? como fez com o Legislativo, recentemente, mandando tirar da página da TV Câmara um programa que contrariava seus interesses ? qual a hierarquia de princípios que ilumina suas disposições pessoais? A ideia de uma Justiça que se exerce em nome de toda a nação ou o arcabouço legal que privilegia grupos e estamentos particulares? Ao atacar frontalmente movimentos sociais como o MST, o presidente do Supremo Tribunal Federal age como magistrado ou preposto de velhas pretensões oligárquicas?
Sabemos que as classes dominantes brasileiras gostam de falar uma linguagem liberal enquanto exercem formas autoritárias de governo. Se há de fato uma ação orquestrada desestabilizadora, sua novidade estaria no novo arranjo do poder, com a crescente primazia do Judiciário tentando anular o poder Legislativo e Executivo. Repete-se a história de sempre: os ideais "republicanos" de alguns setores sucumbem aos velhos artifícios autoritários já testados.
A denúncia do ministro Joaquim Barbosa guarda um paralelo com o papel desempenhado pelo menino que revelou a nudez real no famoso conto de Hans Christian Andersen. À sociedade cabe avaliar o papel dos tecelões. Deve lançar um olhar atento sobre tecidos, teares e jogos de espelho com que é construída a democracia brasileira. Ou, muitas vezes, desconstruída.
Sexta-feira, 24 de Abril de 2009
Fonte: CMI Brasil
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