O senador Pedro Simon enviou carta ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, afirmando saber da importância da Corte superior como um dos sustentáculos da democracia. Em discurso no Senado, em fevereiro, Simon se referiu a uma suposta leniência do STF para julgar parlamentares acusados de improbidade.
O discurso levou o presidente do Supremo a enviar uma carta ao senador, rebatendo as afirmações dele. “O Supremo Tribunal Federal tem apreciado com diligência e responsabilidade todos os inquéritos e ações penais a si submetidos por designação constitucional”, disse Gilmar Mendes.
Em resposta ao ministro, Simon disse que reconhece a importância do Supremo e diz que, em sua atuação parlamentar, também tem lutado contra a impunidade. O senador sugeriu que se retomasse uma comissão especial de combate à corrupção na administração pública. Segundo ele, a comissão foi criada no governo Itamar Franco e extinta no governo Fernando Henrique. “Quem sabe pudéssemos envidar, igualmente, todos os esforços para que essa idéia seja recuperada, pois tal Comissão, embora tenha embora tenha fornecido elementos mais que significativos para a ‘construção de um Brasil mais justo e mais ético’, foi extinta pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em um dos seus primeiros atos de governo”, disse.
“Muitas destas idéias já foram aprovadas, como a que dispensa a necessidade da autorização do Congresso para a investigação de parlamentares suspeitos de desvios de conduta, lembrada no início da correspondência de Vossa Excelência”, afirma o senador.
Leia a carta
Senhor Ministro,
A propósito do Ofício nº 85/GP de 20 de fevereiro último e assinado por Vossa Excelência, manifesto, de início, que me senti honrado com a deferência. Devo dizer, inclusive, que, em toda a minha vida pública, no desempenho dos mandatos que me foram delegados, nas urnas, pelo povo do Rio Grande do Sul, se bem me lembro, esta é a primeira vez que recebo manifestação desta ordem da parte de um presidente da Suprema Corte do País, razão do meu envaidecimento.
Meu apreço pelo Supremo Tribunal Federal, assim como por todos os demais órgãos do Poder Judiciário, tem sido recorrente nesta minha travessia política que já passa de cinco décadas. Os anais da Assembléia Legislativa do meu Estado e do Senado Federal são o registro fiel da minha luta pela Justiça, que sempre procurei fosse marcada pela coerência. Por serem repetidas, não haverá dificuldade de encontrar manifestações minhas em defesa da melhor política e da Justiça verdadeiramente justa. Somado o tempo que atuei como Advogado de Defesa, nos Tribunais de Júri, e como Professor Universitário, nas faculdades de Direito e de Filosofia, posso dizer que dediquei minha vida à política e ao Direito. No discurso e na prática.
Concordo com Vossa Excelência quanto à importância do Supremo Tribunal Federal como um dos sustentáculos da democracia. Vossa Excelência afirma, apropriadamente, que este Tribunal “assegura a estabilidade das instituições e do regime democrático”, e que “o Supremo vem a ser a própria representação da legalidade, da ordem institucional, representação esta de extrema importância, a influenciar diretamente no dia-a-dia da população como um todo”.
Afinal, todos nós vivemos tantos anos de arbítrio, período em que lutamos – muitos com o sacrifício da própria vida – pela democracia, regime no qual os Tribunais não são, nem se assemelham, aos “simulacros de cortes instaladas em regimes totalitários”, como bem afirma Vossa Excelência, na mesma citada correspondência.
A luta pela democracia, pela justiça e contra a impunidade tem marcado a minha atuação no Parlamento. Em nenhum momento deixei de valorizar, como dever constitucional, a harmonia entre os Três Poderes.
Lembro, a propósito, da “Ação Conjunta dos Três Poderes Contra a Impunidade”, que se desenvolveu no início da década de noventa, com a participação dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, além do Procurador Geral da República e do Ministro da Justiça.
Como idealizador de tal ação, participei de todas as discussões, que redundaram no documento que lhe encaminho, anexo, com as leis aprovadas, entregues ao Senhor Presidente da República, Doutor Itamar Franco, em 09 de novembro de 1993. Quem sabe pudéssemos, inclusive, reeditar essa idéia, no momento em que a questão da impunidade está presente nas discussões, não só nos Três Poderes, como na imprensa e no mesmo “dia-a-dia da população”.
Vale, também, a lembrança da Comissão Especial, criada pelo Decreto nº 1.001, de 06 de dezembro de 1993, assinado pelo então Presidente Itamar Franco, com o objetivo de investigar e de propor medidas de combate ao uso indevido de recursos públicos. Dela participaram os mais significativos representantes da sociedade brasileira.
O Presidente dessa Comissão, Romildo Canhim, então Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Administração Federal, de próprio punho no relatório sob o título “A Comissão Especial e a Corrupção na Administração Pública Federal”, que também lhe encaminho, assim me dedicou: “Eis aqui uma parte do resultado do trabalho que o Sr. inspirou. A Comissão Especial, de sua idealização, deixa um legado que certamente muito contribuirá para a construção de um Brasil mais justo e mais ético e, por isso mesmo, mais honrado.”
Quem sabe pudéssemos envidar, igualmente, todos os esforços para que essa idéia seja recuperada, pois tal Comissão, embora tenha fornecido elementos mais que significativos para a “construção de um Brasil mais justo e mais ético”, foi extinta pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, em um dos seus primeiros atos de governo.
Também merecem destaque as discussões promovidas pelo Senado Federal, a partir de requerimento de minha autoria, sobre a “Operação Mãos Limpas”, levada a efeito na Itália. Para cá vieram os procuradores Piercamillo Davigo e Paolo Ielo, que debateram, à exaustão, a experiência de combate à corrupção naquele país. Muito do que foi discutido serviu de base para a legislação que se seguiu, embora se saiba que ainda há muito a realizar.
Tenho levado à Tribuna do Senado Federal e consubstanciado nos meus projetos de lei muitas outras idéias de combate à corrupção e, para mim causa principal, à impunidade. Muitas destas idéias já foram aprovadas, como a que dispensa a necessidade da autorização do Congresso para a investigação de parlamentares suspeitos de desvios de conduta, lembrada no início da correspondência de Vossa Excelência.
Foram dez anos de luta, enfim vitoriosa. Dali em diante, qualquer impunidade na investigação destes atos lesivos à confiança da população deixou de ser debitada na conta do Parlamento que, inclusive, já “cortou a própria carne”, cassando mandatos de seus integrantes e afastando, por vias constitucionais, um Presidente da República, fato inédito na nossa história.
Em 2008, o Senado Federal aprovou projeto de lei de minha autoria, que atualiza a Lei nº 9.613/98, mais conhecida como Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro. Com a alteração proposta, teremos o que se pode considerar, a meu ver, uma "lei de terceira geração”, que se consubstanciará em um dos instrumentos legais mais modernos e severos no combate desse ilícito.
Propus, ainda, o fim do inquérito policial, fortalecendo o Ministério Público e, ao mesmo tempo, garantindo maior agilidade à Justiça. O inquérito, nos moldes atuais, é uma peça limitada à esfera da polícia.
Ainda em discussão, e não menos com reiterados debates, a minha proposta de prioridade absoluta para o julgamento de processos, no Judiciário, contra candidatos a mandatos públicos. Esses mesmos processos terão que ser julgados, necessariamente, antes das respectivas posses. Isso, se as candidaturas já não tiverem sido impugnadas, por não terem os candidatos a chamada “ficha limpa”, idéia igualmente em debate.
O Senado Federal já aprovou e encaminhou para a Câmara dos Deputados três importantes projetos de lei que apontam no sentido da reforma política tão almejada: o financiamento público de campanhas eleitorais, a partir de iniciativa de minha autoria; o fim das coligações nas eleições proporcionais; e a instituição da fidelidade partidária.
Neste mesmo contexto, foro privilegiado, imunidade parlamentar e outros instrumentos, hoje legais, deverão deixar de se constituir em subterfúgios para a impunidade no tratamento do gasto público.
São estas, Senhor Ministro, algumas das ações que, no meu modesto julgamento, poderiam mudar o discurso anti-impunidade que já toma conta das preocupações da sociedade brasileira. Essa mesma sociedade cobra-nos, diariamente, as razões que levam ao fato de que nenhum parlamentar, por exemplo, como bem demonstram os dados fornecidos por Vossa Excelência na referida correspondência, tenha sido condenado até a presente data, embora a mídia noticie, constantemente, contumazes deslizes de conduta com o dinheiro público.
São estas as razões que me levam a concordar com Vossa Excelência no sentido de que “ilações reducionistas não favorecem o concerto institucional entre os Poderes da República, indo de encontro ao sentimento de cidadania dos brasileiros”. Coerente no discurso e na prática, como testemunham os Anais do Senado Federal, tenho trabalhado por esse mesmo concerto, preceito constitucional, como já disse, da independência e da harmonia entre os poderes.
Atenciosamente,
Pedro Simon
Senador
Fonte: Conjur
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