Por: Helio Fernandes
O Congresso verdadeiramente popular do Rio, as mordomias de Brasília
A instalação da Constituinte em 31 de janeiro de 1946 foi uma festa, como disse Hemingway de Paris em 1920. Eram apenas 17 jornalistas credenciados, 243 deputados, 44 senadores. 2 por estado, na época 21, e mais o Distrito Federal. O número de senadores, razoável, o de deputados mais do que exagerados.
De 31 de janeiro a 18 de setembro (promulgação da Constituição, a primeira verdadeira da nossa história) Câmara e Senado, funcionavam juntos no belo Palácio Tiradentes. De onde o herói nacional saiu para ser esquartejado.
O Tiradentes era histórico, mas muito pequeno, ninguém reclamava. O plenário tinha apenas três microfones (um na direita, um no centro e outro na esquerda, como aconteceu no Parlamento da França, no início da República) e mais um na tribuna, ocupado por grandes figuras, que infelizmente desapareceram.
Os duelos verbais, Afonso Arinos-Capanema, Lacerda-Vieira de Mello, Oscar Dias Corrêa-Armando Falcão, não têm semelhança com o que acontece em Brasília. Carlos Lacerda foi o maior orador parlamentar que conheci e ouvi, mas o mais extraordinário discurso já pronunciado em plenário foi o de Afonso Arinos (ainda deputado e não Constituinte), em 22 de agosto de 1954. 24 horas antes de Vargas, acuado e acusado, se matar, liquidando a oposição, que até aquele momento liquidava-o.
O plenário era em hemicírculo (também como na Assembléia Nacional, como chamavam na França), a Mesa da Constituinte, majestosa. Os jornalistas ficavam dentro do plenário, na Constituinte eram 17, incluindo este repórter. (O único jornalista vivo e 2 parlamentares que resistiram.)
O maior nome do que se chamava "bancada da imprensa" era sem dúvida Prudente de Moraes, neto, que merecia na época, e até hoje, a identificação como dos maiores personagens brasileiros. Podíamos andar e ir ao plenário enquanto a sessão não começava.
Também credenciados: Lacerda, que fazia a segunda página do "Correio da Manhã", intitulada, "da tribuna da imprensa", depois nome do jornal. Rafael Corrêa de Oliveira, mais tarde deputado pela Paraíba. Osorio Borba, deputado por Pernambuco. Otavio Costa, que fundaria o "Semanário", de grande presença na vida política.
O plenário não dava para todos, a não ser depois de terminada a Constituinte. Aí os senadores foram para o histórico Palácio Monroe, destruído pelo "presidente" Geisel, c-r-i-m-i-n-o-s-a-m-e-n-t-e.
Os deputados ficaram no Tiradentes, sem mordomia, euforia ou hipocrisia. Sem anexos, sem gabinetes individuais ou coletivos, sem carros, sem 2 diretores para cada senador ou deputado. E a eficiência, presença e competência, total.
Não existiam deputados e senadores com 2 ou 3 gabinetes. Ninguém tinha carro oficial (ou mesmo particular), apartamentos funcionais? Nem falar. Quase todos moravam no Rio, mas precisavam viajar aos seus estados, com passagens pagas por eles mesmos.
O presidente da Câmara, do Senado ou do Supremo Tribunal não tinham casas luxuosas (de graça), em locais privilegiados. Moravam como qualquer cidadão, andavam na rua, sem medo e sem segurança. O relacionamento dos parlamentares (e ministros) com jornalistas, inteiramente diferente. Quase sempre se limitava às sessões, pouquíssimos se encontravam fora dali.
O Palácio Tiradentes, no segundo andar, tinha apenas três salas destinadas às reuniões partidárias. Eram praticamente 3 partidos, PSD, UDN e PTB, este vinha surgindo. Quando havia reunião maior, não dava para fechar as portas.
Os salários eram inexpressivos, mordomia não havia nenhuma. A Constituinte tinha apenas UM DIRETOR ADMINISTRATIVO. E UM DIRETOR JURÍDICO, doutor Otto Prazeres, jurista mesmo.
181 ou 186 DIRETORES como hoje era inimaginável, que palavra. Terminada a Constituinte, promulgada a Constituição, houve eleição em 19 de janeiro de 1947. Era para governadores dos 21 estados e o Distrito Federal. Mas "enxertaram" a eleição de mais um senador. Eram dois (Rui repetiu a Constituição dos EUA), passaram a 3, foram para 66.
A Constituinte de 1988 criou mais 5 estados (certíssimo), os senadores aumentados para 81. Quer dizer, um terço é da imoralíssima "consagração" de suplentes, sem votos, sem povo, sem urnas.
De 1946 até 21 de abril de 1960, frequentei a Câmara e o Senado, diariamente. E também a melhor Câmara Municipal que o então Distrito Federal já elegeu. 50 vereadores: 19 do Partido Comunista, 12 da UDN, 11 do PTB. Grandes nomes começaram ali, que espetáculo.
Quando comecei a fazer coluna e artigo diário, no "Diário de Notícias" a partir de 1956 (fui o primeiro e único a não ser Ibrahim Sued, que fazia coluna social, na época um luxo) passava pelas 3 "casas". Com uma única exceção: ia à sede da José Olimpio, onde tomava suco de maracujá com os maiores escritores, todos exclusivos do grande José Olimpio.
PS - Anunciam o corte de 50 diretores. Ainda ficarão 131. Pelo menos 120 sem função, mas com todos os privilégios, favorecimentos e benefícios. Tem diretor com BMW, que diz, "eu gostaria mesmo de ter uma Ferrari". Como o "ministro" Lobão.
Continuarei a mostrar a degradação e a afronta que veio com Brasília. Foi a catástrofe e a desgraça da vida pública, desmoralização irrefutável, irrecusável, irretratável.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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