Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Por incrível que pareça, o exemplo começa a vir de cima. Barack Obama baixou decreto determinando que os diretores e executivos das empresas beneficiadas com recursos do tesouro americano para enfrentar a crise econômica não poderão receber mais do que 500 mil dólares por ano, cada um. E a qualquer título, quer dizer, somando-se vencimentos, gratificações, comissões, participação nos lucros e bonificações.
Mais ainda: pagarão pelas despesas se morarem em casas malandramente pertencentes às empresas, se utilizarem automóveis, aviões e lanchas colocados em nome de pessoas jurídicas ou até mesmo em se tratando dos salários de motoristas, mordomos, cozinheiras e serviçais domésticos postos à disposição deverão arcar com tudo, dentro dos 500 mil dólares. Vale o mesmo até para compras de mantimentos, viagens, vestuário, roupas e presentes doados a quem quer que seja.
Caso não se acomodem a essas regras, as empresas não receberão ajuda do governo dos Estados Unidos e se forem flagrados burlando o decreto os diretores pagarão multa e as empresas perderão a ajuda. Afinal, 500 mil dólares por ano fazem a festa de qualquer família, mesmo as mais aristocráticas e pretensiosas. Serão mais de 40 mil dólares por mês.
Terá o presidente Lula coragem para adotar essa solução por aqui? Não que vá resolver a crise em que se encontram as empresas, mas, ao menos psicologicamente, ajudaria muito. Se os megaempresários podem demitir a torto e a direito seus trabalhadores, deveriam ao menos estar sujeitos a postulados capazes de fazê-los sentir um mínimo de sacrifício. Não passarão a comer quentinhas, nem comprar comida a quilo, muito menos hospedar-se em pensões ou andar de ônibus e metrô, mas sentirão quanto custa o luxo e quanto ele pesa no orçamento de suas empresas. Porque ser dono do capital é importante, mas não transforma ninguém em rei. Sem o trabalho, nada feito.
Para impedir as demissões em massa e para que as empresas retomem suas atividades na plenitude, é preciso muito mais do que cortar mordomias, mas, para começar, trata-se de um belo exemplo dado por Barack Obama. Quem sabe, por aqui, pudesse ser estabelecida uma condição, mas importante: como sugere a voz solitária do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que tal reforçar o cofre das empresas desde que elas se comprometam a não demitir mais?
Quebrando a cara
Declarou o presidente Lula que os pessimistas vão quebrar a cara muito antes de o Brasil quebrar. Insurgia-se contra quantos alertam para os perigos da crise econômica e a farra das elites, mas deixou no ar uma dúvida: pode existir escalonamento na quebradeira tanto de caras quanto de empresas? Tanto faz se primeiro serão engessadas as cassandras e, depois, os ossos da economia quebrada. O resultado final será o mesmo.
Teste de firmeza
A partir da eleição de José Sarney para a presidência do Senado e de Michel Temer para a Câmara, muita gente começou a celebrar, em Brasília, a morte do terceiro mandato. O presidente Lula não quer, dizem, mas, mesmo se quisesse, os novos comandantes do Congresso inflariam o peito, desembainhariam as espadas e entoariam hinos à liberdade e à democracia, impedindo a tramitação de emendas constitucionais capazes de permitir mais uma reeleição do chefe do governo.
É bom tomar cuidado. Alguém se lembra de qualquer reação dos dois parlamentares quando, nos idos de 1997, a quadrilha de Fernando Henrique Cardoso atropelou as instituições e obteve do Congresso a reeleição para um segundo mandato no exercício do primeiro, quando o sociólogo havia sido eleito apenas para um período?
Tratou-se de um golpe de estado, de um abominável expediente para que os então donos do poder continuassem montados nele. Tanto Sarney quanto Temer aplaudiram, bafejados pelas migalhas do banquete tucano.
Seria diferente agora? Só se o PMDB dispuser de um candidato em condições de vencer a eleição presidencial ou, em paralelo, se Dilma Rousseff ou José Serra deixarem de prometer participação milionária dos peemedebistas no poder. Ainda mais: se o processo político encaminhar-se para a permanência do presidente Lula no governo por mais um mandato, como se encaminha, e se as perspectivas forem de todos os aliados continuarem onde estão, Temer e Sarney ousariam levantar argumentos éticos e democráticos para impedir a lambança?
Pretextos emergirão de todos os lados. Com crise ou sem crise o PMDB precisará definir-se, valendo a máxima milenar de que melhor parece dispor de um pássaro na mão do que dois voando...
Jabuti no alto da forquilha
Dizia o senador Vitorino Freire, senão inimigo, o maior desafeto de José Sarney, que quando o caboclo vai andando pela estrada e vê um jabuti engastado no alto de um galho de árvore passa ao largo em silêncio e procura afastar-se o mais depressa possível. Porque jabuti não sobe em árvore, sinal de que alguém o colocou ali, sabe-se lá com quais intenções...
A imagem do saudoso parlamentar maranhense emerge desse nevoeiro em que se transformou a luta política por razão muito simples: o que significa a permanência do experiente José Sarney, posto lá no alto da forquilha, olhando os caboclos passarem?
O ex-presidente é dado a videntes e a astrólogos, desde os tempos de dona Maria do Correio, de Araxá. Jovem deputado, Sarney fazia parte do pelotão que seguia Magalhães Pinto, então governador de Minas. No intervalo entre duas inaugurações, em 1962, José Aparecido de Oliveira e Otto Lara Rezende convenceram o governador e a comitiva a visitarem dona Maria, uma vidente humilde, mas famosa, que vivia numa casinha ao lado do prédio dos Correios. Ela se expressava mais por gestos do que por palavras. Diante de Magalhães e amigos, Aparecido tomou conta do espetáculo. Indagou, por diversas vezes a dona Maria quem, entre seus visitantes, seria presidente da República.
Ela custou, mas começou a apontar com o indicador da mão direita para Sarney. Do espanto passou-se ao constrangimento, apesar de Aparecido, por mais de uma vez, haver desviado o dedo da vidente no rumo do governador. Não adiantava, ela voltava a apontar para o deputado, que não se continha mais de embaraço.
Saíram todos e ninguém falou nada, a começar por Sarney, quase pedindo desculpas pelo que teria sido um grande equívoco de dona Maria.
Pois não foi. Magalhães morreu sem poder concretizar o grande sonho de sua vida. E Sarney, lá no fundo, sempre teve certeza de que seria presidente da República.
Agora, no alto da forquilha, sabe muito bem quem o colocou lá. E espera, com paciência, a concretização de mais um vaticínio que nem a Marly conhece qual é. Há quem diga que outro vidente, faz muito tempo, completou dona Maria: "Duas vezes, Sarney, duas vezes...".
Fonte: Tribuna da Imprensa
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