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segunda-feira, outubro 13, 2008

A mais urgente reforma

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - No Congresso, com a reabertura dos trabalhos, depois do primeiro turno das eleições municipais, deputados e senadores continuam discutindo, debatendo e anunciando as reformas políticas. Salvo engano, são apenas retóricas, porque votar, mesmo, ninguém vota a fidelidade partidária, a limitação do número de partidos políticos, o financiamento público das campanhas, o fim da reeleição e outras necessidades urgentes.
Agora tem um problema: a mais urgente das reformas não é política, mas do Judiciário. A Justiça, no Brasil, continua lenta, andando a passos de tartaruga. Da mesma forma, continua sendo uma justiça cara, aberta apenas aos que tem dinheiro.
Existem ações que levam dez, quinze até vinte anos, sem solução. A ironia está em que, quem tem dinheiro, consegue paralisar a Justiça e empurrar com a barriga ações variadas, deixando de pagar centenas de milhões, enquanto o coitado que deixou de pagar uma prestação da geladeira geralmente é condenado.
Tome-se o que acontece na Justiça do Trabalho, com muita freqüência. Um determinado grupo ou até um par de aventureiros compra, por exemplo, uma rede de televisão que andava falida. A dupla obtém do governo, sabe-se lá porque meios, a transferência da concessão que só poderia acontecer com o aval do Congresso.
Deveriam ter comprado tudo, ou seja, o ativo e o passivo. Mas esses malandros ficam com o faturamento e entregam as dívidas à Justiça. E para início de conversa, a Justiça do Trabalho deixa escoarem anos a fio sem obrigá-los a saldar as dívidas trabalhistas, devidas às quantas centenas de funcionários trabalharam anos a fio e foram garfados, demitidos sem receber um centavo de indenização. Pior do que isso vem agora o Superior Tribunal de Justiça e aplica a nova Lei de Falências, permitindo que os compradores da suposta "parte boa" não tenham obrigações com a "parte podre". Não estão mais obrigados a indenizar os trabalhadores.
A lei, como quase toda lei, é feita pelos poderosos. Serve apenas para beneficiá-los: já não podiam ir à falência por conta de dívidas trabalhistas. Agora, não precisam sequer responder por elas. O lobisomem que pague as indenizações, porque eles continuarão vivendo como nababos. Um dono de botequim vai à desgraça, se não pagar as galinhas que comprou e não conseguiu pagar. Magnatas da mídia, não. Esse exemplo que estamos dando não é retórico nem figurado. É real. Em respeito à Justiça, apesar de tudo, não é o momento de fulanizar ninguém. Mas todo jornalista sabe do que estamos divulgando...
A agonia do neoliberalismo
Vale, por um dia, começar além da política nacional, arriscando um mergulho lá fora. O que está acontecendo no Hemisfério Norte, onde bancos estão falindo, cidadãos sendo despejados de suas casas, economias desmanchando-se como sorvete e, last but not least, magnatas conseguindo salvar suas fortunas e mandando a conta para a classe média e o povão? Logo, como em 1929, multidões ganharão as ruas, enfrentando a polícia e depredando tudo o que encontram pela frente. Tornarão impossível a vida do cidadão comum, instaurando o caos. Por quê?
É preciso notar que esse protesto anunciado começará com a inadimplência, mas logo chegará à fome, à miséria e à doença.
Não dá mais para dizer que essa monumental revolta prevista com data marcada é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado. O comunismo acabou. Saiu pelo ralo. A causa do que vai ocorrendo repousa precisamente no extremo oposto: trata-se do resultado do neoliberalismo. Da conseqüência de um pérfido modelo econômico e político que privilegia as elites e os ricos, países e pessoas, relegando os demais ao desespero e à barbárie.
Fica evidente não se poder concordar com a violência. Jamais justificá-la. Mas explicá-la, é possível. Povos de nações e até de continentes largados ao embuste da livre concorrência, explorados pelos mais fortes, tiveram como primeira opção emigrar para os países ricos. Encontrar emprego, trabalho ou meio de sobrevivência.
Invadiram a Europa como invadem os Estados Unidos, onde o número de latino-americanos cresce a ponto de os candidatos a postos eletivos obrigarem-se a falar espanhol, sob pena de derrota nas urnas. O problema é que serão os primeiros a sofrer. Perderão empregos, bicos e mesmo o direito de pedir esmola.
Preparem-se os neoliberais. Os protestos não demoram a atingir as nações ricas. Depois, atingirão os ricos das nações pobres. O que fica impossível é empurrar por mais tempo com a barriga a divisão do planeta entre inferno e paraíso, entre cidadãos de primeira e de segunda classes. Segunda? Última classe, diria o bom senso, porque serão aqueles a quem a conta da crise será apresentada.
Como refrear a multidão de jovens sem esperança, também de homens feitos e até de idosos, relegados à situação de trogloditas em pleno século XXI? Estabelecendo a ditadura, corolário mais do que certo do neoliberalismo em agonia? Não vai dar, à medida que a miséria se multiplica e a riqueza se acumula. Explodirá tudo.
Fica difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil. Hoje, apesar de toda a propaganda oficial, 55 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse obsceno salário mínimo. O governo Lula, eleito precisamente para mudar, manteve e até piorou a situação. Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários.
Isso para quem consegue mantê-los, porque o desemprego cresceu. São 18 milhões de desempregados em todo o País, ou seja, gente que já trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha, jovens que todos os anos entram no mercado sem nunca ter trabalhado.
Alguns ingênuos imaginam que o bolsa-família e sucedâneos resolveram tudo, mas o assistencialismo só faz aumentar as diferenças de classe. É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico. São exemplos da exceção, jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões continuam na miséria.
Seria bom o governo Lula olhar para o Hemisfério Norte e sentir que a crise econômica não demora tornar-se social. O rastilho foi aceso e vai pegar.
A globalização tem, pelo menos, esse mérito: informa em tempo real ao mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião. Os que nada têm a perder já eram maioria, só que agora se encontram prestes a adquirir consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de "basta", "chega", "não dá mais para continuar".
Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução. O passado não está aí para que o neguemos, senão para que o integremos. É o nosso maior tesouro, na medida em que não nos dirá o que fazer, mas precisamente o contrário: dirá sempre o que evitar.
Evitar, por exemplo, entregar bilhões para os cassinos em decomposição e para os especuladores que se imaginam a salvo da tempestade.
Fonte: Tribuna da Imprensa

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