Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Uma das regras básicas do jornalismo é a de o jornalista não brigar com a notícia. Evitar que sua opinião pessoal influa na informação a ser divulgada, se acorde com os princípios de precisão e veracidade.
Pois a notícia, hoje, começa num vôo da Força Aérea Brasileira, de Brasília para Manaus, poucos meses atrás. Como passageiro principal ia o vice-presidente José Alencar no desempenho de áspera missão. Representava o presidente Lula nos funerais do senador Jefferson Peres, falecido na véspera.
Um interlocutor daqueles de rara percepção política, sentado à frente do vice, trocava idéias com ele a respeito do futuro. Em dado momento, analisando a sucessão de 2010, surpreendeu José Alencar ao sugerir singular montagem para a preservação do poder pelos que o detêm na hipótese de Dilma Rousseff não decolar como candidata. Vale reproduzir a parte fundamental do diálogo:
"Por que não uma chapa com o senhor para presidente e o Lula para vice?" "Mas pode?" "Pode". Não há nada que impeça, na Constituição, pois não se trata de reeleição para o mesmo cargo, pela segunda vez. Desde que se desincompatibilizem seis meses antes. À mesa encontrava-se o senador Pedro Simon, que comentou: "Poder, pode sim."
Eis aí um fato novo, daqueles surrealistas, mas factíveis, havendo vontade política e, reconheçamos, um pouco de desfaçatez. A chapa seria imbatível na medida em que se valeria da popularidade do presidente Lula, um futuro vice capaz de desempenhar boa parte das funções que desempenha na chefia do governo, por delegação do novo presidente.
Ignora-se quando José Alencar levou a especulação ao presidente Lula, mas levou. E até com um derivativo: caso Dilma Rousseff permaneça mesmo sem chances aparentes, estaria o presidente Lula disposto a concorrer como vice da sua candidata? Vitória garantida, sem dúvida. Quatro anos depois, Lula poderia disputar outra vez o Palácio do Planalto, com direito à reeleição.
Estaríamos no mundo da lua? Uma armação desse tipo beiraria as raias da loucura? No reverso da medalha, para manter o poder vale tudo? É bom botar na geladeira essas duas projeções, para posterior conferência. Mas que pode, pode...
Aloprados, segundo tempo
A ala dissidente do PT do Rio de Janeiro tomou a iniciativa de denunciar e protestar: os dirigentes do partido pagaram um dinheirão para imprimir três milhões de panfletos, que começaram a distribuir, denegrindo a imagem de Fernando Gabeira.
Uma baixaria no mesmo nível daquela de 2006, em São Paulo, quando também a peso de ouro o PT comprou um dossiê mentiroso contra José Serra. Os companheiros paulistas foram chamados de aloprados, pelo presidente Lula, sendo que a manobra saiu pela culatra, pois Serra elegeu-se governador.
Os panfletos cariocas dão nojo e certamente contribuiriam para vitória tranqüila de Gabeira, se tivessem sido totalmente distribuídos. Acusam o candidato de haver apresentado na Câmara projetos que favoreceriam a corrupção, a prostituição, o tráfico de mulheres e até a exploração sexual de menores.
É claro que as propostas de Gabeira, todas por sinal dormindo em alguma comissão técnica, não exprimiam nada disso. Apenas, tentavam minorar as agruras de quantas se dedicam a mais antiga profissão do mundo. O material felizmente apreendido pela Justiça Eleitoral é um lixo, daqueles dignos da lavra não apenas de aloprados, mas de depravados. Aguardam-se iniciativas processuais penais contra os responsáveis pela solerte ação de desespero.
Para demonstrar que além das eleições, nem tudo está perdido para o PT, no Rio, e em São Paulo, importa lembrar o gesto ético do senador Eduardo Suplicy. Procurado por uma doida recalcada que oferecia material ligando Eduardo Kassab ao ex-marido Celso Pitta, o senador não vacilou. Pediu que dona Nicéia se retirasse de sua presença e da tentativa de conspurcar a campanha de Marta. Esta, pelo que se sabe, apoiou a iniciativa do também ex-marido.
Entrosamento
A tentação é grande. No caso, de juntar os temas das duas notas acima. Ambas exprimem que para manter ou conquistar o poder, os companheiros não tem limite. O Brasil ofereceria ao mundo imenso ridículo, imitando a Rússia e batizando o Lula de Wladimir Putin, aquele que passou de presidente a primeiro-ministro e continua mandando. Ao mesmo tempo, se para ganhar uma eleição de prefeito vale editar panfletos indecentes, o que se deverá esperar do PT diante de uma eleição presidencial? Será tudo hipócrita, manobra da imprensa?
Fonte: Tribuna da Imprensa
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