Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Se comparecer, hoje, à Polícia Federal, em São Paulo, Daniel Dantas dirá o quê, convocado que foi para prestar depoimento sobre evasão e lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, formação de quadrilha, tentativa de corrupção de autoridade pública e outras acusações?
De duas, uma. Alegará o direito de não produzir provas contra ele mesmo, ficando calado, ou responderá apenas que nada daquilo de que o acusam é verdadeiro. Mesmo especializados em interrogatórios, os delegados da Polícia Federal ficarão de mãos amarradas. O depoimento, ainda que durando horas, será anexado aos autos do processo já aberto como uma folha em branco.
A conseqüência do último capítulo dessa novela de horror seria cômica se não fosse trágica: continuará tudo como antes. As filigranas legais, os recursos embutidos no Código de Processo Penal e sucedâneos permitirão, como têm permitido, que réus como ele permaneçam em liberdade e, mais, envolvidos nas mesmas práticas criminosas de sempre. Numa palavra, enriquecerá mais ainda. E sorrirá com aquele ar de superioridade que o separa do cidadão comum.
Durante décadas ouvimos exortações pela urgência da reforma do Judiciário. Em nome dela, até barbaridades aconteceram, como aquela do general Ernesto Geisel, presidente da República, que chegou a fechar o Congresso para poder editá-la. Não adiantou nada, como pouco adiantaram os arremedos de mudanças efetivadas de lá para cá.
A impossibilidade de serem punidos os chamados ladrões de colarinhos brancos, como demonstram sucessivos exemplos, faz despertar uma exigência nacional. Em nome dos seus direitos individuais, não dão para acobertar e premiar aqueles que, como Daniel Dantas, tripudiam sobre os direitos da nação inteira, colocando em frangalhos a economia e as finanças. Porque eles metem a mão nos dinheiros públicos, burlam o fisco e enriquecem cada vez mais.
Esperar que o Congresso promova a verdadeira reforma do Judiciário será exigir demais. Afinal, há quanto tempo deputados e senadores cruzam os braços? Sem falar que considerável parte deles forma na chamada "bancada do Daniel", ajudados nas campanhas, para dizer o mínimo. Poderia a ansiada mudança ser adotada por medida provisória?
Afinal, urgente e relevante torna-se a necessidade de alterar as regras do jogo para permitir que não apenas os ladrões de galinha acabem parando na cadeia. Teria o presidente Lula condições e vontade política para essa reviravolta?
A verdade é que cada vez mais se deterioram as instituições, às vezes até ajudadas pelos que deveriam zelar por sua preservação. Tornam-se, senão cúmplices, ao menos colaboradores do crime.
"Esperamos que ele fique"
Nenhum comentário serve tanto para mostrar a falência das instituições quanto aquele feito ontem pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao dizer esperar que Daniel Dantas fique no Brasil para provar sua inocência. Significa que se o banqueiro quiser, encontrará meios para refugiar-se no estrangeiro, sem que o poder público possa fazer nada. Ainda há pouco Salvatore Cacciolla fez o mesmo, como tem feito muito mais gente.
O grave na história é que ficar ou fugir só depende de Daniel Dantas, a ponto de o ministro da Justiça empregar o verbo "esperar". A esperança é subjetiva, depende de fatores alheios a quem espera. Esperamos ganhar na mega-sena, esperamos ir para o céu, esperamos a felicidade...
Aqui para nós, não era essa a democracia um dia sonhada por Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Mário Covas e outros artífices de um regime que em poucos anos diluiu-se na corrupção e na complacência. Tomara que ninguém venha a se lembrar com saudade dos tempos da "gloriosa".
À espera do gesto que mata
Nos idos de 1937, estavam marcadas eleições presidenciais e até disputavam as preferências nacionais Armando de Salles Oliveira, pela oposição, e José Américo de Almeida, pelo governo. O País inteiro desacreditava do processo democrático, do que mais se falava e muito se previa era o golpe dado de cima para baixo, pelo então presidente constitucional, Getúlio Vargas. Em novembro, os dois candidatos chegaram a redigir um manifesto buscando salvar as instituições. No último parágrafo, dirigiam-se às Forças Armadas, à espera "da palavra que salva ou do gesto que mata".
Veio o gesto, porque tanto no Exército quanto na Marinha prevalecia o sentimento golpista. Porque, guardadas as proporções, volta a reunir-se o Supremo Tribunal Federal na primeira semana de agosto. Serão examinados os habeas-corpus concedidos durante o recesso, a começar pelos dois que o ministro Gilmar Mendes assinou em favor de Daniel Dantas.
Tem, o plenário da mais alta corte nacional de justiça, a prerrogativa de cassar os recursos favoráveis ao banqueiro, restabelecendo a prisão determinada pela primeira instância judiciária. Como, no reverso da medalha, poderão os doutos julgadores concordar com a iniciativa de seu presidente. Neste caso, o gesto servirá para matar a esperança de que a Justiça, afinal, é aquela que tarda, mas não falha. A palavra ficará para as calendas...
Vão até o fim ou saltam fora
Conhecidos os resultados das eleições de outubro e analisado o peso dos partidos à luz de seu desempenho, deverá o presidente Lula promover mudanças no ministério. Claro que também aproveitará para dispensar ministros de performance discutível, compondo a melhor equipe possível e capaz de ir com ele até o último dia de seu mandato, se for a 31 de dezembro de 2010. Se vier a ser esticado por mais quatro ou cinco anos, certamente determinará nova revisões.
O que parece fora de dúvidas é que essa reforma implicará em alguns compromissos. Por exemplo: os ministros cotados para continuar terão a prerrogativa de candidatar-se às eleições de 2010 ou deverão ser liminarmente degolados, para não levar o presidente Lula a promover nova reforma, no começo daquele ano?
Cada agonia no seu tempo, diz o Eclesiastes, mas tem gente desde já preocupada. Continuar ministro ou ficar solto no espaço durante 2009? Ou, se for possível, as duas hipóteses?
Fonte: Tribuna da Imprensa
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