Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Se dependesse de boa parte de deputados e senadores, as férias parlamentares teriam começado segunda-feira. Como os trabalhos prolongam-se até o dia 18, muitos parlamentares são flagrados andando na ponta dos pés, esgueirando-se pelos corredores e evitando passar pela porta das salas de imprensa.
O motivo? O motivo tem nome, carteira de identidade, telefone e endereço, ainda que pelo menos até ontem obrigada à súbita e forçada mudança, passando da Avenida Vieira Souto, no Rio, para uma cela na Polícia Federal, em São Paulo. Chama-se Daniel Dantas, banqueiro que costumava referir-se a seus amigos políticos como "a minha bancada".
Quantos deputados e senadores Daniel Dantas ajudou, tendo sido também ajudado, nos últimos dez anos? Fica difícil calcular, em especial porque, hoje, a maioria deles é capaz de jurar jamais ter visto o personagem. A ingratidão parece própria da Humanidade, mas, em se tratando de políticos, bate todos os recordes.
O homem é polivalente, porque suas ligações estendem-se a muitos partidos, do DEM ao PT, passando pelo PSDB, o PMDB, o PTB, o PP e outros. Sua participação no mensalão foi subsidiária, ainda que consistente, mas muito antes já se movimentava também junto a ministros do governo Fernando Henrique e, depois, do governo Lula.
Daniel Dantas é um produto do meio, jamais artífice. Aproveitou-se da fase das privatizações desmedidas e não parou mais, sempre enriquecendo mais no dia seguinte do que na véspera. Sem políticos e sem tecnocratas, não chegaria aonde chegou, tanto por sua fortuna quanto por sua recente prisão. Ninguém duvida de que em poucos dias, até horas, voltará à liberdade, se é que ainda não voltou. Mas não existiria como potentado financeiro caso não recebesse auxílio de políticos e de governantes, que obviamente também ajudou. E como...
Bem diferente é outro dos detidos pela Polícia Federal, Naji Nahas, favorito na disputa pela medalha de ouro destinada aos cidadãos que mais deram prejuízo ao País.
Megaespeculador, foi responsável pela falência da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, não tendo limite o quanto manipulou em matéria de dólares, euros e outras moedas, sempre à custa do real. Solitário, faz parte daquela fauna de especuladores que jamais forjaram um parafuso ou contribuíram para a criação de um único emprego. Apesar de apresentar-se como empresário, em momento algum de sua trajetória preocupou-se com o semelhante.
Quanto ao terceiro dos muitos engaiolados na manhã de terça-feira, Celso Pitta, também difere dos demais. Trata-se não de um pobre coitado, mas de um rico coitado, à medida que construiu razoável fortuna como prefeito de São Paulo, à custa de comissões sobre obras e serviços públicos. Amealhou muito, mas jamais descuidou-se do pouco, quer dizer, tudo o que entrasse em sua conta bancária era lucro.
Tem gente indignada com a ação da Polícia Federal, acusando a instituição de armar espetáculos muito a gosto da imprensa. É o de menos, ou melhor, trata-se de iniciativa até elogiável alertar as equipes de televisão para registrarem prisões e confisco de documentos. O fundo prevalece sobre a forma, ou seja, a população tem o direito de conhecer detalhes de formação de quadrilha, evasão e lavagem de dinheiro, corrupção, fraudes, remessas ilegais e manipulação de recursos públicos.
Quanto ao que vai acontecer ninguém precisa iludir-se. Só por milagre os três serão condenados. Nem os outros. Muito menos ficará detidos mais do que poucos dias. Ou horas, vale repetir. Voltarão às suas atividades criminosas, continuarão milionários como antes, até rindo da aventura que os levou a deglutir quentinhas e a cobrir-se com cobertores de qualidade duvidosa, condenados a ouvir os roncos dos companheiros de cela.
E se por acaso exasperarem-se, sempre poderão mudar-se para o exterior, onde serão recebidos com pompa e circunstância devidas às suas fortunas. Mesmo assim, valeu, ou está valendo. Porque quantos outros ladravazes de igual quilate deixarão de supor a hipótese de o episódio repetir-se com eles?
Um lobo mau muito simpático
Com todo o respeito, mas, ontem, três leitõezinhos muito fofos entraram por iniciativa própria na caverna do lobo mau. Um lobo mau muito simpático, registre-se, porque serviu café e laranjada.
Falamos da visita que os senadores Eduardo Suplicy, Pedro Simon e Cristóvam Buarque fizeram ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Cliford Sobel.
Foram buscar explicações e até pedir satisfações pela súbita criação da Quarta Frota da Marinha americana, encarregada de patrulhar o litoral da América do Sul e do Caribe.
Como não poderia deixar de ser, ouviram que esse monte de navios e submarinos carregados de mísseis, aviões e de marines vem aí como homenagem aos países amigos, para ajudá-los, se for o caso, a combater o narcotráfico e o contrabando. Foi mera coincidência, disse o embaixador, que a decisão sobre a Quarta Frota acontecesse pouco depois do anúncio, pelo Brasil, da descoberta de imensas reservas de petróleo em nosso litoral.
Quer dizer, o lobo mau mostrou o caldeirão onde serão cozinhados, além dos dentes, e os leitõezinhos agradeceram...
Justa homenagem
Dia 15, no restaurante do Jóquei Clube, no Rio, um grupo de jornalistas vai homenagear o jurista Célio Borja com um almoço. Por iniciativa de Alfredo Viana, velhos companheiros farão justiça a um dos políticos mais corretos que tem passado pela vida pública, ocupando as mais importantes funções e credenciando-se como exemplo para o País.
Deputado Federal, presidente da Câmara, ministro da Justiça, ministro do Supremo Tribunal Federal, advogado militante, Célio Borja, por modéstia, omite uma série de iniciativas que tomou em nome da democracia, mesmo nos tempos mais duros do autoritarismo. Pouca gente sabe que deu guarida ao então líder sindical e deputado comunista, Hércules Correia, evitando que fosse preso e, muito provavelmente, desaparecido.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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