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quarta-feira, maio 17, 2006

[SP]Guerra contra quem?

Por: Fred Gorski

Florianópolis, 17 de maio de 2006
Guerra contra quem? Recebo em minha caixa de e-mails o informativo periódico do Le Monde Diplomatique, intitulado Vidas e Mortes do Terceiro Mundo, procuro ávido alguma coisa sobre São Paulo – li no sítio da Folha, quase pasmo, a entrevista de um sociólogo francês, uma das poucas palavras bem colocadas sobre a “guerra civil” de São Paulo. Nada. Apenas um artigo que pergunta “C´était quoi, le tiers-monde? (O que é isso, o terceiro mundo?)”. Nada sobre São Paulo. Estou sem paciência para ler. No sítio da Folha de São Paulo, leio a notícia de que moradores da periferia de São Paulo denunciam a morte de um inocente pela polícia. Agora sim, está deflagrada a guerra civil, penso. Nos últimos dias, tenho procurado na internet tudo que posso encontrar sobre os ataques do PCC contra a polícia de São Paulo, perplexo pela falta de reflexões que consigam ir além do que há de superficial na questão: falhas no sistema judiciário, incompetência do governo federal (?!) e incompetência do governo estadual. Gilberto Dimenstein escreve “Policiais morrem, mas o alvo somos nós”. Manchete do Terra “Depoimento de diretor do DEIC foi vendido ao PCC”. Chamada da Veja On-line “A guerra em São Paulo”. E, se a vida carece de risadas, Mídia Sem Máscara “Carandiru Cover”, por Daniel Sant´anna, convocando a volta de Ubiratan, o comandante do massacre do Carandiru. Em suma, notícias e artigos que apelam para o medo, mais do que para a reflexão; apelam para um Estado autoritário, acima de tudo. Ninguém até agora se perguntou quem são os 93 suspeitos, em que circunstâncias foram mortos – 40 dos quais ainda estão sem identificação. Ninguém destacou o fato de que, em 12 horas, a polícia matou mais gente do que o PCC matou policiais e que a polícia está, como sempre esteve, mas agora pior, retalhando contra as populações pobres da capital paulista, atirando indiscriminadamente e matando gente inocente. Pouca gente, quando toca na questão carcerária, lembra que as condições humanas nelas são insuportáveis. Ninguém, quando fala dos problemas legais e da polícia, replica uma declaração da polícia de São Paulo, nessa segunda, de que os 10 mil presos que tiveram liberação para visitar suas famílias durante o fim-de-semana eram suspeitos. 10 mil suspeitos, todos, além do mais, com atestado dos respectivos presídios, de que tinham bom comportamento e não participavam de “organizações criminosas”. 10 mil suspeitos é igual à população de uma favela do tamanho da Chico Mendes, em Florianópolis, onde, por sinal, como em São Paulo, a polícia mata e humilha sem que ninguém se pergunte por quê. Que nossa imprensa é mais realista que o rei, e que não perde a oportunidade de mostrar as garras fascistas, isso eu sabia há tempos. Mas, no caso de São Paulo, é alarmante. Foram raras e boas exceções, como as de Bob Fernandes (“Eles venceram”) e a da psicanalista Regina Fabrinni que reclamou do fechamento das escolas e universidades, dizendo que se vivia um caso de histeria coletiva. E não sem razão. Na segunda feira, durante o dia, as imagens de São Paulo mostravam um sem fim de gente nas ruas, sem transporte, em quanto outro incontável número de carros trancava-se em 195 km de engarrafamento. Até a polícia reclamou dos boatos, mas por outros motivos – colocada contra a parede pela imprensa, não quis admitir sua derrota inicial. O coronel Elizeu Éclair, comandante da PM-SP, parecia recém egresso da ditadura militar em sua coletiva de imprensa, na qual calou os repórteres sempre que um se atravessava com uma pergunta “inconveniente”. Quatorze dias depois do dia mundial da liberdade de imprensa, a própria preferiu engolir em seco, talvez em nome da Ordem. Mas aquela quantidade de gente saindo às ruas, dadas às circunstâncias, não estava mais vulnerável a possíveis ataques dos bandidos que, segundo todas as opiniões, atacavam a Sociedade quando atacavam a polícia? O site www.midiaindependente.org corrigiu-se logo de uma falha crassa. Havia saído com a manchete sensacionalista “Número de mortos em São Paulo supera o do Iraque”. De fato, o número de mortos foi superior, mas ocorre que, na guerra do tráfico, todo fim de semana, é bem possível que morra mais gente do que na comparação com o Iraque. Onde está, então, a diferença? O que há de novo nos eventos desse fim de semana? Ou melhor, nos eventos que se seguem (São Paulo enfrentou nova madrugada de ataques nesse dia 17 de maio). A diferença está em que a polícia esteve acuada em seus redutos e Higienópolis se sentiu ameaçada. De resto, para a população em geral, não muita coisa. Para as classes menos favorecidas, o pior recém vai começar. A instalação de uma histeria coletiva, com paralisações de atividades quando os alvos principais eram policiais (apenas 4 “civis” mortos, segundo a imprensa, mas lembremos que os “suspeitos” e os “criminosos”, mantém sua cidadania garantida pela constituição, mesmo que com alguns direitos suspensos) e patrimônios físicos (bancos e ônibus, dos quais a população era convidada a descer antes de serem incendiados), deve revelar outra coisa do que propriamente uma real ameaça a “Sociedade como um todo”. Recuso-me a pensar, como já vi por aí fazerem, que há algo de legítimo e revolucionário no tráfico. Reitero minha posição de sempre. Nem tudo o que vai contra o que se encaixa na “ordem estabelecida” é ação política. Uma ação política é consciente de seus princípios, de seus meios e de suas eventuais conseqüências e, se a ação do PCC é política, definitivamente não é de esquerda. Mas, como colocou a psicanalista Regina Fabbrini “há um clima de insatisfação, e sabemos todos que isso é uma coisa do crime organizado, muito bem organizado dentro e fora das cadeias, mas me pergunto se essa insatisfação dentro dos presídios não torna esses presos uma massa de manobra fácil. Porque não há como só os chefes provocarem toda essa revolta”. Na guerra entre a polícia e o tráfico, como revela São Paulo, não há santos, vai saber se por trás de tudo não estão os mesmos pequenos grupos de pessoas que sempre dominaram política e economicamente o país.
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