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terça-feira, novembro 30, 2021

Caso da tenista que denunciou assédio sexual assombra Jogos de Pequim - Editorial




Pequim será em 2022 a primeira cidade a sediar uma Olimpíada de Inverno depois de ter sediado outra de Verão, em 2008. No período, a imagem do país se transformou de potência emergente em novo império que, da telefonia 5G às baterias de carros elétricos, desafia o poderio americano. A exemplo de Moscou em 1980, paira no ar a ameaça de que os Estados Unidos boicotem de algum modo os Jogos de 2022. O motivo mais recente não tem a ver com violações de direitos humanos em Xinjiang, com Taiwan ou com a guerra comercial. Mas com a tenista Peng Shuai, ex-campeã mundial de duplas, vencedora de Wimbledon em 2013 e Roland Garros em 2014.

Peng reapareceu faz oito dias numa imagem de videoconferência ao lado do presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, depois de mais de duas semanas sumida. A Associação Feminina de Tênis (WTA) tentava contato desde o último dia 2, quando um post que ela publicara na rede social Weibo desencadeou reação fulminante das autoridades. No estilo clássico da censura digital chinesa, o texto foi retirado do ar em minutos, comentários foram barrados, e todas as menções ao caso passaram a ser derrubadas na internet local.

Nos países cujos cidadãos usufruem as liberdades de expressão e informação, todos ficaram sabendo o que ela escreveu. Não denúncias típicas de dissidentes, nem críticas ao regime de partido único ou ao governo que ela já aplaudira no passado. Foi uma longa acusação, redigida em tom pessoal e a custo emocional enorme, de estupro e assédio sexual contra Zhang Gaoli, um integrante da cúpula do Partido Comunista Chinês (PCC) de mais de 70 anos, ex-vice-primeiro-ministro, que Peng afirmou tê-la violentado pelo menos duas vezes ao longo de uma década.

Enquanto a máquina chinesa de censura e propaganda tentava evitar que ela servisse de exemplo a outras vítimas de assédio no país, a repercussão no exterior foi enorme. Peng despertou solidariedade de estrelas como Serena Williams ou Naomi Osaka e a atitude resoluta da WTA, que pressionou o governo chinês por garantias à segurança e à saúde dela.

Considerando a posição tíbia da China diante das denúncias da época do movimento #MeToo, é improvável que haja maiores consequências no país. Também é improvável que qualquer boicote americano assuma a proporção do que esvaziou os Jogos de Moscou, em 1980, e gerou outro dos soviéticos nos de Los Angeles, em 1984. Mesmo um boicote diplomático — em que atletas comparecem, mas autoridades não — seria inesperado.

Ainda que a atitude de Peng tenha pouco impacto na vida das vítimas de crimes sexuais na China, ela ajudou a expor a brutalidade da ditadura comunista. Mostrou que sediar eventos internacionais de envergadura em nada contribui para moderar o regime. Além disso, as trapalhadas dos veículos oficiais de comunicação para explicar o sumiço revelam a dificuldade da China para lidar com a pressão internacional que floresce nos ambientes onde a informação circula com liberdade.

O Globo

O estado da democracia - Editorial




País sofre abalos nos pilares democráticos desde a eleição de Jair Bolsonaro, mas está longe de ser um país autoritário

Uma democracia vigorosa se sustenta sobre um tripé formado por eleições limpas, liberdade de expressão e associação assegurada por lei e plena vigência do Estado de Direito. É o que o cientista político Tom Ginsburg e o jurista Aziz Huq, professores da faculdade de Direito da Universidade de Chicago, chamam de “predicados básicos da democracia”. Falar em retrocesso democrático, portanto, implica constatar que ao menos um dos elementos desta tríade não vai bem, deixando capenga todo um sistema de direitos e deveres finamente equilibrado.

De acordo com o relatório Estado da Democracia Global 2021, publicado recentemente pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), o Brasil foi um dos países que registraram retrocesso democrático em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19. É preciso entender muito bem os eventos que contribuíram para esse resultado a fim de evitar uma erosão ainda maior dos pilares democráticos no País no futuro próximo.

O Idea avalia o estado da democracia em cerca de 160 países, nos cinco continentes, há décadas. Desde 2016, o Brasil é um dos países-membros da organização intergovernamental, sediada em Estocolmo. Para medir a higidez da democracia nos países avaliados, o Idea leva em consideração critérios como a legitimidade dos governantes, a participação da sociedade nas definições de políticas públicas, a impessoalidade da administração pública, a garantia de direitos fundamentais e o funcionamento do sistema de freios e contrapesos.

Em relação ao Brasil, nenhum reparo há de ser feito à legitimidade do presidente Jair Bolsonaro, escolhido para dirigir o País pela maioria dos eleitores após uma eleição incontestavelmente limpa. Tampouco se pode dizer que a sociedade não participa dos debates para formulação de políticas públicas. O Brasil é uma democracia representativa e o Congresso está em pleno funcionamento, em que pesem as muitas críticas que podem ser feitas às suas deliberações. Igualmente, a imprensa é livre no Brasil para publicar o que julga ser de interesse público. Basta lembrar que foi graças ao jornalismo independente praticado por este jornal há quase 147 anos que a sociedade tomou conhecimento do escândalo do “orçamento secreto”, o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a proibir a obscena apropriação de recursos públicos para compra de apoio parlamentar ao governo federal.

Logo, não seria correto – como não fez o Idea – classificar o Brasil como um país marcadamente autoritário. Isso não significa, contudo, que os pilares democráticos não estejam sendo constantemente atacados por Bolsonaro desde sua eleição para a Presidência da República. O Idea cita nominalmente o presidente brasileiro como o responsável pelo retrocesso democrático apurado no Brasil.

Bolsonaro convocou e participou de manifestações de cunho explicitamente golpista. O governo brasileiro também patrocina uma campanha de hostilidade contra o jornalismo independente. Em sua visão obtusa do que seja governar, Bolsonaro não concebe a divisão e a harmonia entre os Poderes, tomando como agressões pessoais quaisquer decisões tomadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário que contrariem seus interesses.

Como se não bastasse tudo isso, o mais grave, aponta o relatório, é a ameaça de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição presidencial de 2022 caso não seja ele o eleito. A ausência de transmissão pacífica do poder após uma eleição limpa foi a razão que levou o Idea a incluir os EUA, pela primeira vez, no rol dos países que registraram retrocesso democrático em 2020. Entre arroubos e recuos de conveniência, Bolsonaro tem dado sinais de que não apenas não passará a faixa presidencial para seu sucessor, caso seja derrotado no pleito, como mobilizará uma súcia de apoiadores para provocar no Brasil a mesma confusão que Donald Trump provocou nos EUA ao ser derrotado por Joe Biden.

Todo cuidado é pouco. Bolsonaro não tem a sociedade a seu lado para aventuras liberticidas. Se confusão houver, será por conta de fanáticos, sobre os quais deve recair todo o peso da lei. Isso sim é democrático. 

O Estado de São Paulo

A alma do PT

 




Por Demétrio Magnoli (foto)

A nota infame do PT que descreveu a “eleição” de Daniel Ortega como “grande manifestação popular e democrática” foi retirada do site para não provocar ruídos eleitorais no Brasil. Mas ela expressa a posição do partido — e o desprezo de dois ex-presidentes, Lula e Dilma, ao sistema democrático.

“Por que Angela Merkel pode estar no poder por 16 anos e Ortega não?”, indagou Lula em entrevista ao jornal El País, reativando um paralelismo cínico que mobiliza desde sempre. Diante da resposta singela da entrevistadora — “ela não encarcerava os opositores”—, o candidato favorito a 2022 simulou recuar, apenas para insistir na falácia de fundo: “Se Ortega detém opositores para que não concorram às eleições, como fizeram comigo, está equivocado”.

A democracia brasileira propiciou que um retirante nordestino, sindicalista metalúrgico, fundador de um partido de esquerda alcançasse a Presidência por dois mandatos. A ditadura de Ortega aboliu a alternância no poder, prendendo as lideranças concorrentes, inclusive os antigos companheiros de esquerda da Frente Sandinista. No Brasil democrático, Lula foi preso por corrupção, mas um Judiciário independente revisou o processo, declarou parcial o juiz que o sentenciou e anulou as condenações. Na tirania nicaraguense, os juízes fazem o que Ortega determina. Mas, segundo Lula, é tudo igual.

Lula repete, como papagaio, os mandamentos de política internacional de Cuba. Contudo, casualmente no mesmo dia, Dilma revelava algo mais: para o PT, democracia é declínio, ruína histórica.

“A China representa uma luz nessa situação de decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais.” O diagnóstico de Dilma surgiu num debate de lançamento de um livro de propaganda do “socialismo do século XXI” chinês. Não foi uma observação circunstancial, confinada à economia ou à tecnologia, nem a afirmação óbvia de que o Brasil deve manter relações estáveis com seu maior parceiro comercial, mas algo como um julgamento histórico.

O contexto interessa. De acordo com o autor do livro, “o socialismo é a razão no comando”. Sob tal paradigma, o “debate” enalteceu, especificamente, a “linha justa” imposta por Xi Jinping, ou seja, a expansão do controle do Partido-Estado sobre o setor privado da economia e mais um giro no torniquete da repressão estatal sobre a sociedade chinesa. Ninguém, ali, mencionou Hong Kong — mas celebrava-se a supressão das liberdades políticas na cidade supostamente autônoma. A palavra Xinjiang não foi pronunciada — mas comemoravam-se os crimes contra a humanidade perpetrados na região, onde centenas de milhares de muçulmanos uigures estão internados em “campos de reeducação”.

Lula não vê diferença de fundo entre democracias e ditaduras. Dilma vê, sim — mas julga as segundas melhores.

O “socialismo real”, na sua versão soviética, costumava ser defendido pelos intelectuais de esquerda ocidentais por meio de argumentos que giravam em torno do “poder do proletariado” (em oposição à “democracia burguesa”). O propagandista de Xi inova, ao substituir a antiga alegação por uma invocação puramente tecnocrática: a razão no comando. O Timoneiro da Razão não pode conviver com contestações “irracionais” de partidos, sindicatos ou movimentos sociais. A Dilma que descobriu a “luz” em 2021 mandaria prender o Lula de 1980, líder dos metalúrgicos grevistas do ABC.

O PT nasceu como partido democrático de esquerda. Nos seus anos iniciais, não se furtou a condenar os regimes de partido único na URSS, na China e em Cuba. Há muito, porém, engatou marcha a ré, incorporando o discurso dos antigos partidos comunistas. Não é que o partido pretenda estatizar os meios de produção, instalando uma economia socialista. É que, no plano das ideias, ele renunciou ao princípio do pluralismo político. Nos seus delírios, governaria sem oposição: a razão no comando.

Há consequências. A alma autoritária do PT legitima a alma autoritária da extrema direita bolsonarista, normalizando a noção de que a democracia é um ornamento supérfluo ou, no limite, uma enfermidade de sociedades decadentes.

O Globo

Peter Doocy: o único repórter que não dá vida mansa a Joe Biden.




A arte de entrevistar presidentes gritando perguntas em eventos ao ar livre deu ao repórter da Fox uma oportunidade que colegas deixam passar. 

Por Vilma Gryzinski

É uma tentação chamar Peter Doocy de “o Jim Acosta de Joe Biden”. Vamos resistir a ela porque é uma falsa comparação. Enquanto Acosta, da CNN, confrontava Donald Trump em tom agressivo, Doocy, o setorista de Casa Branca da Fox, só levanta a voz quando o ruído ambiental, tipo rotor de helicóptero ao fundo, exige. Na maior parte do tempo, principalmente quando está fazendo perguntas a Jen Psaki, a porta-voz presidencial, ele mantém um inalterável e monocórdio tom.

Como é o único a fazer perguntas mais contundentes, Doocy acaba repercutindo nas emissoras concorrentes – ao contrário de Jim Acosta, que se transformou em protagonista, desafiando um dos mais basilares mandamentos dos jornalistas, que é não virar o assunto principal.

Doocy resiste a isso, embora inevitavelmente seja celebrado nos sites conservadores quando consegue emboscar a falante porta-voz. Com 33 anos, vistosa cabeleira loira e maxilar quadrado igual ao do pai, Steve Doocy, um dos apresentadores do programa matinal Fox & Friends (o favorito de Trump, que ligava frequentemente quando estava na Casa Branca), ele tem como maior adversário do momento o próprio ego. Virar estrela do jornalismo de televisão é um teste bravo.

O objetivo de qualquer repórter deveria ser fazer as perguntas que os entrevistados prefeririam não ouvir, mas na vida real a situação é outra. A grande imprensa em peso apoia Biden – alguns diriam até que trabalhou eficientemente por sua eleição – e isso se reflete no comportamento dos jornalistas que cobrem a presidência.

No governo Trump, o presidente só queria falar com a Fox, única representante da direita entre os grandes órgãos – o Wall Street Journal pende para o lado conservador preferencialmente em assuntos econômicos, seu forte.

Agora, a situação se inverteu.

Embora os coleguinhas detestem admitir, todo mundo presta atenção quando chega a vez de Doocy fazer suas perguntas a Jen Psaki na entrevista diária. Numa das mais recentes, ele perguntou, em tom inalterável, se Biden pretendia pedir desculpas a Kyle Rittenhouse por tê-lo chamado de “supremacista branco”.

Rittenhouse é o jovem de 18 anos que matou dois manifestantes na cidade de Kenosha, quando os Estados Unidos estavam pegando fogo com os protestos contra a morte de George Floyd. Fotos, vídeos e testemunhos mostraram que ele agiu em defesa própria, contrariando não só opiniões, mas também informações distorcidas divulgadas pela maioria esmagadora da imprensa (alguns meios chegaram a dizer que os mortos eram negros, num indício de que nem sabiam de quem estavam tratando).

Jen Psaki fez um tremendo jogo de palavras e conseguiu escapar da armadilha sobre o hipotético pedido de desculpa de Biden.

Num mundo hollywoodiana, os dois acabariam se apaixonando – uma ideia não tão absurda assim, uma vez que aconteceu no passado com James Carville, o conselheiro político de Bill Clinton, e Mary Matalin, alta funcionária do governo Reagan e de Bush pai e filho. Na realidade, Doocy e Psaki são casados com os respectivos cônjuges.

A sociedade americana está hoje muito mais partida, com os dois lados da política se comportando como inimigos e não metades divergentes de um debate necessário para a democracia. A imprensa refletiu esse estado de espírito, afastando-se da ética da independência que fez sua glória no passado.

Imprensa não precisa ser imparcial, mas tem que ser justa para honrar os princípios do jornalismo. Ou seja, não deve distorcer fatos em favor de suas simpatias políticas ou partidárias. O caso do dossiê apontando – falsamente – ligações escusas de Donald Trump com o regime russo, promovido com fervor pela grande imprensa, foi o maior exemplo de como a aversão política pode virar distorção jornalística. Ou mentira mesmo.

Curiosamente, Peter Doocy e Jen Psaki já contrariaram esta tendência. Ambos fazem declarações mutuamente positivas e dizem ter um relacionamento amistoso longe das câmeras.

Psaki é combativa, honrando a cabeleira ruiva (descende, numa curiosa mistura, de gregos, poloneses e irlandeses). Na época em que era porta-voz de Hillary Clinton no Departamento de Estado, os russos tentavam ridicularizá-la, comparando suas roupas algo simplórias com o glamour de sua equivalente eslava, Maria Sakharova.

Como pode acontecer com qualquer porta-voz, ela eventualmente descamba para o exagero – um outro modo de chamar inverdades. Recentemente, disse que “nenhum economista” estava preocupado com o aumento da inflação, passando já dos 6%. Pulularam opiniões contrárias. Principalmente, claro, na Fox.

É ruim quando o papel de fiscal do governo, uma das principais atribuições da imprensa, fica praticamente limitado a um único órgão. Mas é bom quando presidentes, seus porta-vozes e os repórteres que falam com eles diretamente não se engalfinham como inimigos, repetindo a agressividade de Jim Acosta contra Trump e vice-versa.

“Eu gosto dele”, já disse Biden sobre Doocy. O presidente tem mais de meio século na política e sabe que mesmo quando não gosta de um repórter, tem que disfarçar.

O pai de Peter Doocy já foi satirizado no Saturday Night Live (“Ele acha hilário”, diz o filho) e a vez do repórter vai acabar chegando. Será a glória.

O que fará Doocy sem Biden? Tem um bom tempo ainda para que isso aconteça. Mas ele é esperto e deve ter visto como os colegas que ficaram órfãos de Trump estão penando. Jim Acosta hoje é um enfadonho comentarista.

Sem um presidente para odiar, os militantes do antitrumpismo na imprensa perderam os dentes. Um chegou a, valorosamente, perguntar qual o sabor do milkshake que Biden estava tomando. Pode acontecer em qualquer lugar.

Revista Veja

Holodomor, o Holocausto comunista, foi abafado por intelectuais ocidentais.

 




Termo quase desconhecido vem à tona quando se analisa o histórico do atual conflito entre Rússia e Ucrânia. 

Por João Pereira Coutinho 

Amanhã será o quarto sábado de novembro. O que significa que será altura de relembrar o Holodomor. Escrevo essa palavra –Holodomor– e pressinto que muitos leitores não sabem do que estou a falar.

Esse desconhecimento é revelador da forma ambígua como o mundo olha para os crimes do comunismo, sobretudo quando comparados com os crimes do nazismo.

Se eu tivesse escrito "Holocausto", não haveria dúvidas. Mas Holodomor, ou seja, a grande fome soviética promovida por Stálin em 1932-1933 e que provocou 4 milhões de mortes só na Ucrânia (estimativa conservadora), é conceito obscuro.

Para preencher essa lacuna, recomendo um livro: "Red Famine", de Anne Applebaum. Depois do clássico de Robert Conquest, "The Harvest of Sorrow", publicado em 1986, a obra magistral de Applebaum é um monumento historiográfico contra o esquecimento.

Não é uma experiência agradável, aviso já, porque a martirizada Ucrânica sempre foi aquele elemento estranho na mundividência bolchevique —um problema político, pela sua forte identidade nacional; uma oportunidade econômica, por ser o celeiro da Europa.

E a revolução precisava desse celeiro para alimentar as tropas do Exército Vermelho, os membros do partido, os simpatizantes da causa.

Além disso, a exportação de grão para uma Europa faminta depois da Primeira Guerra Mundial também servia como arma preciosa para Lênin forçar os restantes países a reconhecerem o novo Estado soviético.

Quem pagava a fatura dessa espoliação era o campesinato ucraniano. As primeiras grandes fomes na Ucrânia acontecem entre 1921 e 1923 e o saldo oscila entre os 250 mil e os 500 mil mortos.

Se esses números nos parecem dantescos, eles empalidecem dez anos depois quando Stálin promove a coletivização forçada da agricultura soviética.

"Coletivização" é palavra demasiado branda para descrever um processo que implicava o confisco da propriedade privada; a reinstituição da servidão "de fato" para os trabalhadores do Estado; a eliminação quase completa de uma classe artificialmente criada —os "kulaks", inicialmente camponeses mais abastados, mas depois qualquer opositor do regime; e, finalmente, a punição pela fome.

Tal como na década de 1920, era necessário cumprir cotas de produção cada vez mais excessivas e irrealistas. E, quando a produção não correspondia ao plano de Moscou, a "requisição" dos bens era o passo seguinte, executada por hordas tão famintas como os próprios camponeses.

Para agravar o problema, Stálin impediu o deslocamento regional dos trabalhadores em busca de comida. Aprisionados à suas terras estéreis e condenados à fome, tudo servia como alimento —ervas, raízes, cascas de árvores. O canibalismo não foi uma raridade.

Ler as páginas de Anne Applebaum com testemunhos de sobreviventes é das experiências intelectuais mais duras que conheço. Mas ler a forma como a "intelligentsia" ocidental ocultou esses crimes é igualmente insuportável.

Um desses "idiotas úteis" foi Walter Duranty, o correspondente do "New York Times" em Moscou, que garantia em artigos de puro servilismo que a fome era um mito. As suas reportagens, sem surpresa, ganharam o prêmio Pulitzer.

Nem todos colaboraram com a mentira. A mais importante exceção foi Gareth Jones, o jornalista galês que viajou para a Ucrânia em inícios da década de 1930 para testemunhar o horror.

Também sem surpresa, não houve prémio Pulitzer para Jones. Mas existe um filme recente que relembra a sua vida e coragem: "A Sombra de Stálin", de Agnieszka Holland. Recomendo.

Era William Faulkner quem afirmava: "O passado nunca está morto. Na verdade, nem sequer passou". É uma frase que serve como uma luva para o tempo presente.

Primeiro, porque os "idiotas úteis" continuam tão úteis (e tão idiotas) como sempre.

Mas também porque as autoridades ucranianas acreditam que a Rússia, em 2022, vai invadir o país em operação de larga escala. Verdade? Mentira?

Ninguém sabe. Mas depois da anexação da Crimeia e com milhares de tropas russas na fronteira ucraniana, é pelo menos verossímil. E a história só reforça essa verossimilhança.

Como disse Vladimir Putin, o fim da URSS foi "a maior catástrofe geopolítica" do século 20. Razão pela qual o ano de 2022 tem um simbolismo especial: passarão 100 anos sobre a constituição da União Soviética.

Em política, nada é mais letal do que a força da nostalgia.

FSP

Não é só um problema moral

 




O debate sobre o combate à corrupção qualifica as eleições de 2022

Por Carlos Pereira (foto)

Alguns têm argumentado que a entrada de Sérgio Moro na corrida presidencial traria novamente o tema do combate à corrupção para o centro do debate público, o que supostamente seria contraproducente, diante de problemas mais urgentes a serem enfrentados pelo Brasil, como desenvolvimento econômico, inflação e inclusão social.

É como se o combate à corrupção fosse eminentemente um problema moral e não houvesse correlação entre os resultados de políticas econômica e social e comportamentos predatórios de governantes.

Entretanto, como mostro no quarto capítulo do livro Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System, governos que vivem em ambientes politicamente competitivos e sob fortes restrições de organizações de controle robustas e independentes apresentam melhor desempenho econômico e social do que governos não controlados.

A pesquisa analisou o impacto da robustez institucional das organizações de controle (tais como governança das agências reguladoras, atuação dos tribunais de contas, eficiência e independência do Judiciário e do Ministério Público, controle dos meios de comunicação pelos políticos etc.) e da competição política em um conjunto de dimensões que mensuram o desempenho das políticas públicas nos Estados, como por exemplo, déficit primário, gasto com servidores públicos, eficiência do gasto público e até a variação da riqueza dos políticos.

Os resultados indicam que competição política só é virtuosa quando as organizações de controle são robustas e independentes. Fica claro que a qualidade institucional das organizações de combate à corrupção restringe efetivamente a propensão histórica de governantes brasileiros de incorrerem em déficit primário e de aumentarem os gastos com servidores, especialmente por meio de novas contratações em anos eleitorais. Os resultados também mostram que, diante de organizações de controle fortes e independentes, a eficiência do gasto público melhora substancialmente, além de haver um menor crescimento da riqueza dos políticos.

Ou seja, freios e contrapesos robustos geram um impacto virtuoso no comportamento de governantes. Tanto a oferta de bens públicos aumenta, como também há uma diminuição de bens privados e de corrupção.

Portanto, o debate sobre combate à corrupção decorrente do fortalecimento das organizações de controle é ancilar aos demais temas considerados prioritários e deveria ser privilegiado por qualquer candidato que pretenda disputar a Presidência em 2022.

O Estado de São Paulo

Congresso desafia STF e mantém sigilo sobre o orçamento secreto

 



Manifestantes usam máscara do presidente Jair Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur Lira, ironizando suposta relação corrupta entre Executivo e o Congresso, no dia 30 de outubro em Brasília.

Projeto votado nesta segunda-feira estabelece teto para as chamadas emendas de relator, mas não deixa claro que o nome do parlamentar que se beneficia dos recursos deve ser publicizado. Supremo impôs freio por falta de transparência

Por Felipe Betim

O Congresso Nacional desafiou nesta segunda-feira o Supremo Tribunal Federal (STF). Senadores e deputados votaram um projeto que dita as regras para as chamadas emendas do relator, com as quais o Governo Jair Bolsonaro gere o chamado “orçamento secreto”. Ao contrário do que instruiu o STF, contudo, os parlamentares mantiveram o sigilo sobre quem já foi beneficiado pelas emendas —o repasse desse tipo de emenda também está suspenso por ordem do tribunal. A expectativa, agora, é de que a votação desta segunda-feira também seja questionada no Supremo.

O “orçamento secreto” garantiu ao Governo apoio para aprovar projetos importantes, segundo as suspeitas levantadas por reportagens publicadas pelo jornal Estado de S. Paulo. No dia 9 de novembro, enquanto o Governo trabalhava para aprovar a PEC dos Precatórios, o STF impôs um freio nesse mecanismo, por entender que era preciso dar mais transparência a essa modalidade. Foi com esse intuito que o Congresso começou a votar nesta segunda-feira o projeto que estabelece um teto anual para as emendas do relator, mas que não determina que o nome do parlamentar que solicitou a emenda seja publicizado —nem revela a identidade daqueles que já foram beneficiados. O sigilo, um dos principais problemas do mecanismo, será mantido.

O projeto foi aprovado pela Câmara com 268 votos favoráveis e 31 contrários. No Senado, a vitória foi mais apertada: 34 votos a 32. As regras vigentes até a promulgação presidencial do projeto aprovado nesta segunda não determinavam um limite para essas emendas, nem possibilitavam identificar qual parlamentar solicitou esses gastos. Agora, segundo o projeto aprovado, as emendas de relator não deverão ultrapassar a soma das chamadas emendas individuais e de bancada —pelo Orçamento deste ano, as duas somam mais de 16 bilhões de reais. Além disso, as medidas devem valer daqui para frente, mantendo em segredo os parlamentares que solicitaram as emendas em 2020 e 2021. O projeto também não altera o poder do Governo e da cúpula do Congresso de privilegiar determinados parlamentares em detrimentos de outros.

O que são as emendas do relator

As emendas de relator ganharam destaque destaque durante as discussões da PEC dos Precatórios, que, caso aprovada no Senado, permitirá ao Governo federal adiar o pagamento dívidas judiciais e furar o teto de gastos. De acordo com um levantamento da ONG Contas Abertas, o Planalto liberou 909,7 milhões de reais para deputados federais, nos dias 28 e 29 de outubro, poucos dias antes da primeira votação da PEC dos Precatórios, utilizando o instrumento de emendas de relator. No dia 3 de novembro, dia da votação, foram liberados mais 52 milhões de reais, totalizando 961,7 milhões.

A questão é muito técnica e com detalhes que escapam ao senso comum. Todo ano, o Governo federal envia ao Congresso Nacional uma proposta de Orçamento para o ano seguinte. É designado então um relator-geral que deve analisar o documento, fazer a ponte entre as demandas do Executivo e do Legislativo e chegar a um parecer final, que deve ser votado no Congresso e se transformar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Para o Orçamento de 2020, o relator-geral foi o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE). No de 2021, o papel ficou para o senador Márcio Bittar (PSL-AC).

Além disso, existe a opção de, ao longo da execução do Orçamento, os parlamentares apresentarem emendas. Elas são “propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto junto aos Estados e municípios quanto a instituições”, segundo a definição do Senado Federal. De acordo com a Constituição, as emendas ao Orçamento estão autorizadas em contextos específicos, como em casos de “correção de erros e de omissões” ou quando “indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa”. Existem quatro tipo de emendas: as individuais, as de bancada, as de comissão e as de relator.

As duas primeiras, apesar de historicamente serem usadas em barganhas políticas, são impositivas, reguladas pela Constituição. “Elas são feitas há muito tempo. Nelas, os parlamentares e as bancadas [dos partidos] falam para onde serão destinadas e a função dos gastos”, explica o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal. Cada congressista tem uma cota, geralmente usada para destinar dinheiro federal a obras ou projetos em suas respectivas bases eleitorais. Antes de serem reguladas na Constituição a partir de 2015, o Governo federal tinha maior poder de contingenciar (congelar) essas emendas, aumentando sua margem de barganha com os parlamentares.

Já as emendas de relator passaram a ser usadas com maior frequência a partir de 2019, quando recebeu o código técnico RP-9. Como o próprio nome diz, são feitas pelo relator-geral do Orçamento. “As emendas de relator existem apenas para corrigir erros e omissões, mas de uns anos pra cá vêm sendo usada para outras finalidades”, explica Salto. Em 2021, gastos obrigatórios foram revisados para que a LDO acomodasse um orçamento de cerca de 17 bilhões de reais em emendas de relator. Na prática, isso significa que o relator passa a dispor dessa quantia já de largada, sob o carimbo RP-9, e poderá aplicar esse dinheiro posteriormente.

As emendas de relator são definidas a partir de negociações do relator-geral com deputados e senadores, mas a transparência é escassa: ao contrário das emendas individuais e de bancada, não se sabe detalhes sobre as negociações para direcionar os recursos das emendas de relator, quem são seus padrinhos políticos e onde o dinheiro é aplicado. Em suma, não há critérios para a partilha dos recursos nem são identificados os parlamentares que destinam esse dinheiro para suas bases eleitorais. “O problema do RP9 é que o relator acaba congregando uma série de demandas que estavam represadas, inclusive do Executivo. Ele simplesmente coloca uma coisa genérica e depois a partilha vai ser feita pela União”, explica Salto.

A suspeita é de que o Governo Bolsonaro vem empenhando partes dessa quantia em troca de apoio ao Planalto em votações. De acordo com uma série de reportagens do Estadão, Bolsonaro —que cogitou vetar o RP-9 em 2020— criou no fim do ano passado uma bilionário orçamento paralelo —ou secreto— gerido a partir das emendas de relator. Caberia aos ministérios definirem a alocação desses recursos, mas, na prática, são deputados e senadores do Centrão que, em troca de apoio em votações, possuem cotas, ditam a aplicação desse dinheiro e cobram a autorização para essas emendas. Tudo isso de forma oculta, sem que seus nomes sejam revelados.

Na primeira das reportagens, descobriu-se que 3 bilhões de reais foram distribuídos pelo Governo a parlamentares por meio de emendas de relator. Parte desse dinheiro foi destinado à compra de tratores supostamente com sobrepreço. Além disso, o dinheiro irrigou estatais aparelhadas pelo Centrão, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional,

Freio do Supremo

Dos 17 bilhões de reais reservados para emendas do relator, o Governo já empenhou 9,3 bilhões, segundo a Câmara dos Deputados. O Supremo decidiu então no dia 9 de novembro, por 8 votos a 2, que as emendas de relator deveriam ser suspensas até que se criasse mecanismos para dar mais transparência a essa modalidade —que também se tornou alvo do Tribunal de Contas da União (TCU).

A Consultoria de Orçamento da Câmara divulgou uma nota técnica defendendo a constitucionalidade das emendas de relator. Nela, argumenta que quase metade do valor empenhado foram destinados à área da Saúde e que a suspensão de pagamentos sob o carimbo de RP-9 pode paralisar obras e serviços em andamento. Uma opção é que o Governo e Congresso Nacional driblem a decisão do Supremo e passem a usar as chamadas emendas de comissão, definidas pelas comissões da Câmara dos Deputados, segundo o Estadão. Essa modalidade é pouco utilizada, mas sabe-se que, pelas regras atuais, deputados e senadores também não precisam se identificar.

A Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado também emitiu uma nota técnica nesta segunda-feira, mas afirmando que é possível manter a transparência e divulgar a lista dos parlamentares que indicaram as emendas de relator. “Se houve ‘milhares de demandas’ e os relatores-gerais encaminharam-nas na forma de indicações, algum tipo de procedimento organizativo tiveram para fazê-lo, e algum registro documental ou informacional mantiveram para seu próprio controle; caso contrário, teriam agido sem saber o que estavam fazendo (o que evidentemente não é o caso)”, afirma.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, saiu em defesa das emendas de relator nesta segunda-feira, durante evento promovido pela Federal do Comércio do Paraná. Ele argumentou que o mecanismo vai “salvar muita gente no Brasil”. “Mal feito pode existir em emenda de relator, emenda individual, emenda de bancada, emenda de comissão, em orçamento de ministérios e esses malfeitos precisam ser combatidos e há mecanismos de combate desses malfeitos, desses desvios, desses crimes, mas não é a existência da emenda de relator que é por sua natureza algo ilícito, porque definitivamente não é”, explicou.

El País

As 4 ameaças que o Brasil tem pela frente na pandemia, na visão dos secretários de Saúde




Embora a vacinação contra a covid-19 tenha avançado bastante, cerca de um terço da população brasileira segue desprotegida

Por André Biernath, em São Paulo

A situação da pandemia de covid-19 na Europa, o surgimento de novas variantes (como a Ômicron), a quantidade de cidadãos vulneráveis e a baixa taxa de vacinação na América do Sul devem servir de alerta para o Brasil durante os próximos meses.

Essa é a avaliação feita pelo médico sanitarista Jurandi Frutuoso, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Conass.

Mestre em saúde coletiva pela Universidade de Brasília e secretário de Saúde do Ceará entre 2003 e 2006, o especialista reforça a necessidade de prudência com o coronavírus, mesmo que a situação do país tenha melhorado durante os últimos meses.

"É natural que, após dois anos de completa inatividade de alguns setores, exista agora uma ansiedade pelo retorno à vida normal. Mas precisamos tomar cuidado, pois vários sinais amarelos foram ligados em algumas partes do mundo recentemente", analisa.

Frutuoso entende que é preciso ter cautela com alguns eventos que estão por vir, como as festas de final de ano e o Carnaval. O temor é que elas estimulem o trânsito de turistas e causem aglomerações, que são um dos principais focos de transmissão do coronavírus.

"A entrada de turistas e as viagens internas entre cidades e Estados aumentam a possibilidade de aglomerações. E isso pode vulnerabilizar mais uma vez a nossa situação", avalia.

Um passo para frente, dois para trás

Na avaliação de Frutuoso, o avanço da vacinação contra a covid-19 permitiu que o Brasil "ficasse numa situação mais tranquila", com quedas nas médias móveis de casos e mortes pela doença desde o começo do segundo semestre de 2021.

"Mas nós ainda temos cerca de 30% da população que não está com o esquema completo ou não recebeu nenhuma dose", calcula.

"Isso nos preocupa, pois falamos de milhões de pessoas mais vulneráveis", complementa.

'Secretário executivo do Conass, Jurandi Frutuoso entende que momento exige cautela, bom senso e decisões baseadas na evidência científica'

Nessa conta, entram todas as faixas etárias, incluindo as crianças, cuja vacinação contra a covid-19 ainda não está liberada pelas autoridades brasileiras.

Se considerarmos apenas o público-alvo da campanha nacional, quase 90% dos indivíduos receberam a primeira dose e 75% estão com o esquema vacinal completo.

O médico sanitarista também chama a atenção para a baixa cobertura vacinal em outros países da América do Sul que fazem fronteira com o Brasil.

Enquanto Uruguai tem 76% da população completamente vacinada e Argentina está com 64% dos cidadãos mais protegidos, em outros países da região a campanha está bem mais atrasada. É o caso de Suriname (com 37% de indivíduos com as duas doses), Guiana (35%), Paraguai (35%) e Bolívia (33%). Os números são do site Our World In Data, que compila informações e estatísticas sobre a pandemia.

Na visão do secretário do Conass, isso representa uma segunda ameaça para o Brasil: o fluxo constante de pessoas pode fazer a situação piorar, a começar pelo aumento da taxa de transmissão do coronavírus em regiões e cidades fronteiriças.

O terceiro elemento que sinaliza um alerta para nosso país é a nova onda de covid-19 que acomete a Europa. Nas últimas semanas, esse continente foi classificado como novo epicentro da pandemia pela Organização Mundial da Saúde e alguns países tiveram que reintroduzir algumas restrições e até o lockdown.

Frutuoso lembra que, há alguns meses, a situação europeia havia ficado mais tranquila — o que, inclusive, motivou o abandono de algumas medidas, como o uso de máscaras e a prevenção de aglomerações.

"E, para completar, tivemos agora mais recentemente a descoberta da variante Ômicron na África do Sul, que traz uma constelação de mutações que ainda precisam ser estudadas, mas que podem afetar a imunidade prévia", observa o especialista.

O que fazer agora?

E é justamente para evitar que esses fatores afetem o Brasil e façam a pandemia piorar novamente por aqui que o Conass pede prudência e cautela aos gestores públicos.

Em cartas publicadas nos últimos dias, a entidade faz dois apelos principais. Primeiro, que o Governo Federal coloque em prática a exigência de comprovante de vacinação para a entrada de viajantes no Brasil, como orientado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Por ora, os passageiros que desembarcam aqui precisam apresentar apenas um teste PCR negativo para covid e uma declaração sobre o estado de saúde.

Segundo, que os gestores de cidades e Estados evitem grandes festas e aglomerações pelos próximos meses, especialmente o Réveillon e o Carnaval.

"Não é possível adotar uma decisão única para os mais de 5 mil municípios brasileiros. Mas os responsáveis pelas políticas públicas precisam considerar a realidade epidemiológica local e alguns indicadores, como a taxa de transmissão do coronavírus, o índice de vacinação e a ocupação de leitos hospitalares", analisa Frutuoso.

"Também é importante que os gestores continuem com a vacinação e estimulem as medidas não farmacológicas para controle da pandemia, como o uso de máscara, a lavagem das mãos e a redução de aglomerações quando possível."

"Resumindo, precisamos colocar em prática dois termos muito importantes: bom senso e responsabilidade. Todas as decisões precisam estar baseadas nas evidências científicas e seguir critérios técnicos", completa o sanitarista.

Dois pesos, duas medidas?

Por fim, Frutuoso entende que a decisão de cancelar ou não o Carnaval, que tem gerado debates acalorados nas redes sociais, precisa estar alinhada com as demais medidas de restrição — de nada adianta uma cidade não realizar as festividades em fevereiro enquanto permite que shows, cultos e jogos de futebol com público aconteçam a todo vapor no final de 2021 e no início de 2022, por exemplo.

De acordo com notícias divulgadas nos últimos dias, mais de 70 cidades do interior e do litoral de São Paulo decidiram não realizar o Carnaval no próximo ano.

'Realização do Carnaval em 2022 depende do cenário epidemiológico das cidades e dos riscos de novas ondas de covid, entende Frutuoso'

"Se um município libera tudo e quer proibir apenas o Carnaval, isso é temerário e fragiliza a decisão", contrapõe o secretário.

"Não se pode abrir mão das máscaras e permitir aglomerações agora se você está preocupado com o que vai acontecer em fevereiro", avalia.

O especialista reforça que todas as políticas públicas para conter a pandemia devem ser feitas com prudência, lucidez e critérios técnicos.

"Todos nós sabemos o quanto esses dois últimos anos foram dolorosos e desgastantes. Mas o que podemos fazer, agora que chegamos até aqui?", questiona.

"São justamente esses cuidados que ajudam a evitar que o sinal amarelo de outras partes do mundo também se acenda aqui no Brasil", conclui.

BBC Brasil

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