Publicado em 19 de abril de 2023 por Tribuna da Internet
Alexa Salomão e Marcelo Rocha
Folha
O gás natural, extraído junto com o petróleo, é alvo de uma antiga queda de braço no Brasil entre técnicos da área de energia e políticos que defendem interesses de algumas empresas. Neste início do terceiro mandato de Lula (PT), os políticos têm ganhado terreno. A razão, avaliam integrantes do setor de energia, está na Casa Civil.
O ministro Rui Costa (PT) tem ajudado a agilizar projetos e indicações para acelerar o uso do gás. Chama a atenção no setor de energia o fato de ele ter antigos laços com o empresário Carlos Suarez, chamado por executivos do setor como “o homem do gás”. Medidas adiadas há anos foram desengavetadas com apoio do Planalto, entre elas o brasduto, rede de gasodutos que passaria por capitais e áreas do interior do Brasil, estimada em R$ 100 bilhões.
NOS 100 DIAS – O brasduto é tratado como pilar para o único programa novo que o governo conseguiu anunciar nos 100 primeiros dias: o “Gás para Empregar”. Em linhas gerais, ele propõe usar o gás para promover a reindustrialização do Brasil.
O brasduto foi lançado na reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), atipicamente prestigiada pelo presidente Lula, além do vice Geraldo Alckmin e de cinco ministros —incluindo Costa. O gás foi tratado como prioridade, apesar de ser fóssil e questionado por ambientalistas, e de o governo dizer que prioriza a transição energética verde.
A proposta tem uma faceta positiva. Alguns segmentos da indústria nacional, como fabricantes de cerâmica e vidro, petroquímicas e siderúrgicas localizadas em áreas competitivas para o uso do gás poderiam se beneficiar. Isso explica, por exemplo, o apoio ao gás pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).
CUSTO ELEVADO – O programa de gasodutos é defendido especialmente por distribuidoras de gás interessadas em garantir dinheiro público para o transporte do insumo. Diferentes estudos, porém, mostram a inviabilidade financeira de vários trechos, pois o custo do transporte seria tão elevado que deixaria o gás muito caro para empresas ou residências.
Suarez é o S da OAS, construtora que ajudou a fundar em Salvador, nos anos de 1970, mas da qual depois se desligou. Agora, é dono da Termogás, que controla distribuidoras de gás encanado em regiões ainda não atendidas por gasodutos.
Na lei de privatização da Eletrobras, políticos ligados a Suarez conseguiram incluir a exigência para a construção de 8 GW (Giga-watts) de térmicas, como alternativa para justificar a construção dos gasodutos e o consumo de gás em regiões mais distantes, atraindo forte oposição dos especialistas em energia elétrica. Mas o grupo político não conseguiu viabilizar os gasodutos.
HOUVE RESISTÊNCIA – A ideia, já encampada pelo governo, é usar agora a PPSA (Pré-Sal Petróleo S/A) para formar a nova rede de dutos. Essa sugestão tinha sido apresentada durante a gestão Bolsonaro ao então ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida, que ficou com o pé atrás e vetou. Seu antecessor, Bento Albuquerque também resistiu ao projeto.
No último dia 6, o governo Lula deu o primeiro passo para realizá-lo. Despacho publicado no Diário Oficial da União determinou que a PPSA tem até 180 dias para fazer estudos capazes de “viabilizar o abastecimento nacional de combustíveis derivados de petróleo”.
Um sinal forte de apoio ao gás e a Suarez, avaliam especialista do setor, foi Costa insistir na indicação, para secretário-executivo do MME (Ministério de Minas e Energia), de Efrain da Cruz, que é ligado ao centrão e associado à defesa de projetos do empresário — como as térmicas previstas na Lei da Eletrobras.
ARRANJOS POLÍTICOS – O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), apoia os gasodutos, mas porque mira outra estratégia. Antes de assumir, ele já sondava o setor sobre os caminhos para levar o insumo ao Triângulo Mineiro e tirar do papel uma fábrica de fertilizantes. O uso do gás nessa atividade também já está incluído no “Gás para Empregar”.
Silveira almeja se candidatar ao governo mineiro, e a fábrica de fertilizantes é uma boa plataforma. Em parte, afirmam pessoas próximas à pasta, foi por isso que Silveira aceitou Efrain como seu secretário-executivo.
Silveira queria no cargo Bruno Eustáquio, nome bloqueado pela Casa Civil sob o argumento e que ele tivera cargo de confiança na gestão bolsonarista.
HISTÓRICO NEGATIVO – Até especialistas em energia respeitados no PT tentaram evitar que Efrain fosse efetivado por causa do histórico como diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A Casa Civil, porém, insistiu no nome. Efrain é um defensor do gás associado a Suarez. Sua indicação foi mal recebida até no mercado financeiro.
Procurado, o MME recomendou a leitura de texto de divulgação sobre o programa Gás para Empregar. Efrain e Âmbar não se manifestaram até publicação deste texto.
O ministro Rui Costa também não quis se manifestar sobre sua relação com Suarez, sobre negócios de interesse do empresário junto ao governo da Bahia, sobre eventual participação no processo de indicação de Efrain para o posto de número 2 do Ministério de Minas e Energia.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Importantíssima reportagem de Alexa Salomão e Marcelo Rocha. Mostra que o apodrecimento das instituições é uma pandemia sem vacina no Brasil. (C.N.)