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sábado, novembro 02, 2024

Chamar Trump de “fascista” pode ter sido um grave erro de Kamala Harris

Publicado em 2 de novembro de 2024 por Tribuna da Internet

Metade dos americanos considera Trump 'fascista', diz pesquisa - Internacional - Ansa.it

Na verdade, Trump parece um ator e cada hora faz um papel

Demétrio Magnoli
Folha

Na reta final, diante de uma coleção de pesquisas assustadoras, Kamala Harris reverteu aos sombrios alertas de Biden, desistindo da linha de reduzir Trump a uma figura “esquisita”, “bizarra”, quase risível. Nasceu daí a decisão de classificá-lo como “fascista” e, na sequência, através de terceiras vozes, a de traçar paralelos hiperbólicos entre o comício do rival no Madison Square Garden e a manifestação nazista, no mesmo local, em 1939, que exibiu no palco um retrato de George Washington emoldurado por suásticas.

Erro tático, concluíram analistas independentes e mesmo alguns estrategistas democratas. A radicalização retórica presta desserviço à imagem de candidata “unificadora” que Harris tenta projetar e a seu intento de persuadir eleitores indecisos.

SERIA VERDADE? – No fim, ela estaria submetendo-se às regras do jogo de um rival que aposta na desqualificação e no insulto. Mas, de fato, independente das conveniências da disputa por votos, seria verdadeiro o adjetivo? Trump deve ser, objetivamente, definido como fascista?

A extensa família do nacionalismo compartilha traços superficiais do fascismo. A Reunião Nacional francesa, de Le Pen, e o Irmãos da Itália, de Meloni, repudiam oficialmente o fascismo mas conservam, em gestos e palavras, fragmentos de suas raízes históricas.

 A tirania imperialista, grão-russa e ultraconservadora de Putin contém pitadas de fascismo, algo que também pode ser identificado na ditadura pós-chavista de Maduro. Contudo, um rigor intelectual básico, que saiu da moda, proíbe classificar como fascistas tais partidos ou regimes.

XENOFOBIA – Do fascismo, Trump recolhe a xenofobia extremada e o impulso à construção de um movimento de massas, o Maga (Make America Great Again), em cuja periferia movem-se milícias supremacistas. Mas, na salada ideológica do trumpismo, inexiste o conceito fascista nuclear do Estado corporativo. Além disso, ao longo do mandato original do ex-presidente, as liberdades públicas e políticas seguiram intactas.

Foi John Kelly, general da reserva e ex-chefe de gabinete de Trump, quem colocou o adjetivo na roda, propiciando o avanço retórico da candidata democrata.

“O ex-presidente situa-se no campo da extrema direita, é um autoritário e admira ditadores. Assim, com certeza, ele encaixa-se na definição geral de fascista.” A “definição geral” invocada por Kelly abrange incontáveis tiranetes e, sobretudo, ignora as singularidades do fascismo.

FIDELIDADE – O ponto crucial da entrevista de Kelly encontra-se em outro lugar: a menção a um diálogo no qual o então presidente louvava a fidelidade inabalável dos generais de Hitler. O relevante, aí, não é o nome Hitler, mas a palavra fidelidade.

O chefe do Maga ressente-se das resistências dos seus antigos auxiliares militares em cumprir suas ordens impulsivas e, ainda, dos inquéritos instalados contra ele por promotores judiciais. Como lulistas e bolsonaristas, Trump enxerga nas agências públicas autônomas um “Estado profundo” engajado na sabotagem da vontade soberana do Líder eleito.

Trump promete, num segundo mandato, varrer o “Estado profundo”. A alta burocracia estatal seria submetida a expurgos purificadores e colonizada por figuras tão leais quanto os generais de Hitler. Não é fascismo, mas configura um desafio existencial à democracia americana.


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