Publicado em 5 de novembro de 2023 por Tribuna da Internet
Lourival Sant’Anna
Estadão
Este momento da guerra entre Israel e o Hamas conduz a três perguntas fundamentais. Quais as parcelas de responsabilidade de cada lado no atual sofrimento da população da Faixa de Gaza? Qual o risco de a guerra se expandir? Quanto esta crise inviabiliza ou impulsiona um futuro Estado palestino? As três questões estão interligadas.
Os palestinos têm muitos motivos para frustração e revolta: a ocupação militar e a expansão das colônias judaicas na Cisjordânia; a garantia pelas forças israelenses do acesso de judeus ao complexo da Mesquita de Al-Aqsa e as frequentes interdições de fiéis muçulmanos; a disseminação da presença judaica no bairro árabe da Cidade Velha de Jerusalém; o bloqueio à Faixa de Gaza.
HAMAS DÁ MOTIVOS – Entretanto, desde que surgiu, em 1987, o Hamas canaliza esse ressentimento de uma forma que apenas impede que se encontre uma solução para esses problemas, ao proporciona a Israel pretextos para manter essa política expansionista e reforça as correntes extremistas da política israelense.
Esta é a quinta guerra com Israel que o Hamas provoca desde sua chegada ao poder em Gaza, em 2007, sempre causando enorme sofrimento para os palestinos. O sofrimento impingido por Israel agora é tanto maior quanto a brutalidade das atrocidades cometidas pelo Hamas no dia 7 e a barragem de foguetes desde então.
O Hamas se mistura à população civil com o propósito perverso e covarde de elevar o preço político das respostas israelenses a seus ataques.
TESTEMUNHO – Eu presenciei em Gaza elementos do Hamas emergindo por um alçapão do subterrâneo do pátio de um hospital. Fui visto filmando foguetes disparados de área residencial e homens encapuzados do Hamas invadiram à meia-noite o apartamento onde eu estava para examinar minha câmera.
A tomada de mais de 200 reféns pelo Hamas, outro ato de perversidade e covardia, também reduz a margem de ação de Israel. Tudo isso é responsabilidade do Hamas.
Por outro lado, é compreensível o desejo de Israel de aniquilar o Hamas, depois do que o grupo fez. Mas Israel tinha um leque de opções militares. A carga explosiva dos mísseis disparados pelos caças israelenses produz necessariamente a morte de grande número de civis. Existem mísseis menores, que permitiriam ações mais cirúrgicas.
VIGILÂNCIA PERMANENTE – Sei que isso soa improvável, diante da incompreensível falha de inteligência e de resposta militar que permitiu as incursões permanente – 7 de outubro do Hamas, mas Israel mantém minuciosa vigilância sobre a Faixa de Gaza, por meio de radares, balões, drones, aviões e satélites.
Os túneis são um imenso complicador, mas Israel estaria realizando bombardeios às cegas se não fosse capaz de acompanhar os movimentos do inimigo. Os porta-vozes militares israelenses garantem que estão disparando contra elementos do Hamas.
Mesmo para perfurar túneis não é necessário abrir crateras tão grandes como as que os mísseis israelenses estão abrindo, matando dezenas de civis. Em alguns casos, tapetes de bombas têm arrasado quarteirões residenciais inteiros. A responsabilidade por essas decisões operacionais é de Israel.
CULPA DE ISRAEL -Quanto mais despropositada a resposta, maior a tendência não só dos palestinos mas de todo o mundo árabe-muçulmano de responsabilizar Israel, e não o Hamas, pelo sofrimento dos civis. Isso alimenta a radicalização e diminui ainda mais o espaço para uma solução negociada.
Não interessa ao Irã envolver o Hezbollah em grande escala. O Irã está próximo de seu principal objetivo estratégico — a arma nuclear. Israel pretende negar ao Irã essa capacidade.
O Hezbollah é um importante ativo dissuasório e tático contra eventual ação de Israel. Provocar Israel a destruir o Hezbollah agora, com ajuda americana e britânica, seria contraproducente.
MAIS TERRORISMO – A brutalidade dos bombardeios de Israel cria o terreno fértil para mais terrorismo, anti-semitismo e islamofobia, numa espiral que se retroalimenta. Abre caminho também para mais ataques de grupos externos apoiados pelo Irã, como o Hezbollah no Líbano, milícias árabes e iranianas na Síria e no Iraque e os houthis no Iêmen.
Nada disso significa que Israel seria diretamente responsável pelas ações de todos esses atores. Assim como os militares israelenses respondem por suas decisões táticas e operacionais, também o Irã e esses grupos devem responder pelas deles.
Mas alguém tem de ser moral e politicamente capaz de romper essa espiral. Mas não tem sido essa a tradição do Oriente Médio.