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domingo, abril 09, 2023

Aos poucos, vão implantando a censura, usando como argumento as fake news

Publicado em 9 de abril de 2023 por Tribuna da Internet

Charge sobre censura - Donny Silva

Charge do Nani (Nanihumor.com)

Fernando Schüler
Veja

O Estado brasileiro anda obcecado pela “verdade”. Leio que o governo criou uma procuradoria para combater a “desinformação”. O país viveria uma “ruína moral” e seria preciso combater a “praga” das fake news. O mesmo que faz o novo portal ao estilo fact-checking, no qual o governo diz o que é ou não verdadeiro sobre o próprio governo.

O fenômeno não se dá apenas no Executivo. Ainda na campanha, o ministro Fachin filosofou que estamos metidos em uma imensa “desordem informacional”, o que justificaria a ação reguladora do Estado. É o que tem ocorrido.

“RECRIAÇÃO” DO STF – Por estas semanas, o Supremo recriou a norma constitucional, quebrando a imunidade de um deputado federal, porque, entre outras razões, ele teria veiculado “fatos sabidamente falsos”, nas redes sociais, em um bate-boca sobre o projeto de uma colega deputada. Tudo com direito a uma frase síntese: “Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos mentirosos”.

Isso é tudo muito curioso. Houve tempo em que havia certo consenso de que não cabia ao Estado se envolver nessas coisas. Ainda em 2019, o vice-procurador-geral eleitoral Humberto de Medeiros dizia que não cabia ao Estado “ser o dono da verdade” e “tutelar sobre aquilo que é fato”. E que, se tentasse, iria agir como um herói truculento, que “resolve um problema criando vários outros”. Agora as coisas mudaram.

Por óbvio, não estamos falando de uma decisão técnica, no curso do devido processo, sobre a verdade de uma prova ou alegação específica. O problema é a presunção da verdade sobre fatos e opiniões, no debate geral da sociedade. Quem teria a prerrogativa de definir essas coisas?

SOMOS TODOS HEREGES? – Alguns dizem que Sebastian Castellion, um sábio francês do século XVI, foi o primeiro a se fazer essa pergunta, sugerindo que “somos todos hereges aos olhos de quem diverge de nós”. A pergunta agora parece renascer.

Dias atrás, li a proposta do governo para a “lei das fake news”, que tramita no Congresso. A lei usa quinze vezes a palavra “desinformação”, cria uma Comissão e um código regulando o que pode ou não ser dito. Achei curioso o veto ao impulsionamento de conteúdos negando “fatos históricos violentos bem documentados, com o objetivo de minimizá-los”. Quem sabe um seminário sobre a Revolução Russa? Ou nossa Revolução Farroupilha? Fiquei no ar. O problema parece generalizado.

 No último pleito, a Justiça Eleitoral literalmente editou o debate eleitoral, como nunca havia acontecido no país, e mesmo agora uma lei proposta pelo presidente do Senado deseja incluir as fake news no rol dos crimes de responsabilidade, passíveis de levar um presidente ao impeachment.

DO TIPO CENSURA – O argumento pró-censura é sempre muito parecido. Gira em torno de temas como a “disseminação de notícias falsas”, “ameaças à democracia”, “discursos de ódio”. Quanto mais abertos os conceitos, mas discricionariedade nas mãos de quem tem poder. Se você questionar, surge a falácia do espantalho: “Então pode propaganda nazista? Pode mentir à vontade?”.

Estes dias me aplicaram esta, em um debate, e imediatamente me lembrei do caso Hunter Biden. À época, o Twitter e o Facebook esconderam a notícia sobre os e-mails comprometedores para a imagem de Joe Biden, então concorrendo à Presidência, referentes a negócios nebulosos do filho dele na Ucrânia e na China quando o pai era vice-presidente de Barack Obama.

Os eleitores foram privados de ter acesso a uma informação que poderia ter afetado sua decisão, porque os donos de algumas redes acharam que a informação deveria ser censurada. Fica claro qual é o problema?

LULA E ORTEGA – Durante a campanha eleitoral, nossa Justiça Eleitoral proibiu os jornais de associarem Lula ao ditador Daniel Ortega. Agora, no início de março, o governo Lula se recusou a assinar uma nota conjunta de 55 países, na ONU, incluindo Estados Unidos e grandes democracias europeias, condenando as infrações a direitos humanos na Nicarágua.

Teria sido importante que os eleitores tivessem acesso àquela crítica? Ela era dura demais? Cabia ao Estado bloquear aquela opinião?

É evidente que deve haver limites. Cometimento de crimes bem tipificados, como a pedofilia e a injúria racial, são exemplos claros no Brasil. Ou tudo que envolva o que os americanos tipificam como “fighting words”, que funcionam como convocações diretas à violência. Isso nada tem a ver com um cidadão dizer “prefiro uma ditadura à vitória do candidato A ou B”, em um grupo privado, ou uma crítica, ácida que seja, a nosso sistema eleitoral.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO – O ministro Alexandre de Moraes disse em um seminário que “é uma narrativa ridícula” dizer que se está tentando limitar a liberdade de expressão. Com o respeito devido ao ministro, censurar previamente um filme ou alguém por dizer que prefere viver uma ditadura ou criticar as urnas eletrônicas (os exemplos poderiam ir longe) é, sim, constranger a liberdade de expressão.

A não ser que aceitemos a tese da tutela estatal sobre a verdade. Há muita gente que acredita nisso, em geral quando os censurados são os “outros”, um pouco como os hereges, na boa lição de Castellion.

O ponto é que delegar ao Estado o direito de arbitrar sobre a verdade é trair uma das grandes promessas modernas, do poder político como fundamentalmente apartado da consciência individual. Estados totalitários recriaram essa ideia, com as consequências sabidas.

A CONTA-GOTAS – Não vivemos em um Estado totalitário no Brasil. Apenas vamos aceitando, na miséria da guerra política, um iliberalismo a conta-gotas, feito de urgências políticas e visões plásticas de quem detém o poder.

Algo que me intriga é a ideia comum de que o surgimento da internet tornou obsoletas as grandes lições modernas sobre a liberdade de expressão. É irônico observar como se pensou assim a cada nova revolução nas tecnologias da informação. De fato, há riscos. O rádio, a TV e o cinema foram usados para a guerra e a dominação, tanto quanto para a liberdade.

Nossa atual revolução tecnológica parece fatal por ter oferecido um desmedido aos indivíduos. Acentuou a dispersão de ideias e valores em um mundo cuja marca de nascença é a própria diversidade.

NO JUÍZO FINAL – Me lembra a imagem de John Milton, em sua Areopagítica, sobre Osíris, o deus egípcio esquartejado e lançado às águas do Nilo. “Tomaram a virgem verdade, cortaram suas belas formas em mil pedaços e a jogaram aos ventos.” Apenas no juízo final, dizia ele, isso tudo será refeito. Até lá, nosso destino é a incerteza.

De um jeito mais pragmático, foi a mesma intuição do jovem Alexis de Tocqueville, em sua icônica viagem à América, em 1830. Ele se impressionou com a abundância de jornais circulando na jovem república. Era aquela diversidade de vozes que impedia “a formação dessas grandes correntes de opinião que derrubam tudo à frente”.

Seu ponto é sutil: a saída não reside no controle, mas na abundância. Na multiplicidade de vozes que se opõem, nos enfurecem, mas que ao longo do percurso regulam-se mutualmente. E mais importante: nos ensinam a viver em meio ao ruído, ao risco dado pelo avanço implacável da tecnologia, que não podemos deter.


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