Por Luiz Carlos Azedo (foto)
Não foi à toa que Lula bateu tanto na gestão social e na política econômica de Bolsonaro, muito mais do que nas questões de ordem institucional. É o ponto mais fraco do governo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oficializou, ontem, em São Paulo, a candidatura a presidente da República, tendo o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) como vice. A chapa “lula com chuchu” é uma frente de esquerda formada também por PSol, PCdoB, PV e Rede. Lula fez uma defesa enfática de sua passagem pela Presidência, lembrou as realizações de seus dois mandatos, prometeu defender a soberania do país, restabelecer as políticas sociais de seu governo e retomar o crescimento, com redistribuição de renda. Disse ter sido perseguido judicialmente, mas não guardar rancor, e conclamou todos os democratas a apoiá-lo contra Jair Bolsonaro. E deixou claro que a ex-presidente Dilma Rousseff, presente ao encontro, pelo fato de ter sido presidente da República, não fará parte do seu governo.
O petista foi antecedido por Alckmin, que não compareceu ao ato por estar com covid-19. Fez um longo discurso em apoio a Lula, que qualificou como a única via da esperança para garantir a democracia e derrotar Bolsonaro. Bem-humorado, disse que “chuchu com lula” será um hit culinário, numa alusão ao apelido que ganhou na política por seu perfil moderado, sem arroubos de oratória. Projetado num telão, foi um discurso com o claro propósito de atrair os eleitores mais conservadores e liberais, porém sem margem de dúvida quanto à lealdade ao petista.
Entre uma fala e outra, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que está noiva de Lula, ofereceu como presente de casamento um vídeo gravado por vários artistas, entre os quais Martinho da Vila, Zélia Duncan, Maria Rita e Lenine, no qual o velho slogan da música de campanha de 1989 (Sem medo de ser feliz”) foi resgatado: Lula lá, brilha uma estrela/ Lula lá, cresce a esperança. O refrão foi lançado para o segundo turno da campanha presidencial. Apesar de Lula ter perdido a eleição para Fernando Collor de Mello, até hoje o jingle embala as campanhas petistas. Ontem, no Expo Center Norte, na Zona Norte da capital paulista, não foi diferente.
O lançamento da chapa Lula-Alckmin ocorre com vento a favor da oposição ao governo Bolsonaro, principalmente no aspecto econômico. Na pesquisa Ipespe, divulgada na sexta-feira, para 63% da população a economia brasileira está no caminho errado, contra 32% que pensam o contrário. Muitos estão ganhando dinheiro com o atual governo, mas a maioria da população está sofrendo com o desemprego, a redução da renda familiar, a inflação nas alturas e os juros na lua.
Conjuntura adversa
Só não é uma tempestade perfeita porque a pandemia de covid-19 foi contida pela vacinação. A inflação é pressionada por fatores que Bolsonaro não controla, sem falar nos erros do próprio governo. O conflito militar entre Rússia e Ucrânia e fatores internos, como problemas climáticos e as incertezas políticas deste ano, puxarão os índices de preços pelo menos no primeiro trimestre. Nos Estados Unidos, por exemplo, a inflação ao consumidor atingiu 8% em 12 meses, o nível mais alto desde 1982. Na zona do euro, chegou a 5%, alcançando o maior patamar desde a criação da moeda única no continente europeu.
O preço internacional do barril de petróleo subiu para perto de US$ 100, cinco vezes acima do que na fase aguda da pandemia, quando a cotação chegou a cair para US$ 19. Outras fontes de energia, como carvão e urânio, também ficaram mais caras. O aumento da demanda global e a política de lockdowns em zonas industriais e portuárias da China, para conter o avanço da covid-19, provocaram escassez de insumos e de mercadorias importadas.
Produtos industrializados passaram a ficar mais caros, com filas de duas a três semanas em vários portos para descarregar mercadorias. Os fretes quadruplicaram ou quintuplicaram, dependendo do produto, o que eleva ainda mais os custos. A seca no Sul e as enchentes em Minas Gerais e no Nordeste influenciaram ainda mais a alta de preços no começo deste ano. Com o barril caminhando para US$ 90, não adianta nada Bolsonaro pôr a culpa da inflação da Petrobras, que é obrigada a praticar preços de mercado. Com a crise energética global e a desvalorização do real, o Brasil importa inflação de outros países.
Não foi à toa que Lula bateu tanto, ontem, na gestão social e na política econômica de Bolsonaro, muito mais do que nas questões de ordem institucional. Segundo a mesma pesquisa do Ipespe, o peso da agenda econômica na decisão de voto dos eleitores subiu de 23% para 47%. O governo Bolsonaro tem 62% de desaprovação.
Apesar das pisadas de bola em entrevistas — como aquela em que equiparou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que ordenou a invasão da Ucrânia —, Lula manteve seu favoritismo: 44% de intenções de votos, um a menos do que na pesquisa passada, contra 31% de Bolsonaro, que se manteve nesse patamar. Ciro Gomes tem 8%; João Doria, 3%; André Janones, 2%; Simone Tebet, 1%; e Felipe D’Ávila, 1%. No segundo turno, Lula venceria Bolsonaro com 20 pontos de diferença: 54% a 34%.
Correio Braziliense