Pesquisas mostram que realidade econômica, marcada pelo avanço dos preços administrados, começa a mostrar limites do discurso de Bolsonaro
Preços administrados como combustíveis e energia costumam ser uma pedra no sapato de qualquer governo. Em países emergentes como o Brasil, boa parte da renda da população já se esvai na compra de itens básicos em situações normais, e na ocorrência de guerras como a atual o problema se agrava ainda mais. A origem da crise pode até ser externa, mas o ônus sempre recai sobre o governo. Na dura realidade vivida pela maioria da população, algo precisa ser feito a respeito; se há alguém com poder para isso, é o presidente; e, se ele não o faz, é por falta de vontade política.
Na prática, não é assim que as coisas funcionam. A conta de luz pode subir em razão de uma seca que reduz a geração de hidrelétricas e obriga o acionamento de termoelétricas; pela necessidade de investimentos na expansão do setor; por uma política benevolente de subsídios. Os combustíveis, por sua vez, podem aumentar em razão da variação das cotações internacionais de petróleo; por conflitos geopolíticos envolvendo países produtores; por dificuldades logísticas; pela concentração de mercado. Fato é que, para quem gasta parcelas importantes de seu salário com esses itens, os motivos não importam. Diferentemente dos alimentos, quando luz, gasolina, diesel e gás sobem, a percepção é que a responsabilidade é do presidente.
Há mais de três anos no comando do País, certamente Bolsonaro ouviu explicações técnicas aprofundadas sobre o comportamento dos preços de energia e combustíveis. O que não lhe falta, com certeza, é informação de qualidade. Se há poucas alternativas viáveis para resolver problemas complexos, o que não faltam são soluções ruins à procura de problemas para justificar sua adoção. Nessa toada, Bolsonaro já demitiu dois presidentes da Petrobras e tenta coagir a empresa a não fazer novos reajustes aos gritos. Os preços, no entanto, continuam elevados.
Nos governos petistas, a solução para esse problema foi o intervencionismo, com controle desavergonhado dos preços administrados, principalmente em ano eleitoral. No fundo, era o que Bolsonaro gostaria de fazer, mas não pode. Assim, apela-se para outro modus operandi: encontrar culpados, qualquer um, para livrá-lo da responsabilidade. É bem verdade que isso funciona para a ala mais radical e fiel de seus apoiadores, a quem ele oferece desde ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), como o perdão ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), a contestações contra a segurança do sistema eleitoral e a inviolabilidade da urna eletrônica. No caso dos preços da gasolina e do diesel, os inimigos já foram os governadores; hoje, é a Petrobras. Mas a realidade econômica começa a mostrar os limites dessa estratégia.
O mais recente levantamento Ipespe, do início de maio, mostra estabilidade no cenário eleitoral, com 44% das intenções de voto para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 31% para Bolsonaro. Os dados mais importantes, porém, são os que revelam a percepção da população sobre a economia. Do total de entrevistados, 95% disseram que a inflação subiu ou aumentou muito e 62% avaliam que os preços dos produtos vão seguir essa trajetória nos próximos meses; 63% acreditam que a economia brasileira está no caminho errado. Pela primeira vez, inflação e o custo de vida foram os temas mais citados pelos entrevistados como prioritários para o próximo presidente, juntamente com educação.
Dessa pesquisa, infere-se o óbvio: a inflação – e, consequentemente, os preços administrados – tende a ser o assunto principal das eleições deste ano. Para Bolsonaro, isso certamente não é novidade. As falas antidemocráticas do presidente podem fazer com que passe despercebida uma parte relevante de sua mensagem, segundo a qual o aumento de preços é um fenômeno mundial não restrito ao Brasil. É algo que ele repete à exaustão no cercadinho do Palácio da Alvorada. Essa explicação, no entanto, não tem convencido a maioria da população, algo que talvez ajude a explicar o destempero de Bolsonaro nos últimos dias.
O Estado de São Paulo