Por Carlos Newton
No início da carreira, Tom Jobim tinha uma parceiro extremamente inspirado, da mesma idade, pianista clássico e que também tocava nas boates do Rio. Chamava-se Newton Mendonça, era também violinista e gaitista, um talento extraordinário. Foi o autor do “Samba de Uma Nota Só”, que depois o amigo Jobim só ajudou a fazer a letra, e os dois compuseram outros sucessos, como “Foi a Noite”, “Desafinado” e “Meditação” (O Amor, o Sorriso e a Flor). Mendonça casou-se com a cantora Cylene Ribeiro, do Quarteto em Cy, e morreu aos 33 anos, sem ter usufruído o sucesso e o direito autoral de suas músicas.
Eram dois gênios, mas a fama ficou toda com Jobim, que era assediado por outros parceiros e parou de fazer composições com Mendonça, que se tornou exemplo perfeito do ilustre desconhecido.
UMA NOTA SÓ – Essas lembranças do início da bossa nova são causadas pelo comportamento atual de Jair Bolsonaro. Jamais ouviu falar em Newton Mendonça, não tem a menor ideia sobre esse músico genial, mas age como se fosse seguidor da obra dele, pois está se tornando o presidente de uma nota só. Na campanha eleitoral, Bolsonaro joga todas as fichas no confronto contra o Poder Judiciário, ora atacando o Supremo, ora fustigando o Tribunal Superior Eleitoral. É como se os outros temas nacionais nem existissem.
Nesse insensato radicalismo de uma nota só, o presidente não percebe que a repetição indefinida do tema tende a desgastá-lo, porque não adianta denunciar que a eleição será fraudada, sem conseguir apresentar provas a respeito.
Donald Trump tentou essa jogada e se deu mal. Embora até hoje um terço dos americanos acredite que a vitória de Joe Biden foi obtida por baixo dos panos, a imensa maioria dos eleitores não entrou nessa barca furada da matriz U.S.A.
GENERAIS EM AÇÃO – Para fortalecer a acusação aqui na filial Brazil, Bolsonaro conta com a prestigiosa ajuda de chefes militares, especialmente o ex-ministro Braga Netto, que indicou o general Héber Garcia Portella para integrar a Comissão de Transparência do TSE.
O general Héber, que é comandante de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro, contratou uma empresa paramilitar israelense de cybersegurança, a CySource, para assessorá-lo no TSE, onde a atuação do representante das Forças Armadas tem sido tendenciosa, a ponto de cobrar urgentes medidas para prever e divulgar antecipadamente “as consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade”.
Como se vê, o general ainda não conseguiu indicar qualquer irregularidade, mas já exige providências antecipadas para algo que nem sabe definir. Ou seja, o representante militar está sendo claramente usado para pôr em dúvida a confiabilidade das urnas eletrônicas e a atuação do TSE durante as eleições.
P. S. – Trata-se de um comportamento de caráter político-eleitoral e não condiz com o que se deve esperar da postura de um oficial superior. Cabe ao atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enquadrar o representante das Forças Armadas, para que abandone esse procedimento e passe a agir com a imparcialidade de um observador militar de alta linhagem, desculpem a franqueza. Por fim, deve-se destacar que o ministro da Defesa agiu oportuna e acertadamente, ao determinar que as medidas propostas pelas Forças Armadas sejam divulgadas pelo TSE. Essa transparência vai oxigenar a democracia e evitar que haja mal-entendidos de uma nota só. (C.N.)
Tribuna da Internet