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segunda-feira, janeiro 03, 2022

Jovens políticos velhos




Por Ascânio Seleme (foto)

Muito provavelmente o Brasil será governado a partir de janeiro de 2023 por um político de 77 anos, um veterano que àquela altura terá participado diretamente de seis campanhas presidenciais e indiretamente de outras três. Um homem de seu tempo, que amadureceu e se renovou ao longo dos anos, mas ainda assim um fruto da guerra fria, do bem contra o mal. Do vermelho contra o azul. Um ser binário. Quando tomar posse, Lula terá 41 anos a mais do que o chileno Gabriel Boric, presidente eleito do Chile, com quem se reunirá em cúpulas e encontros bilaterais. Ambos são de esquerda e guardam outras muitas semelhanças a despeito do abismo etário que os separa.

Aos 35 anos, não se pode dizer que Boric seja o mais moderno dos políticos. Não é. Trata-se de um jovem da sua época com sinais externos visíveis. Me refiro às tatuagens do novo presidente. Apesar de não ser necessariamente uma novidade, a tatuagem remonta três mil anos de história, ela representa rebeldia e transgressão. Pode ainda significar coragem. Mas também pode não ser nada disso. O fato é que a tatuagem hoje está cada vez mais marcada na pele dos jovens. Desafio um leitor a me dizer que não tem pelo menos um parente muito próximo tatuado. Ele tem, e é jovem.

Mas, para lá da tatuagem, as novas gerações que aos poucos vão tomando o poder têm tudo para mudar velhos paradigmas. Talvez em razão da revolução tecnológica e das comunicações, o fato é que a distância que hoje separa os avós de seus netos nunca foi tão grande. Na política, contudo, o que vemos sempre é mais do mesmo. Vamos aos exemplos clássicos. Qual a diferença entre Tancredo Neves e seu neto Aécio Neves, fora o fato do segundo ter colocado a mão na botija? Nenhuma. O neto fez e faz política como seu avô fazia, sem obviamente a habilidade do ancestral. Aécio é um político tão velho quanto Tancredo. Há outros exemplos, como o de ACM e Neto, ou os filhos e netos de tantos outros políticos pelo país adentro.

Ex-líder estudantil, Gabriel Boric representa a juventude no poder. Teoricamente, seria um revolucionário na pauta política. Mas, antes mesmo de assumir, o presidente eleito já deu sinais que governará com diálogo e com todos os chilenos. Uma excelente avant-première, afinal o que um país dividido mais precisa é união em busca de um futuro melhor para todos. Com certeza não é o que dele esperavam os estudantes que nos últimos anos paralisaram o Chile em manifestações gigantescas de inconformismo e indignação e que agora se irritam com a súbita moderação do ex-líder. De qualquer forma, o novo presidente chileno assume com uma Constituinte em curso que deve mudar a cara do seu país. Constituinte que a sua turma ajudou a levantar.

Diálogo para construir sua candidatura é também o que Lula busca no Brasil. E aqui mais uma semelhança entre Lula e Boric. A deputada Luiza Erundina e o presidente do seu partido (PSOL), Juliano Medeiros, criticaram esta semana as alianças com o centro que o ex-presidente começa a articular. Juliano disse que é um erro assinar qualquer acordo com Alckmin, Erundina acha que Lula não deve fazer alianças políticas “a qualquer preço”. Juliano, que tem 38 anos, pensa como Erundina, de 87 anos.

Em países como Brasil, Chile e outros tantos da América Latina e da África, os homens públicos talvez não evoluam bem porque os problemas que enfrentam hoje são os mesmos de 50 anos atrás. Aqui na pátria amada a questão é que, em boa medida, eles são parcialmente responsáveis por isso, uma vez que fazem da política um instrumento pessoal ou de grupo, do seu grupo. Desviam verbas que deveriam ir para educação, saúde, segurança pública e infraestrutura, sendo que em alguns casos até de maneira legal, através das famosas emendas parlamentares.

Mas, não importa a idade do político. O que se espera dele é que esteja disposto a dialogar e trabalhar para a construção de um mundo novo para as novas gerações. Não é exigir muito. E lembre-se que no final quem elege os políticos é você, sou eu. Neste ano que começa hoje podemos mudar um pouco mais o Brasil, para melhor. A chance é grande, porque não há mais o que piorar por aqui.

Feliz 2022!

DE BEM COM O ALEMÃO

O embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, é um admirador confesso de Lula. Em conversas com outros diplomatas estrangeiros em Brasília costuma elogiar o conhecimento que Lula tem da política alemã, ao ponto de ser capaz de passar duas horas conversando sobre o assunto, segundo ele. O embaixador explica, a quem perguntar sobre a recente visita do ex-presidente a seu país, que Merkel não o recebeu por questões de protocolo. Um chanceler não pode receber candidatos, só por isso, diz Thoms.

PODE ESPERAR?

A federação de esquerda para as eleições deste ano pode não sair. Partidos pequenos têm desacordos com o PT nos estados. Lula está tranquilo, diz que pode esperar. Será? Tem gente na campanha que acha melhor resolver logo no primeiro turno, para evitar surpresas.

ÊXODO

Depois da debandada de parte dos olavetes, a base “autêntica” de Bolsonaro começa a dar sinais de fadiga em outros cantos. É importante observar o significado dos elogios a Sergio Moro feitos pelos bolsonaristas de carteirinha Luciano Hang e Janaína Paschoal. São dois personagens claramente de direita, tanto no plano econômico como na pauta de costumes. Você pode até chamá-los de atrasados, mas não pode negar que são inteligentes. Hang construiu um negócio bilionário, e Janaína foi a deputada mais votada da História do país. E eles já sentiram como o vento está soprando. E daí, por que não deixar um pé em cada galho?

ÊXODO, PARTE 2

Até o Centrão prematuramente já fala no desgaste que Bolsonaro pode causar em candidaturas suas nos estados. Por ora, a bronca é do PL contra o discurso antivacina do presidente, mas vai piorar.

VITRINES

A boa série “Assassinato do primeiro-ministro” mostra em cinco episódios como foi a morte de Olof Palme, em fevereiro de 1986, então chefe de estado da Suécia. Palme, um político de centro-esquerda foi morto com um tiro disparado por um conservador de direita sem qualquer trajetória política. Além da incompetência da mal preparada polícia sueca, a série revela um detalhe curioso que pode ser contado aqui sem perigo de spoiler. O único perigo é me chamarem de machista. O detalhe é que Palme só morreu porque atravessou a rua a pedido da sua mulher, Lisbeth, que queria ver uma vitrine do outro lado. Do lado em que passava o assassino armado. Lisbeth também foi baleada pelo atirador, mas de raspão.

SERVIDOR EXTINTO

O governo federal gasta, anualmente, R$ 8,2 bilhões para manter mais de 69 mil servidores ativos que ocupam cargos já extintos, como ascensoristas, datilógrafos e técnicos de manutenção de videotape. Entre 2014 e 2015, o governo contratou afinadores de instrumentos musicais e datilógrafos. Apesar de tais cargos terem sido extintos em 2019, os servidores permanecerão na folha de pagamento pelos próximos 53 anos. Ainda existem servidores ativos que ocupam cargos de açougueiro, chaveiro, encadernador e operador de Telex.

SERVIDOR SEM AVAL

Hoje, cada servidor público representa um compromisso financeiro para o contribuinte que dura, em média, 59 anos: 28 anos de serviço, 20 anos de aposentadoria e 11 anos de pensão. O tempo médio de atuação de um servidor no Executivo civil federal é de 28 anos. Muitos desses servidores chegam ao topo da carreira em dez anos e não são mais submetidos a qualquer avaliação. Atualmente, há cerca de 76 mil servidores nessa situação, que passarão aproximadamente dois terços de suas carreiras sem qualquer medição de desempenho.

SERVIDOR FOLGADO

Cerca de 133 mil servidores federais têm direito a 45 dias de férias por ano. Vinte estados ainda concedem licença-prêmio para seus servidores. A cada cinco anos trabalhados, os servidores adquirem o direito de ficar três meses sem trabalhar, mas recebendo normalmente seus vencimentos. Por que? Não sei. Nove estados brasileiros tiveram mais de 60% das despesas comprometidas apenas com o pagamento dos servidores em 2019.

SERVIDOR BEM PAGO

A folha de pagamento do Executivo federal com servidores civis ativos aumentou 146% em 12 anos, passando de R$ 45 bilhões em 2008 para R$ 110 bilhões em 2020. A inflação acumulada no período foi de 104%. Estabilidade não pode ser confundida com autorização para não trabalhar. A proposta de reforma administrativa mamão com açúcar não retira nenhum direito dos atuais servidores. E eles ameaçam entrar em greve por aumento salarial.

APERITIVO

Ficou num plano secundário o item “bebidas alcoólicas” na denúncia do TCU de que o Ministério da Defesa desviou recursos da Covid para abastecer suas geladeiras. Afinal, numa época em que o quilo de carne de segunda chegou a R$ 50, o lead tinha que ser mesmo as compras de filé e picanha. Mas, sem qualquer pingo de moralismo cristão, quem já almoçou em cassinos de oficiais, em gabinetes de alto comando ou a convite de generais comandantes de tropas sabe como eles gostam de um uisquezinho para abrir o apetite.

O Globo

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