Bolsonaro está sob pressão e cada vez mais isolado
Por Fernando Exman
Desta vez, não haverá anistia. É a mensagem presente nas entrelinhas daqueles que se dirigem à ala mais radical do bolsonarismo às vésperas dos atos marcados para o 7 de setembro.
Uma mensagem direta e objetiva. Necessária. Até porque tudo indica que os atos em gestação não serão estritamente em defesa do governo federal e do presidente Jair Bolsonaro. Eles tendem a servir de cenário para mais ataques às instituições, agressões aos Poderes Legislativo e Judiciário e renovadas ameaças ao estado democrático de direito.
Em tempo: se neste ano Bolsonaro já aproveita uma data cívica para promover os próprios interesses políticos, é de se perguntar o que será capaz de fazer no ano que vem, no bicentenário da independência. É difícil imaginar que esta administração aproveite a efeméride para promover a união nacional. O embate e a radicalização são as forças motrizes de Bolsonaro, um presidente cada dia mais isolado e sob crescente pressão do Supremo Tribunal Federal (STF) e da CPI da Covid.
Nos últimos dias, o chefe do Executivo falou que não se trata especificamente de levantar a espada, numa clara referência a uma ação armada, mas chamou o próximo 7 de setembro de “oportunidade” para mudar o rumo do país dentro do que equivocadamente considera as quatro linhas da Constituição.
Bolsonaro menciona com frequência o papel que as Forças Armadas deveriam desempenhar em seus planos, a despeito dos reiterados sinais das cúpulas militares de que o presidente não terá companhia numa aventura inconstitucional. Sempre que pode se dirige aos militares da base da pirâmide hierárquica da caserna, onde sempre fez sucesso quando deputado federal. Na semana passada, afirmou ter a certeza de que um “futuro promissor” para o país passa pelo soldado. Não passa três ou quadro dias sem acenar às polícias.
Mais recentemente, um outro receio de Bolsonaro começou a aparecer em suas falas públicas: o medo de ser preso ou passar a alguma condição judicial que o impeça de concorrer à reeleição.
Isso ficou claro no sábado, em Goiás, onde mantém aliados estratégicos e apoio de segmentos relevantes da sociedade local. Em um discurso, abordou as três alternativas que vislumbra para o próprio futuro: “estar preso, estar morto ou vitória”. Como depois explicou, falava da pressão que o inquérito das “fake news” proporciona para si próprio e para a sua família. “O que eles querem? Aguardar o momento de me aplicar uma sanção restritiva, quem sabe quando deixar o governo lá na frente? Isso não é trabalho que se faça. Você não pode ficar ameaçando os outros”, comentou.
Mas sua preocupação parece não se limitar ao que enfrentará a partir do dia em que deixar o poder, ou seja, quando perder o foro privilegiado. Por esse motivo tem colocado o prestígio político que lhe resta para dar volume aos atos de terça-feira, numa estratégia que entusiastas do próprio presidente começaram a chamar de “kamikaze”.
Trata-se, claro, de uma referência aos pilotos japoneses que estatelavam seus aviões carregados de explosivos sobre o alvo inimigo. E o problema, lembram esses mesmos interlocutores, é que a ação “kamikaze” só tem uma chance de dar certo.
Bolsonaro já entregou postos-chave da máquina federal ao Centrão. No entanto, os parlamentares que visitam os colegas agora instalados no Palácio do Planalto retornam ao Congresso assustados. Ministros passam mais tempo tentando atenuar a crise política do que trabalhando na implementação de políticas públicas. É lento o processo de articulação entre as pastas.
A interlocução com a iniciativa privada já foi melhor e entidades empresariais passaram a deixar claro que tampouco respaldarão uma ruptura institucional. Enquanto seu governo tenta reduzir os efeitos políticos negativos da grave crise hidroenergética, Bolsonaro sai de Brasília em sucessivos atos preparatórios para o dia 7. É uma espécie de esquenta.
Espera-se que Bolsonaro suba nos carros de som, na Esplanada dos Ministérios e na avenida Paulista, e apele aos seus apoiadores para que não o abandonem. Ainda é uma incógnita, contudo, como a massa reagirá.
Diante desse cenário, é preciso lembrar que está dada como certa a presença de militares da reserva e apoiadores do presidente oriundos das forças de segurança. Tal perspectiva reforça a necessidade de deixar bem clara a mensagem segundo a qual as quatro linhas imaginadas pelo presidente da República não são o que a Constituição preconiza em seu texto. Aliás: quem age fora desses limites já está respondendo pelos seus atos.
A última anistia se deu em meio ao projeto de distensão política conduzido pela ditadura militar, de forma lenta, gradual e segura, o qual se consolidou durante o mandato do presidente João Figueiredo. Ampla e geral, ela foi decretada em 1979. Incluiu crimes conexos e o retorno dos anistiados, ou seja, acabou por beneficiar a esquerda, mas também alcançou autoridades e agentes do Estado que praticaram abusos.
Sua abrangência ainda é motivo de atrito entre a esquerda e setores das Forças Armadas. A tentativa dos partidos de esquerda de excluir da lei os crimes de tortura e punir responsáveis pelo desaparecimento de militantes sempre foi alvo de críticas do próprio Bolsonaro. Além disso, a revisão de indenizações e a reformulação das atividades da Comissão de Anistia foram transformadas em bandeiras de campanha em 2018.
A Constituição estabelece que compete à União conceder anistia. Para alguns especialistas, o fato de isso não ter sido fixado como atribuição exclusiva do Congresso Nacional mantém o Executivo com um papel relevante em uma eventual discussão sobre a concessão de anistias no futuro, inclusive se tentarem driblar o Parlamento em mais um arroubo institucional.
Pode até ser. Ainda assim é preciso sublinhar que não existe hoje espaço para a negociação desse tipo de salvo-conduto para quem pretende transgredir.
Valor Econômico