Fernando GabeiraO Globo
Por ter sempre defendido a Operação Lava-Jato, sofri algumas críticas por não tê-la condenado agora, com o material divulgado pelo Intercept. Na verdade, escrevi dois artigos sobre o tema. Provavelmente, não os acham adequados aos tempos de julgamento rápido e linchamento em série que a atmosfera da rede propicia.
Há algumas razões para isso. Uma de ordem pessoal: o trabalho — às vezes imerso na Mata Atlântica e em outros biomas — não me permite olhar o telefone de cinco em cinco minutos.
JOGO LENTO – Há também uma razão de ordem prática: o próprio Glenn Greenwald, o jornalista que apresenta as denúncias, anunciou que tem um grande material sobre o tema e que vai divulgá-lo até o fim. Possivelmente, dada a dimensão, talvez compartilhe a análise com outras empresas de comunicação.
Portanto, Greenwald anuncia um jogo longo. Estamos apenas na primeira parada técnica. No final da partida, voltamos a conversar.
No momento, não me importo que me julguem rapidamente, pois esse é o espírito do tempo. Nem que me culpem por apoiar a Lava-Jato. De um modo geral, as pessoas que o fazem são as mesmas que culpo por omitirem os erros da esquerda, sobretudo a colossal roubalheira que tomou conta do país nos últimos anos. Portanto, jogo jogado.
TENENTISMO – No entanto, vale a pena discutir, por exemplo, a tese do cientista político Luiz Werneck Vianna, que compara o papel da Lava-Jato ao do tenentismo nos anos 20. Na época em que ele lançou essa ideia, por coincidência, eu estava lendo o livro de Pedro Doria sobre o tenentismo. Concorde-se ou não com as teses de Werneck, ele lança um tema que merece ser discutido e estudado porque nos remete a alcance histórico mais longo que a sucessão diária no Twitter.
Werneck tem uma visão crítica da Lava-Jato. Considera que o objetivo dos procuradores é mais corporativo e que se esforçam para concentrar poder e, possivelmente, benefícios.
Mas se examinamos o momento mais tenso do tenentismo, a Revolta dos 18 do Forte, veremos que também eles costumam ser classificados de corporativistas. Em tese, estariam reagindo às criticas oficiais que maculavam a honra dos militares.
COLUNA PRESTES – O tenentismo repercute por toda a década de 20 em espasmos distintos, inclusive a Coluna Prestes. Muitos dos integrantes do movimento são nome de rua em várias cidades do país.
O tenentismo lutava contra um poder concentrado na oligarquia de Minas e São Paulo, a chamada aliança café com leite. A Lava-Jato já encontra tantos anos depois um sistema mais bem distribuído nacionalmente e atinge quase todos os partidos.
Quando a candidatura de Nilo Peçanha enfrenta a oligarquia, existe uma tentativa de conquista da opinião da classe média para as teses do que se chamava Reação Republicana.
Aqui de novo uma grande diferença. A inspiração da Lava-Jato foi a Operação Mãos Limpas, na Itália. Nela estava contida também a necessidade de convencer a opinião pública.
CAMINHO LEGAL – Os meios de hoje são mais potentes, e a própria opinião pública, mais articulada e desenvolvida. Os tenentes estavam dispostos à ação armada, ainda que em condições dramaticamente desfavoráveis.
A Lava-Jato optou pelo caminho legal. O que realizava na prática era passível de confirmação ou veto pelas instâncias superiores. Havia nela o mesmo fervor dos tenentes que esperavam com ação consertar o Brasil.
Dentro do quadro jurídico, ela sobreviveu até agora. Os julgamentos de seus atos foram públicos.
ATAQUE ESPECIAL – No momento, sofre um ataque especial. Dificilmente um movimento histórico dessa dimensão não se desgasta com a divulgação de conversas íntimas que se acham protegidas da divulgação.
Lendo o livro sobre o gênio político de Abraham Lincoln, a sensação é de que, se algumas conversas fossem vazadas como hoje, também seriam incômodas. Para abolir a escravatura, foi preciso um toma lá dá com parlamentares, ainda que em número pequeno.
Isso não justifica nada. Apenas reforça a tese de que um julgamento depende de dados, de um contexto e, sobretudo, de verificação de sua autenticidade. Por que tanta pressa, se garantem que é devastador o material contra a Lava-Jato?
(artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)