Marcos Cavalcanti
“É determinismo, sim. Mas seguindo o próprio determinismo é que se é livre. Prisão seria seguir um destino que não fosse o meu próprio. Há uma grande liberdade em se ter um destino. Este é o nosso livre-arbítrio” – Clarice Lispector.
E começa, oficialmente, a campanha para reitor da UFRJ e não é difícil adivinhar o que veremos. Devemos ter pelo menos duas chapas: uma apoiada pela atual reitoria (com apoio do diretório dos estudantes e o sindicato dos funcionários) e outra com apoio da diretoria da ADUFRJ – associação de docentes.
As propostas das duas chapas são muito parecidas já que representam os grupos que ao longo dos últimos anos se revezaram à frente da Universidade: “autonomia universitária”, “resistência ao fascismo” e “mais verbas públicas para a universidade pública”.
AUTONOMIA? – O que estas duas chapas entendem por autonomia e mais verbas pode ser exemplificado pelo “programa da chapa da unidade” que elas tentaram compor antes da eleição: “Recuperação da capacidade orçamentária de custeio e de capital da UFRJ, estabelecendo recursos compatíveis com o seu desenvolvimento institucional, dever do Estado, por meio do MEC, ampliando a base de financiamento PÚBLICO junto ao MCTIC, MinC, Ministério da Saúde, Ministério do Meio Ambiente”.
Em resumo, mandem mais dinheiro público para a UFRJ e deixem que a gente decida como gastá-lo…
Não me parece que esta seja uma solução razoável. Em primeiro lugar porque é demagógica e retórica. Todos sabem que num momento como o que vivemos não haverá “recuperação orçamentária” compatível com as necessidades da UFRJ. Em segundo lugar, porque mesmo em um momento de maior crescimento econômico, não é correto que a educação superior continue absorvendo a maior parte do orçamento para e educação. No Brasil o ensino superior (2 milhões de estudantes) abocanha 58% do orçamento para educação contra apenas 42% para o ensino básico (42 milhões de crianças).
TUDO AO CONTRÁRIO – Em todos os países desenvolvidos o percentual é exatamente o contrário, pelo simples motivo que as universidades podem (e devem!) conseguir recursos extra orçamentários através de projetos, royalties de suas pesquisas, parcerias com empresas e doações de ex-alunos. Isto não aparece nas propostas das duas chapas porque, ideologicamente, elas são contra este tipo de parceria. Para elas, a UFRJ precisa ser financiada exclusivamente com dinheiro público.
E este é um ponto importante, porque deixa claro como a ideologia atrapalha a boa gestão e o funcionamento democrático da universidade.
Atrapalha a boa gestão porque qualquer instituição pública séria, no Brasil ou no mundo, sabe que precisa captar recursos extra orçamentários para funcionar adequadamente, seja o Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, ou qualquer museu ou universidade de ponta no mundo.
MUITOS EXEMPLOS – Usar a “falta de verbas públicas” como desculpa para a tragédia no Museu Nacional, os incêndios na Capela, no prédio da reitoria e o fechamento vergonhoso do Canecão são a face mais perversa desta visão ideologizada da gestão.
E atrapalha o funcionamento democrático da universidade porque tolhe o debate livre de ideias, princípio básico de uma Universidade. Basta lembrar o que aconteceu com o Senador Cristovam Buarque, um dos maiores defensores da Educação pública no Brasil, impedido de falar na reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) por uma claque raivosa; ou com o ex-presidente Fernando Henrique, que foi alvo de uma petição de “intelectuais” para impedi-lo de falar no 34º Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos, nos Estados Unidos.
“DEMOCRACIA”? – A razão destas tentativas de cerceamento do debate? Tanto Cristovam Buarque quanto FHC foram a favor do impeachment de Dilma. Na concepção de “democracia” deste tipo de ideologia só pode falar quem concorda comigo… Que isto aconteça na sociedade é preocupante, mas dentro da Universidade, espaço por natureza do contraditório, é muito grave.
Precisamos buscar outros caminhos para a UFRJ. Esta universidade faz parte da minha vida há 40 anos! Entrei nela como estudante aos 17 anos e sou professor desde os 35 anos. A Universidade que eu quero é diversa, múltipla. É lugar de encontro e de diálogo. Ela deveria ser a casa do mérito, onde a qualidade é o critério, e a quantidade não é mais que um elemento subsidiário.
SONHAR É POSSSÍVEL – Na UFRJ que eu quero, as atividades de ensino, os projetos de pesquisa e extensão, os encontros e diálogos entre docentes, técnicos e estudantes são parte integrante de um empenho por produzir sentido e devolver para a sociedade o que ela nos deu.
Na UFRJ que eu quero, docência, apoio técnico e administrativo não são apenas carreira, funcionalidade, negócio ou vantagem pessoal. São sim serviço – serviço público. Por isso que mais que professor, me considero um servidor público.
Em suma, precisamos nos tornar um espaço onde as pessoas, mais do que prisioneiras de ideologias, se tornem donas e construtoras de seu próprio destino. Porque, como nos lembra Clarice Lispector, só se é livre quando pensamos com a própria cabeça.
(artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)