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segunda-feira, janeiro 17, 2011

Minha Pátria está nos morros que desabam, no dólar que empobrece, na multinacional que enriquece, mas não o povo brasileiro? Minha Pátria tem palmeiras onde canta o sabiá, tem poetas que saúdam a alvorada e resistem ao Deus dará? Minha Pátria, até quando?

Helio Fernandes

As cidades serranas (Teresópolis, Friburgo, Petrópolis) enterradas na lama, dominadas pelo pavor que não termina, pela angústia de não saber quando voltará a normalidade, se é que se pode utilizar alguma vez essa palavra.

Estão naturalmente desesperadas, desamparadas, despreparadas pelo que tem que ser repetido sempre como tragédia ou catástrofe. Além de tudo que perderam, que não irão recuperar jamais, estão incomunicáveis pela irresponsabilidade dos homens e pela decisão não antecipada mas irrecorrível da natureza.

Não gostaria de escrever mais nada sobre esse fato, é uma tristeza e um lamento, preferiria ficar no silêncio e na solidão dessas milhares de famílias. Os que perderam parentes de todos os graus, dos que se salvaram apenas numericamente, mas não esquecerão um detalhe que seja, por mais longa que seja a vida.

Essas famílias dizimadas pela violência da natureza (provocada, e por causa disso destruída) se sentem confusas e atordoadas, uma multidão sem rosto, onde cada qual chora a própria dor, procura salvar não apenas o que sobrou do trabalho e da acumulação de dezenas e dezenas de anos, mas também o que restou dos seus sonhos, da sua vida, do seu futuro.

Como tenho que escrever mesmo, faço isso diariamente antes de atingir a maioridade, prefiro transferir a tragédia de algumas cidades para o que acontece há mais de 500 anos com a minha Pátria amada, salve, salve. Se tivéssemos trilhado outros caminhos, quem sabe começando com Tiradentes, poderia chover incessantemente mas não tão lamentavelmente?

Não são habitantes de cidades abandonadas, desprezadas, desvalorizadas do ponto de vista humano, exploradas por transações e mais transações, que foram se multiplicando perigosamente com a ausência total dos governantes.

Fora dessas cidades, somos dezenas e dezenas de milhões de pessoas, enganadas e empobrecidas de todas as formas. Desde a independência que não houve, a república usurpada, as riquezas transferidas miseravelmente para o exterior, cada vez com um nome diferente.

Minha Pátria tem palmeiras onde canta o sabiá. Cantavam quando éramos roubados pelos trustes, depois mudavam para multinacionais, agora são grupos neoliberais. O sabiá não para de cantar, é a sua vida. Minha Pátria não para de sofrer, é a nossa História. Seremos libertados ou nos libertaremos algum dia?

Temos os minérios mais raros e mais caros do mundo, que nos empobrecem e enriquecem poderosas empresas lá de fora. Somos os maiores produtores de grãos do mundo, mas como nos transformamos em grandes exportadores, arranjaram uma fórmula de empobrecer cada vez mais o dólar.

Assim, exportamos a preços miseráveis, passamos a ser importadores, criamos empregos em locais onde jamais estivemos. Cada vez irresponsavelmente, “fabricamos a nossa própria desgraça”.

Choramos pelo que aconteceu na serra, o que faremos nas cidades urbanas, onde não há perigo de enxurrada? Essa “enxurrada” já aconteceu com o nosso empobrecimento crônico. Com o enriquecimento de empresários transnacionais e bastardos, que são protegidos com a irresponsabilidade dos que se apossaram da minha, da nossa Pátria amada.

Em 1966 houve a primeira tragédia, aqui mesmo no centro do Rio, atingindo a própria Zona Sul (a Lagoa), poucos meses depois da posse de Negrão de Lima, que morava nessa Lagoa, em frente ao Clube Naval (Piraquê), mas não soube de nada, até que as ruas principais fossem completamente soterradas, mansões desaparecessem.

(Nesse 1966, há 44 anos, fui cassado, preso mais uma vez, proibido de escrever ou dirigir jornal e revista. Escrevi então artigo violentíssimo, (já havia o regime discricionário e autoritário), a censura à Tribuna da Imprensa só começaria, v-i-o-l-e-n-t-í-s-s-i-m-a, a partir de 1968).

***

PS – Nesse artigo, responsabilizo as multinacionais pela violência contra mim. Gosto muito desse artigo de 1966, no qual denuncio as empresas de minério, de petróleo, dos monopólios internacionais. Dominavam o Brasil, muito mais intensa e perversamente do que acontece hoje.

PS2 – Como no título destas notas reverencio os poetas de sempre, espero que alguém responda até quando a minha, a nossa Pátria resistirá? Já perdemos mais de 500 anos, continuaremos ainda tratados desprezivelmente por outros 500 ou até mais do que isso?

PS3 – A história dos povos e das nações não se escreve com a covardia dos que se entregam e sim com a bravura, o desprendimento e a intrepidez dos que resistem.

Helio Fernandes/Tribuna da Imprensa

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