Helio Fernandes
Essa é a verdadeira “proposta indecente”, como no filme famoso. Não devia nem haver conversa, pois a palavra significa pelo menos propensão a um acordo. Que no caso não existe nem poderia existir de maneira alguma. Um país como o Brasil, continental e riquíssimo, pode prescindir de “cooperação” em quase todos os casos, devia ter recusado logo.
A sedução imediatamente apresentada pela China: “não sairá dinheiro de nenhum dos lados”. Sumarizando: trariam suas construtoras, engenheiros, equipamento, nada seria utilizado ou mobilizado do Brasil. Os prazos de entrega das obras seriam rigidamente estabelecidos e cumpridos.
Ora, a China não tem tradição no setor de construção pesada. Muitas de suas obras são feitas fora do país, até mesmo na Índia. Como portanto acreditar na viabilidade ou possibilidade de entregar esse importante setor a um país estrangeiro?
Além do mais, temos construtoras competentíssimas, há dezenas de anos constroem no exterior. Sem se restringirem a essas obras de infraestrutura, as empresa de construção do Brasil, têm experiência rara para o resto do mundo: em pleno deserto inabitável e perdido no fim do mundo, levantaram e plantaram uma cidade que é a capital do país.
Que construtora da China pode apresentar credencial como essa? Podemos citar 6 ou 7 empresas de construção do Brasil, que acabariam nossas deficiências em matéria de infraestrutura. O problema com elas é que estão de tal maneira envolvidas na politicalha política, que fazem UMA OBRA, ao preço de DUAS.
Mas com o iremos calcular e fiscalizar os preços das construtoras da China? É possível até que no início não haja problema. Mas se houver necessidade de reajuste de preços, digamos com um terço já construído, e não se obtiver consenso?
Podem dizer: tudo será acertado por contrato. Ora, contrato. Quantas vezes são rompidos, nos mais diversos países? Advogados fazem maravilhas em fusões e rompimentos desses contratos. Nos EUA dizem e repetem: “Temos a melhor Justiça, naturalmente se você tiver grandes advogados”.
Por que iria ser diferente na China? Iremos marginalizar um setor no qual somos respeitados no mundo inteiro? E quem supervisionará as obras? Depois de entregues aparentemente prontas, quem será responsável pela manutenção?
Para terminar a parte da China, na construção, e examinarmos a forma de pagamento. Digamos que a China traga equipamento e engenheiros. E os materiais indispensáveis e imprescindíveis (ferro, terra, areia, tijolo, cimento, madeira etc.), em que conta entrarão?
Tenho a maior simpatia pela China, mas não a ponto de superar o dever, a obrigação e a paixão pelo Brasil. Não existe uma possibilidade em 1 milhão de continuar a conversa. Estamos na fase de negociação, só que temos que frear logo os interesses dos dois lados, que surgirão, são colossais.
Examinemos então a parte do Brasil, no item pagamento pelos “serviços prestados”. Veremos que as desvantagens para o Brasil, que já eram inacreditavelmente visíveis na parte inicial, se transformariam num desastre, num prejuízo espantoso, numa catástrofe irrecuperável.
Se não são bons construtores, os chineses parecem e aparecem como bons negociadores. Como pagamento, estipulam que receberiam em PRODUTOS AGRÍCOLAS PRIMÁRIOS. Tudo o que não queremos, não devemos ou não podemos, é exportar produtos primários. E é de exportação que se trata.
Mas existem outros aspectos impressionantes. A China é o nosso maior comprador, lógico, deixaria de ser, pois tudo o que COMPRA, receberia a título de SERVIÇO PRESTADO.
E essa troca de um produto bom (o nosso, por outro dispensável e que poderemos fazer aqui mesmo (o da China) duraria quantos anos ou dezenas de anos? Especialistas, com base no crescimento obrigatório da população da China, concluem: em 2 anos, comprarão mais 70 por cento do que compram hoje. Em 5 anos, a necessidade da China terá dobrado.
Nossa infraestrutura ficará dependente da China. E o mercado agrícola, durante anos, produzirá para entregar à China, sem qualquer possibilidade de agregar valor.
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PS – Uma grande parte dos nossos problemas (que localizam simplesmente no câmbio) tem outras variantes. E uma delas, tão importante quanto as outras, é a exportação em massa de produtos primários.
PS2 – Por quantos anos ficaremos presos e amarrados à primarice de exportar a produção primária? A China, com esse contrato, teria o maior interesse em prolongar e prorrogar as coisas.
PS3 – Já revelei: as conversas estão no início. Como dizem popularmente, cortemos o mal pela raiz. Até porque a palavra é obrigatória em se tratando de produtos agrícolas.