Carlos Newton
Nos bastidores das negociatas da política nacional, a palavra mais importante é terceirização. Tornou-se uma espécie de abacadabra, uma palavra mágica para permitir que os 40 ladrões entrem livremente na caverna do Ali Babá, perdão, entrem nos palácios governamentais e façam a pilhagem.
É claro que não se trata de 40 ladrões. Aqui no Brasil eles são contados aos milhares, literalmente infestam a política e a administração pública em geral. Devagar, devagarinho (como na música de Martinho da Vila), essas autoridades foram desmobilizando uma das instituições mais importantes do país: o concurso público.
Criado no governo de Getúlio Vargas, com a fundação do antigo DASP, o concurso público significa uma grande conquista social, porque estabelece o sistema do mérito para preenchimento de cargos nas administrações federais, estaduais e municipais, além das empresas estatais.
Mas essa notável instituição está cada vez mais desmoralizada. Segundo o jornalista Pedro do Coutto, um dos maiores analistas políticos do País, “um dos problemas mais importantes que esperam o início do governo Dilma Roussef é a questão trabalhista que envolve cerca de 400 mil servidores terceirizados, só na área federal. Se a estes somarem-se aqueles nas esferas estaduais e municipais, vamos seguramente encontrar no país milhões de trabalhadores nessas condições”.
Entraram pela janela, ou melhor, pela porta dos fundos, e não têm direitos trabalhistas, porque quase todos estão pendurados em falsas cooperativas de trabalho, que têm “donos” e alcançam lucros elevadíssimos, para repartir com as autoridades e fazerem fortunas às custas do erário. Cada trabalhador hipoteticamente seria “sócio” da cooperativa, Ou seja, poderia votar para escolher os dirigentes e ter participação nos resultados, pois as cooperativas não têm fins lucrativos. Quer dizer, nao teriam.
“Só a Petrobrás, de acordo com o balanço feito pelo Tribunal de Contas da União, possui 172 mil terceirizados. Três vezes mais que o seu quadro efetivo, praticamente. O Banco do Brasil tem em torno de 80 mil, a Caixa Econômica mais ou menos 60 mil. Das empresas estatais, a que reúne menos é Furnas: 1 mil e oitocentos. Aliás é dos menores o quadro de pessoal de Furnas: apenas 6 mil e 500 servidores em números redondos”, nos revelou Pedro do Coutto.
No governo Sérgio Cabral, aqui no Estado do Rio de Janeiro, são mais de 40 mil, cujos vencimentos – segundo estudo do analista Filipe Campello – estão embutidos na rubrica “despesas gerais”. O que torna difícil estimar exatamente os gastos com a folha de pessoal. No resto do país, o panorama visto da ponte é o mesmo. Há terceirização e falsas cooperativas nos mais diversos setores, inclusive no atendimento médico, seja nos hospitais ou nas chamadas UPAs.
O fato é que os terceirizados estão há vários anos trabalhando, tornaram-se fundamentais para o desempenho das administrações, e agora necessitam ter sua situação regularizada. É um problema de enorme magnitude, que precisa ser enfrentado de verdade. As autoridades atuais têm de resolver essa herança dos governos anteriores. Os terceirizados precisam ser reconhecidos como trabalhadores reais, sem estarem vinculados a falsas cooperativas, como se tornou praxe.
Antes tarde do que nunca, é fundamental também restabelecer a exigência de concurso para ingresso nos quadros do serviço público e das estatais. Caso contrário, que exemplo estaremos dando às novas gerações? O que é melhor: estudar, se dedicar e investir no futuro, ou simplesmente arranjar um bom “padrinho”?
Mas as irregularidades não se restringem apenas à contratação de mão de obra terceirizada. O serviço público passou a terceirizar tudo. Aqui no Estado do Rio, aquelas famosas “Delegacias Legais”, criadas no governo Garotinho, são um engodo. Tudo nelas é terceirizado e paga aluguel (os móveis, a refrigeração, os computadores). Agora, têm até atendentes terceirizadas. Somente os policiais são servidores, porque ainda não inventaram a terceirização na área da segurança. Mas eles vão chegar lá.
Agora, pela primeira vez a aparece nos jornais a figura de Arthur Cezar Soares, dono do grupo Facility (que significa “Facilidade”, e faz jus ao nome). Desde o governo Garotinho ele é o rei da terceirização no Estado do Rio. E no dia 30 de dezembro, às vésperas do Ano Novo, o grupo Facility ganhou um presente de Natal atrasado: um contrato no valor de 5 milhões de reais, com dispensa de licitação, para o Centro de Operações da Prefeitura.
Uma semana depois, O Globo noticiava que o Ministério Público Estadual apresentou denúncia por formação de cartel contra o empresário do Grupo Facility, maior fornecedor de mão de obra do governo do estado. Arthur Cezar Soares e seus associados enfrentam acusação de forjar concorrências entre empresas para vencer contratos do Detran.
Somente em 2009, segundo a acusação, 42% de todos os contratos assinados pelo órgão, ou seja, R$ 701 milhões, foram realizados apenas com empresas do grupo Facility. Em outro trecho da denúncia, os promotores afirmam que o Detran realizou “licitações de fachada”, e que há indício do conluio de funcionários do órgão no esquema da Facility.
O Ministério Público critica também o argumento usado pelo Detran para a dispensa de licitação de alguns contratos que foram renovados. O órgão sustentava que os serviços eram essenciais e não poderiam ser interrompidos até que fosse realizada uma nova concorrência. Para os promotores estaduais, as renovações ocorreram com base na “morosidade da própria administração, que, propositadamente, não concluía os procedimentos de licitações em tempo”.
O Ministério Público merece todas as homenagens por estar atuando a contento. Mas sabem o que vai acontecer a Arhur Cezar Soares e a seus aliados ou associados? Nada. Podem apostar. Este país parece ter perdido o respeito por si mesmo.
Fonte: Tribuna da Imprensa