A realização de concurso público dependerá da existência de cargo vago criado por lei, valendo lembrar que é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos, a teor do art. 61, § 1º, II, “a”, da CF. Se a criação do cargo na estrutura administrativa do Poder Executivo ocorre por iniciativa do Poder Legislativo, haverá inconstitucionalidade formal objetiva por tramitar em desacordo com a norma constitucional.
Estando o cargo vago, o provimento dele acontece mediante concurso público precedido de Edital Convocatório, cujo instrumento estabelecerá as condições para realização do evento, sendo imprescindível a indicação do número de vagas para cada cargo.
O prazo da validade do concurso será de até de dois anos, prorrogável uma vez por idêntico período, inciso III do art. 37 da CF. A partir da norma constitucional o STF promulgou a Súmula nº. 15, com o seguinte enunciado (sem força vinculante, na época não havia a Súmula vinculante do art. 103-A, introduzida pela EC 45/2004): “Aprovação em concurso público dentro do número de vagas. Inexistência de direito subjetivo à nomeação. Direito subjetivo à regular motivação do ato da Administração Pública que, realizando concurso público, deixa de nomear os aprovados.”
Em consequência da redação do inciso III do art. 37 da CF e o enunciado da Súmula 15, preponderou o entendimento de que a aprovação em concurso público gerava para o concursado apenas uma perspectiva de direito e não um direito subjetivo.
Não somente o pensamento era predominante na jurisprudência quanto na doutrina. Para José Maria Pinheiro Madeira (1), “ a Administração pelo fato de ter realizado o concurso não tem a obrigação de nomeá-los dentro do prazo de validade do certame, pois, a nomeação é ato que jungido à sua conveniência e oportunidade”.
Ricardo Marcelino Santana, Procurador Federal em Dourados em MS, em artigo de doutrina (2), chamava a atenção da necessidade do alargamento no enunciado da Sumula nº. 15 do STF, entendendo ele que a discricionariamente da Administração somente vai até a publicação do Edital convocatório e a partir daí, ela passa a ser regrada pelo contexto editalício e conclui:
“A opção discricionária de preencher o cargo público vago é exercida no momento em que o poder público divulga a existência de tais vagas e seu intuito de preenchê-las. O edital do certame passa então a vincular a conduta da Administração.”
O que se vedava era a preterição. A preterição ocorre nas seguintes hipóteses: a) o concurso é realizado e em detrimento do aprovado e classificado até o número de vagos abertas e o cargo é ocupado por pessoa que ingressou no serviço público sem concurso; b) o candidato é aprovado e classificado até o número de vagas abertas e para o cargo foi nomeado ou contratado pessoa que ingressou no serviço público sem concurso; c) quando na nomeação não é obedecidas à ordem de classificação.
Realizado concurso público, se o cargo estiver ocupado por não concursado ou foi nomeado para o provimento dele, pessoa não concursada, cabe ao aprovado e classificado no concurso público manejar a ação sumária constitucional, o mandado de segurança, garantia do art. 5º, LXIX, da CF.
O entendimento está expresso no julgamento do Regl no AI de nº 452831-DF, de 15.02.2005, rel. o Min. Sepúlveda Pertence. Ementa(3):
“ 1. Agravo regimental: necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada (RISTF, art. 317, § 1º): precedentes. 2. Concurso público: direito à nomeação: Súmula 15-STF. Firmou-se o entendimento do STF no sentido de que "a aprovação em concurso não gera direito à nomeação. Esse direito somente surgirá se for nomeado candidato não aprovado no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado."(MS 21.870, Carlos Velloso, DJ 19.12.94). 3. Recurso extraordinário: inadmissibilidade: controvérsia acerca do cumprimento de normas do edital, que demanda reapreciação dos fatos e das provas: incidência da Súmula 279.” No mesmo sentido: AG.REG. no AI nº. 440895 AgR/SE, rel. o Min. Sepúlveda Pertence, j. de 20.09.2006.”
O mesmo STF no RE 227.480 acolheu a interpretação de que a aprovação e classificação em concurso público gera o direito a nomeação.
O STJ a quem compete interpretar a norma infraconstitucional passou a reconhecer ser um direito subjetivo do classificado aprovado em concurso público sua nomeação para o cargo que concorreu. Segundo a Corte, uma vez que no Edital Convocatório foi definido o número de vagas para cada cargo impõe nomeação e posse até o limite de vagas disponíveis, conforme julgados abaixo:
“CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. ATO VINCULADO.
É dever da Administração Pública nomear os candidatos aprovados para as vagas oferecidas no edital do concurso. Com a veiculação em edital de que a Administração necessita prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, tornam-se vinculados, gerando, em conseqüência, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital. Precedentes citados: RMS 15.420-PR; RMS 15.345-GO, DJ 24/4/2007, e RMS 15.034-RS, DJ 29/3/2004. RMS 19.478-SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 6/5/2008.”
Da seção notícias do STJ:
"Candidato aprovado dentro das vagas previstas no edital tem direito à nomeação.
O candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas em edital possui direito líquido e certo à nomeação. A decisão, que muda o entendimento jurídico sobre o tema, é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por maioria, os ministros entenderam que o instrumento convocatório (edital), uma vez veiculado, constitui-se em ato discricionário da Administração Pública, ensejando, em contrapartida, direito subjetivo à nomeação e à posse para os candidatos aprovados e classificados dentro do número de vagas previstas no edital.”
“... o candidato aprovado em concurso público tem expectativa de direito à nomeação e isso se transforma em direito subjetivo. (5ª Turma, no ROMS 19.924, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima).
Ao que me parece a tendência da Corte manifestada nos julgamentos citados e precedentes é irreversível, embora algumas Cortes inferiores mantenham a interpretação já ultrapassada. O Pleno do TJBA no MS 59465- 2/2008, rel. o eminente Des. Gesivaldo Brito, decisão de 23.01.1009, manifestou (4):
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO IMEDIATA. CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA. NOMEAÇÃO DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA AFASTADA. A IMPUGNAÇÃO É DIRIGIDA AO ATO OMISSIVO DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA E NÃO AO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. A APROVAÇÃO DO CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS LHE CONFERE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO, MAS ESTA PODE SER EFETUADA A QUALQUER TEMPO DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO, SALVO DISPOSIÇÃO LEGAL OU EDITALÍCIA EM CONTRÁRIO. OS IMPETRANTES NÃO TÊM DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO IMEDIATA. DEVEM SER OBSERVADOS OS CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE ... “
Diferentemente da Corte Baiana, o TJMG em julgamento também recente, de 29.01.2009, publ. 06.03.2009, Apel. Cível/Reexame Necessário nº. 1.0251.08.024163-0/001, rel. do ac. Des. Manoel Saramago, entendeu(5):
“MANDADO SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO. NÚMERO DE VAGAS NOMEAÇÃO.DIREITO LÍQUIDO E CERTO. VIOLAÇÃO. SEGURANÇA. DEFERIMENTO. O candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação, e, não mera expectativa de direito - Precedentes STJ.”
Como tivemos eleições em 2008 e posse dos Prefeitos eleitos em 01.01.2009, já está acontecendo gestores municipais empossados para amparar correligionários contratam servidores para atender compromissos de campanha em detrimento da nomeação de concursados aprovados e classificados em concurso realizado pelo seu antecessor. São meras vinditas políticas.
Já em 2005, em artigo de doutrina (6) que mereceu relevo do eminente doutrinador Petrônio Braz (7), chamei a atenção nas distorções ocorridas com as contratações no setor público:
“Mesmo tratando-se de uma exceção, o certo é que a Administração Pública no Brasil vem se utilizando desmedidamente do contrato por prazo determinado do inciso IX, criando grande distorção na política de pessoal, oportunizando-se, uma espécie de concorrência entre o servidor funcionário e o servidor contratado, quando o segundo não pode preterir o primeiro porque sua contratação visa tão somente suprir a ausência de concursado. ....”
Assim como a tendência de predominância demonstrada pelo STJ em reconhecer ser o aprovado e classificado em concurso público titular do direito subjetivo de sua nomeação, entendo que as Cortes inferiores deverão seguir o mesmo raciocínio, exceto se sujeitas a tráfico de influência política ou ação de lobistas, sob pena de ser ultrapassadas pelo tempo.
Ao concursado que foi aprovado e classificado até o número de vagas abertas para o cargo no ato convocatório, reside em seu favor, o direito subjetivo de impetrar mandado de segurança para obter nomeação, devendo o Poder Judiciário acatar a tutela pretendida. Se o cargo estiver sendo ocupado por servidor admitido sem concurso deverá ele ser exonerado para em seu lugar ser nomeado o aprovado em concurso público.
Desde que a Administração abriu concurso público e fixou o número de vagas para cada cargo no Edital, demonstra obrigatória a nomeação dos aprovados a partir até de um raciocínio simples e lógico, se fixado o número de vagas no Edital é porque delas necessitava a Administração.
Reconhecido o direito a nomeação ser líquido e certo, cabível é a ação constitucional do mandado de segurança. Em se tratando de preterição, a depender do caso, poderá ser manejada a ação ordinária com pedido de antecipação de tutela, já que na impetração da ação sumária a prova deve ser pré-constituída. Como a violação ao direito perdura no tempo, renovando-se automaticamente a violação, enquanto o cargo não for preenchido é inaplicável a decadência.
Se houver ato administrativo a invalidar o concurso público anteriormente realizado, o ato a ser atacado passa a ser ele, tendo legitimidade para propor a ação, o candidato aprovado e classificado para o número de vagas abertas e o Ministério Público. Quanto ao Ministério Público, mister se faz dizer que ele tem a legitimidade para recorrer de decisão da Corte inferior que nega o direito do concursado aprovado e classificado ser nomeado.
A legitimidade processual somente acoberta ao candidato aprovado e classificado, descabendo a legitimidade processual por quem foi apenas classificado.
Paulo Afonso – BA, 16 de maio de 2009.
Fernando Montalvão. Advogado.
Colaboradores: Jurema Montalvão, Camila Montalvão e Igor Montalvão, acadêmicos de direito.
Bibliografia:
1) MADEIRA. José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. América Jurídica, 3ª edição, revista, ampliada e atualizada, p. 79;
2) SANTANA, Ricardo Marcelino. Comentários à Súmula 15 do STF: uma necessária atualização interpretativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1426, 28 maio 2007. Disponível em:
3) http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=nomeação de aprovado em concurso público&base=baseAcordaos;
4) http://www.tjba.jus.br/site/pagina.wsp?tmp.id=156;
5)http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=251&ano=8&txt_processo=24163&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=nomeação de aprovado em concurso&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=;
6) MONTALVÃO, Fernando. Contrato por prazo determinado. Art. 37, IX, da Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 668, 4 mai. 2005. Disponível em:
7) BRAZ. Petrônio. Direito Municipal na Constituição. Mizuno, 6ª edição, p. 489.