Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - O escândalo da semana deixou de ser a caçada a Daniel Dantas, mesmo diante das evidências de que ele tentou subornar delegados da Polícia Federal com um milhão de reais. Mais grave do que as atividades criminosas do banqueiro foi o reconhecimento pelos candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro de que, para fazer campanha nas favelas da cidade, precisam pedir licença, negociar e aguardar convites expedidos pelos narcotraficantes e pelas milícias que os combatem. Em alguns casos encobertos por associações de moradores prisioneiras ou coniventes, mas, não raro, expressas diretamente.
Nenhuma degradação institucional pode ser maior do que o reconhecimento e a submissão a esses dois governos paralelos. A força do poder público dilui-se na subida dos morros e periferias, não obstante as incursões da polícia, quase sempre desastrosas, motivo do crescimento cada vez maior do crime organizado.
As regiões dominadas pelo tráfico e pelas milícias envolvem dois milhões de cidadãos, a imensa maioria constituída de trabalhadores e de desempregados, miseráveis quase todos, além, é claro de seus exploradores.
Acontece que os favelados votam e os candidatos não hesitam buscá-los, ao menos de quatro em quatro anos. Para isso, submetem-se à vergonha de buscar entendimentos com os fora da lei e seus prepostos. Pior do que tudo, os criminosos acabam tendo seus candidatos, aqueles que mais compreensão prometem aos bandidos, caso eleitos.
O crime organizado, no Rio e em outras capitais, faz muito deixou de constituir-se num problema municipal. Nem estadual. Trata-se de questão nacional, a exigir de Brasília medidas drásticas, cirúrgicas e imediatas, por razão bem simples: os tentáculos dos bandidos estendem-se pelo asfalto, tanto faz se através dos narcotraficantes ou dos pseudodefensores da ordem.
Entre eles haverá, se ainda não há, um estranho acordo de convivência quando se trata de preservar atividades, métodos e controle sobre as comunidades e as vizinhanças, sempre ampliadas. Importa menos se os candidatos tergiversam e negam estar negociando com o crime. Porque estão.
Quanto, a saber, como deve agir o governo constituído, torna-se um enigma dentro de uma dúvida. Pelo jeito, a utilização das forças armadas não dá certo. Multiplicar as polícias civis e militar, também não. Há quem suponha sucesso no chamado efeito dominó. Os traficantes existem porque existem usuários, e as milícias, porque existem traficantes.
Desmorona-se a estrutura caso os viciados venham a ser tratados como causa, não efeito. São eles que alimentam o comércio e a distribuição de drogas. Doentes? Sem dúvida, mas, também, sustentáculos do crime. Como adquirem cocaína, heroína, crack e tantos outros venenos? Ou vão comprar ou recebem em domicílio.
Estrangular o comércio e considerar os usuários passíveis de processo e até prisão, além de tratamento, seria mais do que a moda mais recente, de prender e processar quem tomou um chope antes de dirigir? A Lei Seca tornou-se uma necessidade para evitar a crescente sucessão de mortes e desastres no trânsito. Uma pena para quem gosta de relaxar tomando uma bebidinha, antes de ir para casa. Mas uma necessidade.
Não seria tão ou mais necessário agir com firmeza no combate ao uso das drogas? Muito mais vidas seriam poupadas nos tiroteios com a polícia, na disputa entre traficantes e no sacrifício de inocentes. Numa palavra, apenas: lei severa contra os usuários, ricos e pobres, desde expô-los na televisão até condená-los à prisão ou à prestação de serviços civis alternativos. Com tolerância zero. Apenas uma consideração final: quantos serão os usuários de drogas, no Rio? Um milhão? Dois? Será que eles votam?
Os três grandes e os quatro pequenos
Os presidentes Lula, do Brasil, e Hugo Chávez, da Venezuela, reúnem-se amanhã em La Paz com o presidente boliviano Evo Morales. Será o encontro dos três grandes, em termos de América do Sul, mesmo faltando outros de igual significação.
O encontro não se prestará à condenação da Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos, tendo em vista que a Bolívia não tem mar. Fosse para Lula e Chávez irrigarem com um pouco mais de dólares a frágil economia daquele país, o trajeto estaria errado. Morales é que deveria vir a Brasília e ir a Caracas. Posicionarem-se a respeito das eleições americanas também não parece viável, mesmo sabendo-se que os três, em particular, demonstram simpatia por Barak Obama.
Uma estratégia para enfrentar a questão das Farc, na Colômbia? Também não, caracterizaria intervenção nos negócios de Álvaro Uribe, quando as relações de seus vizinhos com ele melhoraram muito.
Há quem suponha que, muito de leve, os três presidentes avançariam alguns milímetros na idéia da criação de uma força sul-americana de paz, forma de mandar ao Hemisfério Norte um frágil recado de afirmação da soberania do subcontinente.
Quem quiser que especule, saberemos logo os motivos reais e pouco depois as razões encobertas desse encontro dos três grandes. Se não vier, em seguida, a reunião dos quatro pequenos...
Racha total
Autor não muito citado nos tempos de neoliberalismo, Lênin disse certa feita que não se faça omelete sem quebrar os ovos. Quem sabe se dessa intensa lambança que assola o Poder Judiciário não possa nascer o embrião da sua verdadeira reforma? Afinal, há décadas que assistimos tentativas, umas pífias, outras malandras, de alteração nas estruturas da Justiça, todas fracassadas.
Agora que se dividem como gregos e troianos juízes de primeira instância, procuradores, ministros de tribunais superiores, advogados e diletantes, quem sabe possa fluir do conflito uma aragem de bom senso, capaz de mudar e agilizar o arcaico Terceiro Poder da República? Afinal, é sempre bom lembrar que da população dizimada nos escombros de Tróia nasceu a todo-poderosa Roma.
Os ovos da omelete leninista estão sendo quebrados com sutileza elefantina, valendo registrar serem carecas, como os ovos, os dois maiores contendores da tertúlia, o ministro Gilmar Mendes e o juiz Fausto de Sanctis.
Por enquanto tem dado empate, porque se quase duzentos juízes solidarizaram-se com o colega da Sexta Vara Criminal da Justiça Federal, igual número de advogados de primeira linha formaram ao lado do presidente do Supremo Tribunal Federal.
O momento da trégua pode estar próximo, mas das ruínas do embate bem que poderiam surgir as bases de uma Justiça acorde com as necessidades nacionais. Legislativo, Executivo e o próprio Judiciário dispõem de condições para mudar tudo, desde que haja vontade política. Até mesmo recriarem o Poder Moderador, jamais conforme o modelo do Império, mas, quem sabe, delegando à sociedade atribuições até hoje separadas por uma falsa harmonia...
Sem algemas nem televisão
Ficou incompleto o noticiário da reunião do Conselho Político do governo, segunda-feira, quando o presidente Lula, pelo que foi divulgado, insurgiu-se contra o uso de algemas e contra a presença da televisão nas operações da Polícia Federal.
Terão sido apenas essas as observações do presidente da República, diante de uma das mais profundas convulsões institucionais registradas desde sua primeira posse? Parece óbvio que não. Pelo temperamento e pelas obrigações de chefe de um dos três poderes da União, o Lula terá avançado em comentários e até em diagnósticos mais profundos.
Como bom corintiano, ele não parece adepto do empate nos grandes jogos do campeonato. Torce sempre por um dos times. No caso, apenas como especulação, porque a partida não terminou, o presidente estaria mais próximo das razões do juiz de primeira instância do que do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal. E por motivo muito simples: deve estar sempre sintonizado com as arquibancadas.
E essas, se pudesse haver uma pesquisa honesta de opinião, se inclinariam pela prisão e punição de criminosos de colarinho branco, do tipo Daniel Dantas, além, é claro, de sua reação diante da postura recente do ministro Gilmar Mendes, antes da crise do habeas-corpus. Afinal, os três poderes da União são harmônicos e independentes, mas um deles é mais poderoso que os outros. Precisamente aquele que foi submetido ao voto universal.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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