Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - É hora de reler a letra da magistral criação de Stanislaw Ponte Preta, o "Samba do crioulo doido", personagem que de tanto desfilar nos carnavais entoando enredos históricos, concluiu que a princesa Isabel havia casado com Tiradentes, por sua vez filho de Floriano Peixoto e pai de Rui Barbosa. Ou coisa parecida.
Imagem melhor não há para definir as idas e vindas de Daniel Dantas para a prisão e sua tentativa de subornar delegado. Mais a concordância com o afastamento e logo depois a determinação do presidente Lula para que delegado Protógenes Queiroz permaneça à frente do inquérito, entre denúncias de grampos telefônicos no Palácio do Planalto. E as peripécias do ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh junto ao chefe de gabinete da presidência, Gilberto Carvalho?
Sem esquecer o conflito virulento e a pacificação angelical entre o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O que dizer do apoio de quase duzentos juízes e procuradores ao colega Fabio de Sanctis, em confronto com a manifestação de importantes advogados paulistas em favor do presidente do Supremo? Sobressaem no enredo, também, o racha na cúpula da Polícia Federal pelo uso ou a dispensa de algemas para suspeitos de crimes contra a ordem financeira, assim como pela participação ainda indefinida da Abin nas investigações.
A cada dia novas lambanças somam-se às anteriores e levam à loucura qualquer repórter encarregado da cobertura de mais essa operação policial, aliás, apenas uma em dezenas desencadeadas recentemente.
Se não é o "Samba do crioulo doido", pode ser o "Pagode do País dos insanos". Logo um slogan dominará as campanhas das eleições de 2010: "Basta de intermediários: Daniel Dantas para presidente!".
O farisaísmo domina a sociedade brasileira
Depois da Lei Seca, promovida pelo Executivo, entra em campo a proibição da propaganda de bebidas alcoólicas na televisão, em debate no Congresso.
Não fossem os exageros, nada haveria a opor à lei que submete os bafômetros, cassa a carteira de habilitação, multa e até prende motoristas embriagados na direção de veículos. O diabo é que são punidos até os padres que acabaram de celebrar missa, tendo ingerido o sagrado cálice de vinho transmudado no sangue de Cristo. Como castigado será algum desavisado chocólatra motorizado depois de deglutir um bombom de licor.
Agora chega a vez da propaganda de bebidas ditas leves, como cerveja, porque as pesadas estão há tempos banidas dos vídeos, como cachaça. Não demora muito e, à maneira dos maços de cigarro, as latinhas serão obrigadas a estamparem dramáticas imagens de monumentais desastres rodoviários, com a exposição de vítimas estripadas.
É o tal exagero que nos assola, cujo nome correto deveria ser farisaísmo. Porque se o cigarro mata e deve desaparecer, que tenham a coragem de fechar as fábricas, em vez de humilhar os fumantes. Só que nesse caso os cofres públicos minguariam, sem os impostos recolhidos pela indústria do fumo.
E se deputados e senadores chegarem à conclusão de que pouparão os jovens do alcoolismo e as rodovias, da sombra da morte, pela proibição da publicidade das cervejarias? Talvez não se contentem com o inócuo "beba com moderação", previamente superado pela presença de belas mocinhas recomendando esta ou aquela marca de cerveja. Evitar exageros parece fórmula ideal para que qualquer lei seja acatada e cumprida.
Bancos públicos perdem cada vez mais sua função social
Está nos jornais. Para financiar a compra de uma megaempresa telefônica por outra, o Banco do Brasil emprestará à operadora Oi 4,3 bilhões de reais, certamente a juros subsidiados. O BNDES, antes, já havia liberado 2,5 bilhões.
Chega a constituir questão de menor importância saber que Daniel Dantas irá faturar um bilhão mesmo se, por milagre, tiver voltado para a cadeia. O grave nessa crônica do horror é que 330 bebês acabam de morrer num hospital de Belém do Pará, que o número de analfabetos multiplicou nos últimos anos, que metade da população carece de saneamento e água potável, que o crime organizado amplia suas atividades e que o desemprego, apesar da farta propaganda oficial, atinge 30 milhões de trabalhadores.
Se duas empresas privadas negociam seus ativos e seu patrimônio, que sejam felizes na negociação, cada qual correndo o risco de viver num sistema capitalista. Mas promover capitalismo sem risco seria cômico se não fosse trágico.
Ainda está para ser escrita a história das privatizações entre nós. A grande maioria das operações praticadas à beira da irresponsabilidade aconteceu com dinheiro público, sem falar nas polpudas comissões que transformaram ministros em banqueiros e bandidos em investidores. Só ignorávamos que a chicana continuaria depois da entrega do patrimônio público. Virou coisa privada, mas, da mesma forma, com o tesouro nacional à disposição das mesmas quadrilhas de sempre.
A reação continua
Mergulharam os principais dirigentes do PT, senão felizes, ao menos desafogados por conta da crise Daniel Dantas. Nenhum deles teve seu nome envolvido nos negócios escusos do banqueiro, admitindo-se que Luiz Eduardo Greenhagh deixou o clubinho faz tempo, depois de ser derrotado para a presidência da Câmara e, mais tarde, na tentativa de reeleger-se deputado. Virou o José Dirceu dos pobres, apesar de advogado regiamente remunerado. Não pertence mais ao grupo dos que se dedicam a traçar estratégias para a preservação do poder.
A palavra de ordem do presidente Ricardo Berzoini, por sinal em vilegiatura por Cuba, é de pararem de criticar, mesmo à socapa, a possível candidatura de Dilma Rousseff em 2010. Não que concordem com ela, mas perceberam que sabotar ostensivamente a chefe da Casa Civil só vinha fazendo o nome dela crescer. Imaginam que acabará minguando por conta própria.
Estarão os caciques do PT, mesmo contrariando diretrizes do presidente Lula, dispostos a regar a horta de outro candidato saído de seus quadros? São poucas as possibilidades, por enquanto, mas é certo que rejeitarão qualquer alternativa fora de seus quadros. Ou alguém do PT, de preferência do sexo masculino. Ou, como opção derradeira, o terceiro mandato.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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