Senadores e deputados defendem “liberdade de expressão” contra medidas para exigir responsabilidade da publicidade
Briga de Temporão no Congresso não vai se limitar ao PMDB
Renata Camargo
O debate sobre a imposição de limites a anúncios de alimentos e a comerciais destinados ao público infantil é o mais novo desafio ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão. O tema deve esquentar o Congresso Nacional após o recesso parlamentar. Ao passo que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) trabalha para restringir a publicidade, um grupo de deputados e senadores lançou ontem (15) a Frente Parlamentar da Comunicação Social, criada como “uma reação às tentativas de cercear a liberdade de expressão comercial”.
“Estaremos defendendo os critérios da sociedade, preservando os direitos dos responsáveis pela publicidade. O debate para a regularização do setor está atrasado em 30 anos”, argumenta o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), parlamentar que encabeça os trabalhos do grupo junto com o deputado Milton Monti (PR-SP).
Dos 513 deputados, 198 são signatários da frente. No Senado, que possui um total de 81 senadores, 38 defenderam os interesses da “liberdade de expressão comercial”. Na contramão dos interesses da frente e entre os que defendem maior rigor à publicidade, está o senador Cristovam Buarque (PT-DF). O petista avalia que deve haver maiores restrições a comerciais e anúncios sem que seja afetado o direito à liberdade.
“Vai ser um grande debate no Congresso. Ou põe certas normas ou não ganha a guerra pela educação. Educação é escola, família e mídia. Tanto programas quanto propagandas influenciam na formação, em especial, das crianças”, desafia o senador Cristovam.
Censura
A Frente Parlamentar da Comunicação Social é lançada no momento em que o setor publicitário realiza o 4º Congresso Brasileiro de Publicidade – depois de três décadas sem um encontro nacional – e num contexto em que o governo prepara uma resolução para restringir a propaganda de alimentos e tenta aprovar uma lei que proíbe publicidade para crianças (leia aqui).
No congresso dos publicitários, que se encerra hoje (16), diversas vozes se pronunciaram em defesa da livre expressão da propaganda. Um dos nomes mais emblemáticos do setor de comunicação brasileira, o presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril, Roberto Civita, disse que não é possível resolver problemas sociais de grande complexidade apenas com a proibição de propagandas.
“Durante oito anos a censura atuou no Brasil e proporcionou uma apreciação maior da liberdade. Hoje há liberdade de imprensa no país, mas a dificuldade atual é mantê-la. Quanto mais defendemos a liberdade na publicidade, maior é o compromisso em sermos responsáveis”, defendeu Civita em seu discurso.
O direito à liberdade de expressão, assegurado pela Constituição, não se aplica à publicidade comercial na opinião da gerente de monitoramento e fiscalização de propaganda da Anvisa, Maria José Delgado. Responsável por coordenar a regulamentação que restringe propagandas de alimentos, Maria Delgado afirma que a publicidade se enquadra nos direitos econômicos constitucionais.
“Para nós é claro o que é liberdade de expressão e o que é propaganda. As coisas não se misturam. Esse discurso pode engessar o processo de regulamentação do setor. Os impactos da propaganda são claros no consumo”, acredita a gerente da Anvisa.
Desconforto para Temporão
A defesa de uma maior rigidez para a publicidade de comidas gordurosas tem criado uma zona de desconforto para o ministro Temporão. Ainda que os motivos para o descontentamento de alguns com o chefe da Saúde sejam muito mais abrangentes, ele enfrenta o nariz torcido de publicitários e consumidores adeptos à livre publicidade. A atuação do ministro tem causado insatisfação na base governista por causa da ocupação de cargos no Executivo.
Parlamentares do PMDB asseguram que Temporão está sob pressão dos líderes do partido por não atender os desejos da bancada no Congresso. Pelos corredores do Congresso, deputados e senadores falam sobre o assunto, mas sem indicar nomes.
Segundo eles, o ministro da Saúde faturou politicamente com a chamada “lei seca”. Mesmo não sendo o autor da idéia, ela surgiu a partir de uma medida provisória polêmica bancada por Temporão no início do ano. A MP previa a proibição de venda de bebidas em rodovias. Acabou se convertendo, após emendas no Congresso, na “lei seca” para todas as cidades do país. Estão sendo multados os motoristas que consumirem qualquer quantidade de álcool.
Por isso, seria natural que alguns senadores e deputados peemedebistas, boicotassem medidas de Temporão que aumentassem seu prestígio – como, por exemplo, a restrição à propaganda de alimentos pouco saudáveis. Isso seria uma represália ao fato de o ministro não atender a indicação de seus afilhados políticos em cargos técnicos no Ministério da Saúde.
Apesar disso, o líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), nega qualquer pressão revelada nos bastidores do Legislativo. “Eu nunca ouvi falar nisso”, afirma Raupp, visivelmente desconfortável. O presidente do partido, deputado Michel Temer (SP), também nega, mesmo já tem admitido publicamente algumas insatisfações com o colega da pasta da Saúde. Segundo a assessoria de Temer, “não há qualquer articulação partidária contra o ministro ou manifestação oficial para retirar Temporão do cargo”.
Respaldo político
Enquanto isso, a oposição alega que falta respaldo político a Temporão. Sem força eleitoral, o ministro da Saúde não tem tido grandes “ânimos” para brigar com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Levantamento do DEM, feito por meio de dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo (Siafi), revela que, até o final de junho, a pasta Saúde só havia gasto 1,02% dos R$ 3,37 bilhões previstos no orçamento, o equivalente a R$ 34,2 milhões.
“Falta respaldo político. Ele é preparado tecnicamente e, é claro, que ele quer acertar, mas está um pouco isolado”, afirma o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar da Saúde.
Para Guerra, as polêmicas levantadas por Temporão – que vão desde a defesa do aborto a “brigas” com o cantor Zeca Pagodinho, por conta das restrições a propagandas de cerveja – são questões “midiáticas”, que escondem a falta de programas de governo.
“Da mesma forma que o ministro Tarso [Genro, da Justiça] não pode dizer que Daniel Dantas vai ter dificuldade de se defender, não é papel do ministro da Saúde tomar a frente da discussão filosófica sobre o aborto, por exemplo”, argumenta Guerra.
fonte: congressoemfoco
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